No dia 9 do corrente a pequena localidade de Saint-Hippolyte-du-Fort, no sudeste de França, próxima de Nimes, foi abalada pela notícia do suicídio de Pierre Jallatte, de 89 anos, ex-proprietário de uma importante empresa de calçado ali localizada.
Pierre Jallatte tomou conta da empresa em 1945, com 27 anos, logo a seguir à II Guerra, sucedendo a seu Pai que a tinha fundado.
A empresa cresceu e prosperou até que Jallatte, em 1983, decidiu vendê-la por não se sentir capaz de continuar a dirigir o negócio.
De então para cá, a empresa, não obstante continuar próspera – ou talvez mesmo por isso - mudou de mãos várias vezes, sendo seu actual proprietário um grupo italiano do calçado cujo capital é por sua vez controlado por bancos americanos.
O actual proprietário italo/americano anunciou há pouco a intenção de deslocalizar a empresa para a Tunísia - apesar de o negócio continuar lucrativo – pondo em causa a subsistência dos 350 postos de trabalho, na sua grande maioria pessoas residentes em Saint-Hipollyte.
Para Pierre Jallatte foi um golpe insuportável a notícia do encerramento da empresa e da destruição dos 350 postos de trabalho. Suicidou-se com um tiro na cabeça em 8 de Junho.
É evidente que estamos perante uma decisão de desespero, que não pode constituir exemplo nem modelo para ninguém.
Nem me parece que a forma mais eficaz de evitar alguns vícios da globalização – sou dos que pensam que a globalização não tem só vantagens embora tenha algumas e significativas – seja o suicídio.
Creio, não obstante, que o gesto extremo de Jallatte encerra alguma nobreza de carácter: ofereceu o sacrifício da sua vida em protesto contra a eliminação dos postos de trabalho que seu pai tinha criado e ele manteve, ao longo de décadas.
Quando percebeu que já não tinha força para se opor à corrente pragmático/liberal, impôs a si próprio o sacrifício máximo, a perda da vida, como forma de protesto contra um mundo em que já não podia acreditar nem vencer.
Temos aqui também um curioso contraste com alguns diletantes anti-globalização, que frequentam os nossos melhores restaurantes e se passeiam pelas galerias sociais clamando “bravamente” contra os malefícios da globalização.
Se alguém os ameaçar com uma agulha apontada à polpa de um dedo, será que terão coragem para continuar a clamar contra a globalização ou estarão disponíveis para esquecer seus vícios - quem sabe se para reconhecer seus inquestionáveis méritos?
12 comentários:
Dr. Tavares Moreira
Que desespero, desgosto, sofrimento, incompreensão, leva alguém a oferecer a sua vida contra o "desaparecimento" de uma coisa, ainda que tenha sido a razão da vida de seu pai e da sua própria vida?
Jallatte terá gritado contra a globalização mas em vão! Foi mais uma "vítima" injusta da globalização, como tantas outras.
Mas a globalização venceu e prova em contrário o fenómeno vais continuar. O que devemos esperar é que a Europa consiga dela retirar benefícios que aproveitem os seus cidadãos, possibilitando a criação de novas oportunidades e mais riqueza.
Será que os 350 trabalhadores da empresa que tanto orgulhava Jallatte encontrarão uma nova oportunidade de emprego? Quanto tempo terão que esperar? Será uma oportunidade duradoura? Promissora? Respostas para as quais a globalização não dá uma resposta imediata...
Esta história é um manancial para leituras exegéticas do sucedido!
Será que podemos ver no Sr. Jallatte a velha Europa, a Europa que decide suicidar-se por incapacidade de reinvenção?
Esta história é também interessante pelo timing, agora que começa a assistir-se a um "comeback" da indústria de calçado portuguesa, através de empresas que se reinventaram, empresas que abandonaram o negócio do preço, que deixaram de vender minutos e alugar mão-de-obra, e mergulharam no negócio das pequenas séries, no negócio da moda, no negócio da margem.
Caro Dr Tavares Moreira, esta história é pertinente e que merece alguma meditação.
Talvez pela minha vivência pessoal, é me impossível conceber o acto de suicíduo como acto de coragem. Confesso que é com dificuldade que atribuo a origem da morte à globalização. A globalização não é de todo algo negativo, a forma como o ser humano a pratica é que pode gerar desvios nefastos.
Vejamos por exemplo a Irlanda não se dá mal com a globalização. Não podemos culpar a globalização, quando fomos nós que não nos adptamos.
A sugestão do Ccz é muito interessante. A metáfora é excelente. Possivelmente temos de deixar de olhar sobre os ombros, devemos deixar partir o antigamente. A globalização está aí e não deve meter medo, o país deve é conceber um projecto estratégico, como já sugeriu a estimada Margarida.
A solução é sem dúvida a educação, há um video que esclarece esta necessidade aqui, por outro lado é assim que se educa aqui, sem noção das consequências, educar não é obrigação de todos.
Talvez com educação e formação os Srs. Jallatte, não tinham de vender a empresa por não terem capacidade para a gerir, ou haveria alguém da sociedade local que comprasse a empresa.
Mas isto são só opiniões a vulso ... para acabar apenas me resta dizer Paz à sua alma.
A loucura que levou este homem ao suicidio foi, provavelmente, a forma que encontrou para redimir-se do mal que causou aos seus concidadãos; Considerando a idade do senhor, é natural que pensasse desta forma.
Tenho a certeza que os benefícios e os malefícios da globalização, nunca foram equacionados por este idoso e, por isso, ao ver a "sua" fábrica desaparecer entrou neste processo de loucura.
Também eu, muito recentemente, ao ver no TELEJORNAL o primeiro ministro da Polónia a enfrentar o primeiro ministro de Portugal - e diga-se em abono da verdade com toda a razão, dada a forma arrogante, como o nosso Primeiro Ministro apelou ao consenso a propósito da próxima presidência da união -, também eu, naquele momento senti que estamos todos a ficar loucos! Onde já se viu, tamanha arrogância para com um representante doutro estado membro? Que bela atitude a deste senhor!!
Caros Comentadores,
Com o devido respeito, vamos lá a ver se nos entendemos.
1. Eu não demonizei a globalização, disse até que ela tem vantagens significativas, só que na minha opinião tem também aspectos negativos - no sentido que impõe custos elevados a muita gente, sobretudo aos menos aptos para aproveitar as oportunidades que oferece e gerir os riscos que coloca;
2. Eu disse claramente que não podia considerar a trágica atitude como um exemplo ou modelo, nem como forma de reagir à globalização. Mas reconheci que o seu gesto extremo tem um elemento de nobreza, a coragem de oferecer o sacrifício da sua própria vida num gesto simbólico de protesto.
3. O Snr. Jallatte começou precisamente por vender a sua empresa a empresários seus concidadãos, a empresa continuou a prosperar, onde está o erro do Snr. Jallatte? - Lá pelo facto de o seu pai ter sido o fundador estaria ele impedido de vender?
O facto de a empresa, subsequentemente, ter mudado novamente de mãos foi algo que, presumo, escapou totalmente à vontade do Snr. Jallatte.
4. Um facto que não deixo de assinalar é que as PME estão mais sujeitas aos efeitos da globalização, regrageral, as grandes empresas procuram sempre alguma protecção nos poderes públicos...Em França (como cá, aliás) isso é um fenómeno bem visível...
Grande caso!
Muitas vezes, lá pelo blog, escrevi sobre a diferença entre os gestores e os construtores, até pelo caso paradigmático do BCP que vimos assistindo. Porque construir uma realidade empresarial é um exercício de amor enquanto gerir essa realidade é um exercício de bom-senso. Um construtor raramente recorre à redução de pessoal como fonte de receita ou eficiência, não é esse o foco dele. O foco é construir e as pessoas que tem estão casadas com ele nos objectivos. Um gestor fará aquilo que é necessário para dar valor, mesmo que esse valor seja um cálculo "estacionário".
As empresas de sucesso são aquelas que conseguem conjugar a construção e a gestão; o amor e o bom-senso, como em qualquer relação. Um construtor não "deslocaliza", isso é algo que não lhe passa pela cabeça, é um mau acto de gestão porque não há chinês que o defenda como defendem os seus.
O acto do Sr. Pierre em vender a empresa foi um acto de bom-senso, mas isso não matou o amor e a ligação que tem com o conjunto de pessoas que o acompanhou. Grande exemplo também para aqueles que lutam contra a exploração da classe operária e o grande capital de bandeira negra. Imagino que o Carvalho da Silva lá do sítio se tenha imolado pelo fogo...
Grande exemplo, para todos!
Belo comentário, caro Tonibler!...
É verdade, Pinho Cardão. Muito impressiva a perspectiva que o Tonibler trouxe. Nunca tinha olhado para a criação e gestão das empresas deste modo. E pensando segundo este ponto de vista, na minha experiência de vida encontro, de facto, casos em que a leitura do Tonibler assenta como uma luva.
Caro Tonibler,
Uma lúcida reflexão a do seu comentário
Uma pequena nota para sugerir que o bom-senso que refere é um conceito que se identifica, na minha opinião, com o de pragmatismo.
Certo que podemos talvez distinguir dois ou mais graus de pragmatismo, consoante a dureza/agressividade das decisões em que se revela.
teremos assim que a venda da empresa por parte do Snr. Jallatte foi um acto de pragmatismo moderado, que não punha em causa os valores inerentes à relação mais afectiva do construtor.
Já a decisão recente de deslocalizar para a Tunísia é um acto de pragmatismo agressivo, que rompe totalmente com a relação afectiva do "construtor".
Essa ruptura conduziu o Snr. Jallatte, inconformado com a dureza da decisão, ao gesto extremo do suicídio.
E essa ruptura é claramente um fenómeno da globalização.
Os nossos heróicos sindicalistas da CGTP ( nem todos, devo admitir, para não ser injusto) são mais do tipo inconformado-diletante do que do inconformado-radical de que é exemplo singular o Snr. Jallatte.
Já vos disse que o Tonibler escreve em
http://tonibler.blogspot.com/
???
Já?
;)
Excelente post, que soube tratar um "caso" como um assunto capaz de suscitar este interessante debate. Como diz Tonibler, há uma grande diferença entre ser empresário ou ser gestor, o mal é confundirem-se as coisas permanentemente e depois não entendermos porque é que nalguns casos as coisas correm bem e noutros não. Cada um tem o seu papel e é determinado por valores completamente distintos, ainda que meritórios e úteis, mas não substituíveis. A globalização, frenética como é, não dá muito tempo a que as pessoas se detenham a pensar nos valores, no que determina os comportamentos, talvez seja por isso que muitos a recusam ou odeiam e se sentem vítimas ou excluídos. O sr. Jallatte não era só empresário, era um empresário francês, certamente para ele as duas não eram dissociáveis e não conseguiu encontrar consolo no facto de o "negócio" continuar noutro sítio qualquer, às vezes é mesmo muito difícil acreditar nessa ficção de que o mundo é um "todo"...
Caros,
Obrigado pelos elogios que muito me orgulham.
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