Ouvimos com frequência dizer que hoje em dia as empresas procuram pessoas que sejam capazes de fazer multitarefas, que tenham a capacidade de fazer múltiplas coisas ou tratar de múltiplos assuntos ao mesmo tempo. A preferência por esta “capacidade do trabalho” radica na justificação do aumento da produtividade. Ora, este artigo "Está na hora de fazer um reset ao seu cérebro" é interessante porque nele o autor citado - Daniel J. Levitin - procura demonstrar exactamente o contrário:
(…) “saltar” constantemente de uma tarefa para outra exige um enorme dispêndio de energia mental e tem consequências extremamente negativas para o pensamento conceptual e crítico, ao mesmo tempo que reduz a criatividade e a tomada de decisões (…).todos nós gostamos de acreditar que conseguimos fazer várias coisas ao mesmo tempo e que a nossa atenção é infinita, o que corresponde a um mito persistente. Aquilo que realmente fazemos é mudar o nosso estado de atenção de uma tarefa para outra, o que resulta no facto de não devotarmos uma verdadeira atenção a nada ou diminuirmos a qualidade da mesma aplicada a qualquer que seja a tarefa. Quando nos concentramos em fazer apenas uma tarefa de cada vez, ocorrem alterações benéficas no nosso cérebro. (…) E as empresas que estão a ganhar a batalha da produtividade são aquelas que oferecem aos seus trabalhadores a possibilidade de serem realmente produtivos nas “horas devidas”, ao mesmo tempo que encorajam as já faladas pequenas sestas, oportunidades para estes fazerem exercício físico e um ambiente calmo, tranquilo e organizado para realizarem as suas tarefas laborais. Adicionalmente, são cada vez mais os estudos que comprovam que a produtividade aumenta em proporção directa com a diminuição de horas de trabalho semanais, o que sugere fortemente que intervalos adequados para o lazer e para o reset mental beneficia não só os trabalhadores, como os empregadores. (…) O trabalho em excesso – em conjunto com a privação do sono – são cada vez mais responsabilizados por erros e más decisões que afectam as organizações e, por consequência a economia. Talvez este seja o melhor argumento para convencer os patrões que o excesso de trabalho não compensa.(…).
Pensei como poderia ser benéfico reduzir o número de horas de trabalho em vez de as aumentar. Entre nós parece haver alguma desorientação, política e empresarial. Funcionamos ainda no patamar. de quantas mais horas melhor. Se realmente procuramos o aumento da produtividade - embora esta esteja fortemente dependente da inovação - não podemos ignorar que a atenção, a energia, a auto-estima e o interesse de quem executa as tarefas são factores determinantes. A quantidade de trabalho será cada vez mais uma questão qualitativa e menos uma questão quantitativa.
11 comentários:
Oportuna reflexão, Margarida.
Uma nota de dissonância em relação à sua observação final para dizer que por cá não há desorientação sobre a matéria, há uma opção clara no sentido de aumentar o horário de trabalho com a convicção de que assim se aumenta a produtividade. Até concedo que isso seja assim nalgumas empresas e nalguns setores. Não o é, por exemplo, em relação à Administração Pública. Claro que nesta era em que a política é feita de aparência, decretar o aumento do período de trabalho na função pública, cria a ilusão de que assim se compensa a má distribuição dos ativos e as medidas fracas de mobilidade dos trabalhadores dos locais onde rendem pouco para os lugares onde fazem falta; ou que assim se aumenta o rendimento do trabalho per capita; ou mesmo se dispensa novos ingressos nos quadros. Estou convencido, pelo que conheço da função pública, que nada disso se consegue como porventura se concluiria de uma avaliação a esta medida. O que se consegue, estou em crer. é que os trabalhadores da função pública façam o mesmo em mais horas. Com aumento dos gastos correspondente ao maior período de funcionamento de alguns serviços e perda de qualidade de vida. Pelo menos.
Cara Margarida:
Desta vez não alinho em absoluto com a minha amiga. É que também há estudos que sustentam que uma diversificação de actividades é benéfica para os trabalhadores, por ser um escape ao desenvolvimento continuado de uma única tarefa e aumentar a sua auto-estima, sendo também é benéfica para o empregador, que assim vai obtendo competências em diversas áreas com os colaboradores que emprega.
E, nesta matéria de produtividade obtida através de uma única tarefa, vem-me sempre à lembrança o filme do Charlot rodar as porcas na oficina.
É um caso extremo, mas continuam a existir muitas situações semelhantes em linhas de montagem industriais.
Não ponho em causa a valia do estudo que a Margarida citou, como não ponho em causa outros de sinal diferente. Mas estas generalizações têm que ser vistas com muita prudência e bom senso, caso caso, para evitar desastres. O que´parece bom numa investigação liofilizada e académica torna-se erro monstro quando aplicada. Para além de outros factores, a produtividade obtém-se por uma boa organização do trabalho e aqui generalizações muito vastas perdem sentido.
José Mário, estou completamente de acordo com a sua análise. O aumento do número de horas na Administração Pública serviu para reduzir o custo médio/hora, um resultado contabilístico que nada tem que ver com a produtividade. Os resultados de uma avaliação desta medida política não seriam de espantar, mas não a vamos ter.
Dr. Pinho Cardão
Este artigo e outros sobre aspectos que moldam os tempos modernos são interessantes porque nos obrigam a pensar. Estamos num campo em que não há certezas, mas tendo a rever-me na opinião de que um trabalho multitarefa como descrito no artigo pode complicar a produtividade.
Cara Margarida,
Absolutamente de acordo consigo.
Os homens não são máquinas e, portanto, o «trabalhador do futuro» não é o homem dos sete instrumentos, que hoje joga basquete e no dia seguinte (ou algumas horas depois) passa a jogar futebol e depois badmington, etc.
Isto é apenas imbecilidade de alguns novos gurus da gestão.
As pessoas têm os seus ritmos (quer na privada quer na pública), e pretender que elas aprendam a tocar instrumentos uns atrás dos outros é absurdo. Nunca tocarão nenhum como deve ser.
Eu sou programador (de computadores) e sei a dificuldade que é aprender uma linguagem nova, ou mesmo, um upgrade significativo da mesma linguagem de programação.
Quanto à opinião de Pinho Cardão, gostaria de saber que idade tem e o qual é ou foi a sua profissão...
Caro Diogo:
Respeito a sua opinião, sem ser preciso perguntar a idade ou a profissão.
De qualquer forma o que referi foi precisamente no sentido de não considerar as pessoas como máquinas, essas sim, que só sabem desempenhar uma tarefa. Aprender a e saber desempenhar várias só dignifica.
Um trabalhador que faz a mesma coisa dois dias pode ser substituído por uma maquina no terceiro. O problema da produtividade está exatamente em pagar por trabalho que eventualmente será substituído por maquinas.
Caro Pinho Cardão,
Peço-lhe desculpa se fui um pouco rude. Não era essa a minha intenção.
Saber tocar dois ou três instrumentos (e acompanhar a sua evolução) é bastante bom. Ser o homem dos sete instrumentos (que estão sempre a evoluir) dará um péssimo músico. Nunca tocará nenhum de jeito e o grupo musical sairá prejudicado.
Eu (já o disse antes, sou programador). Poucas atividades haverá que sofram tamanha evolução em tão curto espaço de tempo. Conheço bastante bem duas linguagens de programação e os principais utilitários da Microsoft (Word, Excel e Access). