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segunda-feira, 17 de maio de 2010

Sorriso dourado

Apareceu um dia lá na terra oriundo da vizinhança. Bem-parecido, detentor de uma voz suave mas não muito alta, expressava-se através de uns lábios em perpétuo estado de sorriso de felicidade mais do que suficiente para criar empatia com os recém-conhecidos. Tinha o condão - sempre que ouvia ou via alguém com necessidades -, de oferecer, imediatamente, os seus préstimos ou encontrar alguém mais adequado à resolução do problema. De solícito passou, rapidamente, a ser solicitado e respeitado por todos. A nível profissional não havia ninguém que não quisesse ser atendido por ele, ao ponto de mostrarem algum aborrecimento quando outros funcionários se lhe antecipavam. Nunca discordava de ninguém, embalava-se com uma facilidade dos diabos nas orientações das conversas, concordando e reforçando as sentenças e opiniões de qualquer um, mesmo que as mesmas divergissem de uns para outros. Ninguém se apercebia deste camalear opinativo e, mesmo se dessem conta, também não se importariam muito porque a força das suas convicções sobrepunha-se às discrepâncias. Muitas vezes, as opiniões pareciam-se mais como bênçãos sorridentes acompanhadas de um balancear frenético da cabeça e um conjunto de sons suaves mas inaudíveis que não eram mais do que grunhidos mentais de aparente subserviência aos interlocutores. Este processo era de tal forma eficiente que ninguém era capaz de reproduzir fielmente as suas ideias. Nunca manifestava tristeza ou raiva, e ar carrancudo foi coisa que nunca se lhe viu, antes pelo contrário. Era incapaz de falar alto e de estar calado, saltitando de discurso para discurso de acordo com a batuta do interlocutor. Chegava, nalguns casos, a ser um chato da pior espécie. Para conseguir algum intervalo tinha que mudar de assunto. Enquanto não engatasse no novo tema, então, era possível dissertar livremente. Mas era sol de pouca dura, porque logo em seguida, prestável, queria fazer as honras de acompanhamento com pompa e circunstância. Nessas alturas ficava com os cabelos em pé e com taquicardia.
Os anos passaram-se. A folha de vencimentos pouco ou nada mudava e não oferecia passagem para o El Dorado. Foi então que num ápice se meteu num negócio. Nunca tinha feito nada na área em questão, mas isso não era impeditivo, porque o que tinha a fazer era muito pouco, apenas disponibilizar os produtos a troco de dinheiro vivo, cheques e transferências bancárias. Manteve sempre o mesmo estilo, agora reforçado pela necessidade de aumentar o negócio, o que não foi difícil, como se compreende. De súbito, os maços de notas tornaram-se verdadeiros troncos, as gavetas abarrotavam de cheques e a conta bancária crescia, quase que me atreveria a dizer, desmesuradamente. Como corolário do novo status passou a pavonear sinais de riqueza. Estes sinais expressavam-se sob as mais variadas formas. Mais do que os bens materiais, o que mais me chamava a atenção era a forma de querer resolver os diferentes tipos de problemas, utilizando expressões do género: “Eu pago, o que for preciso”, “Não se preocupe com as despesas”, “Dinheiro não é problema”. Conseguia reduzir quaisquer necessidades ou problemas ao denominador dinheiro. E fazer ver que muitas coisas não tinham nada a ver com mais ou menos dinheiro? Impossível. Quando se alcança o El Dorado, o mundo vira de cor e de cheiro. Ao transpirar ouro pelos poros levou, naturalmente, alguns amigos a invejar a sorte ou a audácia em negócios que contrastavam com os seus, muito mais duros e menos bem cheirosos. Até que um dia, sempre solícito, e atento às necessidades e gula dos amigos, abriu-lhes a possibilidade de ganhar alguma guita com o negócio. Com o pretexto, maníaco, de aumentar a empresa com mais unidades não lhe foi difícil obter empréstimos os quais seriam compensados chorudamente com mais-valias de truz. E, assim, os troncos de notas engrossavam como se fossem milenares sequoias. Ao mesmo tempo, as promissórias, algumas avultadíssimas, eram assinadas de cruz pelos crentes. Afinal, precisava de dinheiro porque se “esquecia” de pagar os produtos que vendia, além de ter enveredado por falsas vendas. O que é certo é que continuava a ser uma pessoa bem-parecida, de voz suave, e não muito alta, expressando-se constantemente com sorrisos que jorravam felicidade mais do que suficiente para criar confiança aos recém-financiadores. Nunca mostrou qualquer sinal de insegurança e muito menos de preocupação. À medida que o tempo ia passando, os subscritores das promissórias começaram a sentir que tinham caído a um poço. Para um deles o poço era tão fundo que, para evitar a longa queda, preferiu tomar a vida nas suas mãos libertando-se da fantasia de um El Dorado que teimava em chegar. O promotor desta viagem apressada para um outro mundo, o do esquecimento, continuou sempre com a sua simpatia e fala suave. Passou pelo purgatório da justiça, acabando por entrar, mais tarde, num qualquer reino extraterrestre, talvez o verdadeiro El Dorado, muito provavelmente, com o seu sorriso dourado. Um sorriso que recusou sempre tratar...

2 comentários:

Bartolomeu disse...

Parece um retrato fiel do nosso país, Senhor Professor.
Ou então... uma simbiose entre a Dona Branca, a conhecida "Banqueira do Povo" e o actual Governo.
;)))))
Excelente, caro Amigo... excelente!!!

Suzana Toscano disse...

Uma vertigem, que muitos devem ter sofrido e ainda estão a sofrer, arrastando muitos outros para a desgraça. Mas a maior parte safou-se antes do fim da história.