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segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Renascimento dos Certificados de Aforro: já não era sem tempo...

1. Nos últimos anos da gloriosa era socrática, de boa memória, deixei aqui diversos apontamentos para a morte anunciada dos Certificados de Aforro (CA’s), o mais tradicional instrumento de poupança dos particulares em Portugal, em consequência das alterações introduzidas na sua remuneração em 2008, que penalizaram retroactivamente muitos aforradores.

2. Diversos outros comentadores se referiram então ao tema, estranhando a política adoptada pelo Governo de então, que tinha como resultado diminuir o financiamento do Estado por residentes, substituindo-o por financiamento externo a custos mais elevados e com um risco muito maior (como viria a demonstrar-se não muito tempo depois...).

3. A estas críticas viria a responder publicamente o membro do Governo responsável pelo pelouro da dívida pública (SET), com o estranho argumento de que não era papel do Estado bonificar as poupanças dos aforradores residentes...

4. ...devendo pois deduzir-se, “a contrario”, que o papel do Estado seria sim o de bonificar os juros recebidos pelos financiadores externos , aceitando pagar a estes um juro bem mais elevado - em troco de um financiamento de maior risco para o emitente!

5. Cumpre referir que, em resultado da política em questão – que para além de reduzir as taxas aplicáveis ao investimento em CA’S foi ao ponto de penalizar retroactivamente os detentores de CA’s já emitidos – o saldo vivo de CA’s entrou num processo de declínio inexorável, com pedidos de resgates sucessivos de milhares de aforradores que se sentiram enganados...

6. ...passando de um pico de € 18.186 milhões em Janeiro de 2008 para € 16.824 milhões no final de 2009, € 15.471 milhões no final de 2010, € 11.384 milhões no final de 2011, € 9.669 milhões no final de 2012...

7. ...e começando a recuperar só em 2013, em cujo final o saldo vivo de CA’s ascendia a € 10.132 milhões, continuando a subir no corrente ano, atingindo € 10.856 milhões em Junho último.

8. Entretanto foi criado em 2010 um novo instrumento de dívida pública também direccionado aos particulares, os Certificados do Tesouro (CT’s), de mais longo prazo, mas que tardaria a suscitar um interesse significativo: de um saldo de € 685 milhões no final de 2010 (ano em que o saldo de CA’s caiu € 1.353 milhões), passaria a € 1.308 milhões no final de 2011, a € 1.416 milhões no final de 2012 e a € 2.026 milhões no final de 2013...

9. ...acelerando claramente no 1º semestre de 2014, fechando no final de Junho com um saldo de € 3.151 milhões – ou seja, só no 1º semestre de 2014 as aplicações em CT’s aumentaram € 1.125 milhões, quase o dobro do valor acumulado em todo o ano 2013...

10. Saúda-se esta mudança de política de emissão de dívida pública - que apesar de tudo demorou quase dois anos a adoptar, após a entrada em funções do novo Governo - permitindo substituir dívida externa de custo mais elevado e de comportamento bem mais volátil, por dívida interna...agora consegue-se perceber.

19 comentários:

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Dr. Tavares Moreira
Muito oportuno o tema. É importante que o Estado diversifique as suas fontes de financiamento. Com efeito, há poupança interna disponível para adquirir dívida pública nacional, assim os governos saibam dar os incentivos certos. E são muito importantes os sinais que o Estado transmite aos aforradores particulares sobre a necessidade de poupança, especialmente, de longo prazo. A questão da confiança e segurança não pode estar dissociada desta estratégia.

João Pires da Cruz disse...

Um engodo de onde espero que as pessoas fujam. Os certificados de aforro têm risco da república portuguesa, que recordava ser uma organização onde não poucos prováveis decisores incitam ao default, o chefe máximo tem um historial de colaboração em manobras de simulação contabilística e bloqueio das decisões dos accionistas, o conselho de supervisão só procura garantir os seus vencimentos e o gestor que se segue acredita no moto perpétuo e tem um historial de levar a organização à banca rota. Ao pé disto o Ex-BES é uma história de exagero ns prudência.
Como os subscritores são maioritariamente pessoas de idade, estas deviam ser encaminhadas para colocar o dinheiro em locais mais seguros, como os bancos, onde as suas poupanças estão garantidas a nível europeu. Por isso, o aumento dos CA é uma péssima notícia.

Diogo disse...

