O governo incluiu na lista de medidas discricionárias do Orçamento do Estado um tecto máximo sobre as prestações sociais não contributivas com o qual prevê poupar 100 milhões de euros. Esta medida não só levanta muitas dúvidas quanto ao seu alcance, como não se compreende onde vai o governo cortar para chegar a este resultado.
O panorama económico e social de uma parte significativa das famílias portuguesas é extremamente preocupante: o desemprego está em níveis elevadíssimos, actualmente 788 mil pessoas das quais apenas 320 mil (40%) recebem subsídio de desemprego, os níveis de pobreza recentemente publicados pelo INE não deixam dúvidas, o universo de beneficiários dos apoios sociais sofreu reduções significativas desde 2010 [por exemplo, no abono de família há menos 217 mil crianças, -15,6%; no complemento solidário de idosos são menos 62 mil idosos, -26,5%; no rendimento social de inserção a variação é de menos 115 mil beneficiários, incluindo crianças, - 35,2%]. O montante orçamentado para fazer face às prestações sociais em causa sofreu uma variação de -5,5% entre 2011 e 2014.
Diz o governo que o tecto permitirá assegurar que os beneficiários das prestações sociais não recebem mais do que receberiam se auferissem rendimentos do trabalho.
Ora a atribuição das prestações sociais em causa já está sujeita a “condição de recursos”, isto é, a sua atribuição está sujeita a um limite máximo de rendimento e património do beneficiário. É bom ter presente que este limite foi sendo apertado, excluindo um número crescente de beneficiários, tendo presente uma forte restrição financeira orçamental. Por outro lado, há muitas famílias que auferindo salários recorrem a apoios sociais vários porque o rendimento do trabalho auferido não é suficiente para fazer face à satisfação de necessidades básicas. A pobreza atinge, também, quem tem emprego.
Anunciar uma medida desta dimensão e natureza, num quadro socialmente recessivo, sem quaisquer explicações adicionais, porquê 100 milhões de euros, quais são os apoios sociais abrangidos e como, quantos e quem são os beneficiários atingidos, quais os critérios de aplicação, qual o impacto na pobreza etc. é um tiro no escuro. Causou espanto e preocupação, não é para menos.
Se há abusos na utilização dos apoios sociais, pois a Segurança Social que trate de encontrar mecanismos para prevenir e punir estes casos. Não se lance a ideia injusta e perigosa de que as famílias em situação economicamente vulnerável, pobres e em privação têm mais do que deveriam ter ou como já se vai ouvindo dizer que vivem à custa do Estado.
16 comentários:
Drª Margarida,sem generalizar, digo-lhe o que vi.
Fui a um Lagar próximo de Torres NOvas comprar uns litros de azeite; eis que, o dono do Lagar ofereceu serviço a um seu conhecido aldeão que tinha RSI ( homem perto dos 50 anos). Este declinou a oferta e recebeu do dono a seguinte resposta:
pois, é melhor estar no café tomar a bica e não sujar as mãozinhas.
Cumps.
Caro opjj
Um caso que não deveria acontecer. Gente abusadora existe em todos os lados, também há os que fogem às obrigações fiscais. Estes casos devem ser combatidos e corrigidos. Não é preciso um tecto para o fazer. A recusa de aceitação de emprego leva, segundo as regras estabelecidas, à retirada do subsídio.
Cara Margarida
Sei que por vezes a não proximidade do país real pode levar a equivocos.
Eu estive a contratar varias pessoas, e chegaram algumas que tive de assinar papeis para comprovar que estiveram na entrevista. Essas pessoas, apenas se mostravam apáticas, sem motivação e eu não as selecionava.
Ou seja não é necessário dizer que não, é mais fácil fazer com que o empregador perca o interesse.
Outra experiência sobre o [RMG]agora RSI no primeiro ano que foi criado pelo Guterres, Um vizinho pai de dois filhos que trabalhava numa fabrica de móveis. Despediu-se e pediu o RMG, ficou em casa a trabalhar para o pai que tinha um café.
Os três comentadores anteriores são tão assertivos.
Por simples curiosidade, gostava de saber o que é que fazem na vida…
Cara Margarida, a que ponto chegamos, comparar quem não quer trabalhar e recebe dinheiro para ficar em casa, com quem trabalha 10h e não passa factura, sinceramente os valores hoje em dia estão invertidos.
Exemplos: trabalho no ramo dos comes e bebes, todos os vendedores dos vários produtos de café com que trabalho, afirmam que a queda nas vendas que se assiste em todas as áreas, não se verifica nos cafés situados nas zonas onde o rsi tem mais implantação. Facto: o pequeno almoço é sempre confeccionado no café.