Caro Tavares Moreira,

Estou absolutamente certo que não ignorará que o Centrão – PS + PSD + (cds) – não passa de uma fraude que consiste na fundação e financiamento pela elite do poder de dois partidos políticos (e umas migalhas) que surgem aos olhos do eleitorado como antagónicos, mas que, de facto, constituem um partido único. E cujo objetivo é fornecer aos eleitores a ilusão de liberdade de escolha política e serenar possíveis sentimentos de revolta contra a elite dominante.

Donde, o fim dos certificados de aforro por uma ala do Centrão (PS), enquanto a outra ala (PSD + cds) só os repôs passados dois anos. O Poder Financeiro sai sempre vencedor.



Cara Margarida,

Os sinais que o Estado (PSD) transmite aos aforradores particulares vêm muito tarde em relação aos sinais que o Estado (PS) transmitiu. Dá a sensação estes partidos estão a jogar em consonância…



Caro João Pires da Cruz,

Você continua a não dizer coisa com coisa. Mas o sorriso vencedor, a camisa, a gravata e os braços cruzados, dão-lhe uma auréola de sujeito bem-sucedido nos negócios. Continue no bom caminho…

Tavares Moreira disse...

Caro João Pires da Cruz,

Desta vez em pleno (mas sadio) desacordo, o que vai sendo raro nesta nossa troca dialética...
Uma das vantagens dos CA's consiste na sua elevada liquidez - a partir do final do 6º mês após a aplicação, o aforrador, pode levantar o capital mais os juros acumulados até ao dia, sem penalização.
E foi isso que permitiu a muita gente, a milhares de aforristas, resgatar o seu investimento em reacção ao desajeitadíssimo convite que nesse sentido lhes foi dirigido pela anterior, caótica mas patriótica, governação do País.
esse benefício não existe nas aplicações bancárias a prazo e daí a preferência dos aforradores pelos CA's.
Quanto à distinção de risco entre aplicações na dívida emitida pela República e na dívida de bancos sujeitos às leis da mesma República...para mim, que venha o diabo e que escolha, não encontro grande diferença...

Cara Margarida,

Como habitualmente...de acordo, e plenamente.

João Pires da Cruz disse...

A diferença, caro Tavares Moreira, é que o sistema financeiro "produtor" de euros vai proteger os bancos, mas estará nas tintas para os estados. No tempo do escudo, qual era a câmara municipal garantida pelo sistema financeiro?

Nuno Cruces disse...

Neste momento não é claro que não recaia sobre a república a proteção dos bancos e a garantia dos depósitos.

Há alguns bancos (Barclays, Deutsche) que oferecem a garantia dos seus países de origem, mas contam-se pelos dedos, exigem montantes elevados, e as condições não são fantásticas.

Os Certificados de Aforro oferecem taxas acima dos 3% para depósitios a 3 meses a partir dos €100, com a garantia de que nem o Francisco Louçã propõe um hair-cut (fica-se por um congelamento das contas e uma revisão em baixa do juro).

Enquanto oferecerem condições melhores (e mais acessíveis) que os bancos comerciais, têm sucesso. Quando ofereciam condições piores, não tinham.

Tavares Moreira disse...

Caro João Pires da Cruz,

Estar-se-á nas tintas para os Estados? Onde descobriu essa enorme maldade, depois do que se passou nos últimos anos?
E se o caro Comentador tiver em consideração as regras aplicáveis ao resgate de bancos da zona Euro,a partir de Janeiro de 2016, na parte em que se referem à componente chamada de "bail-in", dificilmente poderá manter tal conclusão...
Vai ver que as "torpezas" em relação a accionistas e detentores de dívida subordinada, aplicadas no dossier BES, vão parecer um caldinho de galinha quando comparadas às ditas novas regras - até os depositantes, salvo no escalão de € 100.000, poderão ser sacrificados...

Caro Nuno Cruces,

Não será exactamente assim, mas também não andará muito longe da verdade...como habitualmente, de resto.

João Pires da Cruz disse...

Não é claro do ponto de vista da lei escrita. Do ponto de vista financeiro não há outra hipótese. Mesmo o regresso a uma moeda própria é, neste ponto de vista, praticamente impossível com a união bancária.
Não conheço as regras para 2016 até porque não acredito que as regras atuais de capital possam durar tanto tempo, nem que a própria organização do sistema seja sustentável. Mas um sistema financeiro só pode existir sem corpos estranhos como os estados. E isso vai acontecer independentemente da lei que hoje esteja escrita. Não é possível revogar a lei da gravidade...

Tavares Moreira disse...