Diz que " há muitas famílias que auferindo salários recorrem a apoios sociais vários porque o rendimento do trabalho auferido não é suficiente para fazer face à satisfação de necessidades básicas. A pobreza atinge, também, quem tem emprego".
Sendo isto verdade, concordará que não é justo (e portanto inaceitável) que alguém que não quer trabalhar receba, em apoios sociais, mais do que receberia se auferisse apenas rendimentos de trabalho.
Por outro lado, não sei quantas famílias vivem, em Portugal, apenas com o rendimento correspondente ao salário mínimo do casal, mas sei que é muita gente, muitas centenas de milhar. E também sei da revolta que muitos deles manifestam ao saber da existência de muitos habilidosos que auferem subsídios e ajudas de todo o tipo (e não só da Segurança Social), ajudas que, no seu conjunto, representam muito mais do que o valor do salário mínimo. E sei que a essas ajudas não se pode chamar solidariedade.
Com isto apenas quero dizer que é urgente moralizar o sistema, no que aos apoios públicos diz respeito. E acabar com a concorrência entre as IPSS, ela muitas vezes a causadora de situações de injustas.
Caro Diogo
O seu comentário sobre o post Greve ou terrorismo de JM Ferreira de Almeida foi lá colocado.
Margarida, obrigado pelo trabalho e compreensão.
Acontece que dada a cadência de posts neste blog (com vários autores a escrever), um assunto raramente é aprofundado e debatido da forma que deveria ser.
Daí eu ter colocado abusivamente os meus comentários ao post em causa neste seu post.
Contudo, coloquei-os porque os considero que eram muito relevantes para o que estava em causa.
Margarida, desculpe-me mais uma vez e obrigado.
Diogo
Caro António Almeida
Os casos que conta devem ser corrigidos e há formas de o fazer. Já foram introduzidas regras na atribuição das prestações sociais não contributivas que visam impedir comportamentos oportunísticos. O sistema pode e deve ser aperfeiçoado. A utilização dos recursos públicos deve ser criteriosa e como tal as ajudas devem ser canalizadas para quem efectivamente delas necessita, sendo essencial que se estabeleça o que deve ser um rendimento que permita uma vida digna sem exclusão social, tendo em conta um conjunto de condições, inclusive a realidade familiar. O tecto não resolve a má atribuição dos apoios sociais e não impede a sua utilização abusiva.
Caro luis barreiro
A prestação média mensal familiar do RSI era em Agosto passado 214 euros. É estranho que uma parte importante deste apoio seja despendida no pequeno-almoço confeccionado no café.
Caro Tiro ao Alvo
Tem toda a razão, é preciso moralizar o sistema. Estamos à espera do tecto para o fazer? Uma medida que é apresentada com um impacto orçamental de 100 milhões de euros de redução em prestações substitutivas do rendimento do trabalho numa área tão delicada e sensível deveria ter sido estudada e avaliada. Não foi o caso. O Orçamento da Segurança Social de 2015 não permite chegar àquele valor, a menos que haja um corte de cerca de 36% no subsídio social de desemprego que têm um orçamento estimado de 278 milhões de euros. Esta prestação é atribuída com critérios apertados a quem beneficiou do subsídio de desemprego para o qual contribuiu através da TSU. Dele beneficiam 60 mil desempregados. Há 502 mil desempregados que não recebem subsídio de desemprego.
Trata-se sem dúvida de uma medida que deve ser bem explicada, entre ser pobre a trabalhar com o salário mínimo e ser pobre com um subsídio de desemprego pouco menor não sei se poderá considerar-se uma questão "moralizadora" aliás outros países têm problemas muito semelhantes ao nosso, com subsídios bem mais elevados, e não sei se a solução está em matar as pessoas à fome para as convencer a ir trabalhar. Também duvido que haja milhares e milhares de pessoas, como mostram os números que a Margarida aqui indica, que preferem estar no café a ir trabalhar, se é assim também não haverá muitos patrões dispostos a reeducá-los para a vida activa. Também li no EXpresso de ontem que essas pessoas são obrigadas a ir trabalhar , sem receberem mais do que o subsídio que já tinham, se as chamarem para tarefas concretas durante o máximo de 12 meses, findos os quais são dispensadas para irem buscar outras....
Se os apoios em causa se limitam ao RSI e ao subsidio social de desemprego, esta medida é inútil.