Caro Pires da Cruz,

A sua fé no não regresso a moedas próprias (curiosamente, por onde andarão os advogados lusos de tal solução, até há alguns meses tão afirmativos?), que aliás partilho, joga, na minha análise, contra a ideia de que as dívidas das repúblicas do Euro são merecedoras de menos confiança do que as obrigações dos bancos da mesma zona...
Que o sistema financeiro deve ser tanto quanto possível independente dos Estados, inteiramente de acordo, mas para isso é necessário adoptar regras claras, que permitam a toda a gente perceber que nem o Estado existe para salvar os bancos e que os bancos não têm por função salvar os Estados...
Para a cultura geral, doméstica e não só, se bem entendo, isto ainda está muito longe de ser adquirido.

JM Ferreira de Almeida disse...

Oportuníssimo apontamento, aliás como os que tinha publicado aquando a incompreensível diabolização dos CA pelo governo anterior.

Anónimo disse...

Caros Amigos, já chego tarde a esta conversa animada mas neste assunto dos certificados de aforro tenho a mesma questão que quanto aos depósitos bancários em geral. Porque é que alguém aplica as suas poupanças seja em que instrumento for - desde um simples depósito bancário a certificados de aforro - junto duma entidade - sejam bancos sejam Estados - da UE?

Talvez eu tenha um perfil algo assustadiço e veja o futuro da zona Euro e da UE muito periclitante, muito negro, mas realmente ultrapassa-me que continuem a ter-se poupanças na Europa. Daí não me fazer sentido depositar as poupanças por cá. Sendo o "cá" referido a toda a UE.

Entendo que muita gente, mesmo podendo ir-se embora, mantenha as suas actividade profissionais por estes sitios. Há inúmeros motivos para tal. Mas ter as poupanças aqui é algo que me ultrapassa.

Tavares Moreira disse...

Caro Zuricher,

É sempre muito bem-vindo a estes debates, nunca chega tarde... apesar de não partilhar dessa perspectiva nihilista em relação à zona Euro...
Não deixa de ser curioso, neste contexto, que os investidores internacionais estejam, por esta altura, a exigir retornos menores para investir em dívida pública de diversos periféricos europeus (Irlanda, Espanha, até Itália) do que para investir em dívida pública dos USA, para o mesmo prazo (10 anos, por exemplo).
E que a yield da dívida alemã ao prazo de 2 anos seja nesta altura de -0,01%...o que quer dizer que os investidores estarão dispostos a nada receber, e até a pagar alguma coisa, em troco da segurança da dívida alemã...
A negritude com que o estimadíssimo Comentador aprecia o mercado europeu parece, assim, não ter ainda contagiado os mercados em geral...mas nunca se sabe...

Anónimo disse...

Caro Tavares Moreira, tenho plena noção de estar em total e absoluto contra-ciclo com o resto do mercado. Efectivamente muitas vezes dou por mim a perguntar-me se não andarei a ver fantasmas. Mas por mais que olhe e reolhe para a questão vejo sempre o mesmo. Há muitos anos que vejo a UE e o Euro como impossibilidades físicas a longo prazo. Nada até hoje me fez mudar essa visão. É certo que a UE conseguiu atalhar os problemas conjunturais e de forma até muito melhor do que eu imaginava. Mas as questões estruturais aí continuam e são essas que me assustam.

As condições em vários países da zona Euro estão efectivamente a dar sinais, pelo menos à superficie, de irem melhorando. Mas outros parecem estar apenas à espera que alguém grite que o rei vai nú. Numa perspectiva de médio e longo prazos não consigo deixar de ver mau mar pela proa. Poderá este castelo de cartas Europeu sobreviver aos problemas anunciados em Itália e França? E a Alemanha como vai evoluir? Os cidadãos dos países mais ricos aceitarão continuar algo que é por eles percebido como "dar dinheiro aos mandriões do Sul"? E a Grécia? Pouco se fala na Grécia mas o problema Grego não está resolvido. Por outro lado a questão do Reino Unido com um pé dentro e outro fora não é propriamente grande ajuda. E por se fosse pouco há ainda a questão da Russia que tem as suas garras afiadas e, na ausencia de oposição pela força - a única linguagem que os Russos entendem ancestralmente -, parece estar com ímpeto para seguir adiante nas suas pretensões de voltar a ser a potência global que foi em tempos passados.

Ou seja, esta conjugação de questões económicas, geopolíticas e mesmo culturais leva-me a recear muito pelo futuro a médio prazo da Europa. Não sei qual vai ser o detonante mas a ideia que me dá é que pode mesmo ser algo pequeno que irá fazer transbordar o copo e fazer ruir todo este sonho Europeu. Tornando-o o maior pesadelo que a estas gerações tocará viver.

Mas, enfim, claro que posso estar errado e é hipótese que coloco de forma séria...

Carlos disse...

Caro Zuricher,

O que se poderá passar no futuro é objecto de especulação, e nem sequer digo que a sua seja menos provável que outras.

Agora aquilo que se passou no passado, ou seja, a amortização europeia de dividas do estado, sem defaults (excepto no caso grego), pode agora ser comparado com o presente. E nesse presente acabamos de assistir a um brutal default (BES) . E onde estava o principal risco para desencadear o colapso? Nessa "terra de oportunidades" que faz tanta gente babar-se chamada Angola. Foi uma oportunidade e peras, a de desbaratar assim de repente 3 mil milhões.

João Pires da Cruz disse...

Caros, os estados são corpos relativamente recentes no que a dinheiro diz respeito. Os bancos, os emissores de moeds . que depois montaram bolsas de liquidez chamadas bancos centrais podem funcionar perfeitamente sem estados e, em rigor, não há necessidade nenhuma de resgatar bancos pelos contribuintes. Mas os estados meteram-se na coisa porque descobriram que se pedissem dinheiro aos bancos faziam os contribuintes pagar impostos sem saber. . Mas estado que não assina notas não é financeiramente um estado, é apenas um emissor de dívida sem acesso à bolsa de liquidez (BCE) que, ainda por cima, acaba gerido por todo o tipo de gente de má índole. O dever de im estado deveria ser afastar as pessoas de bem dos CAs

Tavares Moreira disse...

Caro Zuricher,

Compreendo as suas dúvidas, tanto mais que a história nos oferece diversos exemplos de uniões monetárias que soçobraram depois de anos de existência...
Mas eram outros tempos, não existiam os meios sofisticados que hoje existem para "prevenir" e combater crises sistémicas...
Estou certo de que, se tivesse eclodido há 50 anos, a crise do Euro tal como a conhecemos no período 2010-2012, teria muito provavelmente terminado com a implosão do sistema monetário...e agora isso não sucedeu.
Não excluo que venha a ter razão, mas quem sabe se daqui por 20 ou 30 anos, e nesse caso já cá não estaremos para comentar...

Caro João Pires da Cruz,

A cada comentário seu, o fosso entre as nossas opiniões nesta matéria vai-se alargando, torna-se quase intransponível - embora cada um de nós continue a acenar, desportivamente, para o outro lado da barricada...
Essa sugestão de que é dever do Estado (perdoe-me escrever com maiúscula) afastar as pessoas de bem dos CA's, faz-me lembrar uma separação entre "dívida boa - first class debt" e "dívida má - vicious debt", sendo que à primeira só teriam acesso pessoas de qualidade comprovada, como V. Exa e o nosso estimadíssimo Bartolomeu, e a segunda ficaria reservada para investidores desqualificados como eu e, quem sabe, alguns desventurados Crescimentistas...

Caro Ferreira de Almeida,

Registo, com apreço, seu comentário amigo.

Caro Carlos,

Não deixa de ser curioso o seu comentário jocoso e genérico em relação a Angola, suscitado pelo crédito do ex-BES ao BESA... quando, do que sei, será esse o único caso em que a sede em Portugal concedeu financiamento generoso à operação em Angola.
O que eu conheço, de outros casos, é exactamente ao contrário: a operação em Angola não só dispensou o apoio financeiro da Sede, como ainda contribui, expressivamente, para o resultado consolidado em Portugal...

Anónimo disse...

Caro Tavares Moreira, tudo muito bem do que diz tirando algo que não posso deixar passar. Diz o meu caro "mas quem sabe se daqui por 20 ou 30 anos, e nesse caso já cá não estaremos para comentar...". E porque não estaríamos? Eu conto estar!

Agora num registo mais sério, o médio prazo a que me refiro é muito mais curto da ordem dos 3-5 anos.

João Pires da Cruz disse...

Caro Tavares Moreira, se as pessoas de bem são expulsas das gestão do estado porquê empurra-las para o seu financiamento?

Tavares Moreira disse...

Caro Pires da Cruz,

Se essas mesmas pessoas de bem, "expulsas" do Estado como refere ( e conheço casos, não poucos...)tiverem a oportunidade de, como aforristas, serem bem remuneradas pelo mesmo Estado, não será essa uma forma de reparação para aquela injusta expulsão?
O Estado nesse caso até é cego, não distingue entre prós e contras, paga a todos por igual...