O risco moral que, julgo, se pretende combater, é o de famílias que além de receberem esses valores de RSI, acumulam (por exemplo) rendas de habitações sociais, ajudas alimentares, escolares, etc.
Imaginemos o seguinte.
Família A: aluga uma habitação social em Lisboa por um valor irrisório, recebe RSI, tem apoio alimentar por parte de duma IPSS, alguns apoios ao nível da educação dos filhos, etc. Se calhar até há um biscate aqui e ali, coisa pouca (insuficiente para suprir as necessidades de apoio).
Família B: aluga um T1 na Baixa da Banheira, a mãe é sozinha, ganha o ordenado mínimo, é auxiliar por turnos em Sta. Maria, 8h inconstantes de manhã, à tarde ou à noite. Um trabalho meritório, cansativo e vezes demais sujo. Paga o passe e gasta 3 a 4h em transportes de cada vez que vai trabalhar.
Ambas as famílias vivem mal. Mas é bastante provável que a família A tenha mais "rendimento disponível" e "qualidade de vida" que a família B. E isso custa bastante a aceitar.
Cruzar dados do estado, câmaras e IPSS é um assunto delicado. Mas se a câmara não tem meios para disponibilizar habitações sociais aos muitos que trabalhando em Lisboa ganham o ordenado mínimo, então é duvidoso que o deva fazer a quem podendo trabalhar está a receber RSI.
Questões pertinentes, as que o Nuno Cruces levantou. No meu entender.
Suzana
É uma proposta confusa e mal explicada, incluindo no relatório do Orçamento do Estado.
Caro Nuno Cruces
Os casos que exemplifica merecem reflexão naturalmente, como aliás muitos outros. Desde logo, é preciso acabar com a duplicação de subsídios para o mesmo risco social e com os desincentivos ao trabalho.
Se quem pode trabalhar e tem uma ou mais ofertas de trabalho não deve continuar a receber RSI. A lei já o prevê. Esta situação que salienta no seu comentário não precisa de um tecto para ser resolvida. Necessita de um controlo que em muitos casos não está a funcionar.
Caro Nuno Cruces, qual dessas famílias é que esta pior? Parece-me que é a que trabalha. A solução para a sociedade é piorar a outra até a deixar ainda pior que a primeira? Mas será esse o caminho para corrigir o que está mal? É só isso que devemos perguntar quando analisamos as opções e, sobretudo, custa-me aceitar que, perante os exemplos que deu e que podem muito bem ilustrar a situação, se possa invocar "moralidade" como critério para deixar uns ainda mais pobres do que já eram. Não digo que seja fácil, mas para mim não é nada óbvio.
Cara Margarida, quem não quer trabalhar consegue facilmente não ter quaisquer ofertas de emprego. Esse tipo de salvaguardas não funciona. Pouco mais faz que produzir inscritos em centros de emprego que não querem trabalhar, e só vão a entrevistas para manterem o subsídio, o que envenena o poço para os restantes.
As pessoas têm que querer trabalhar, e têm que ser incentivadas positivamente a tal. Tem que ser sempre mais vantajoso trabalhar e nem sempre é.
Uma pessoa que recebe o RSI e por isso tem uma renda bonificada em Lisboa não a pode perder por arranjar um emprego a recolher pratos num CC, ou nunca vai aceitar tal emprego e arriscar perder a casa.
A mais elementar justiça dita então que qualquer pessoa nas mesmas condições deve ter direito à dita casa, e não ser forcada a viver nos subúrbios dos subúrbios só porque à partida não vive "suficientemente mal" para ter direito à casa.
Cara Suzana, a solução é claramente aumentar o salário mínimo nacional de forma desgarrada da produtividade (e com isso lançar mais umas quantas pessoas menos produtivas no desemprego).
Tem razão que a solução nunca deve ser piorar os que já estão mal para lhes dar incentivos a melhorar.
Mas a auxiliar médica ganha o ordenado mínimo ao mesmo tempo que enfermeiros e médicos se queixam que ganham pouco mais que isso e os portugueses que pagam demasiado por uma saúde que pouco investe nos tratamentos mais avançados.
O exemplo não é inocente, e há um momento em que temos que chegar à conclusão que talvez não tenhamos meios para oferecer tudo a todos.
Porque, caso contrário, quando uma fatia tão grande do que pagamos em contribuições e impostos é alocada ao pagamento de prestações sociais, e à parca remuneração daqueles que dedicam a sua vida ao serviço público, não podemos se não estar satisfeitos com o que pagamos.
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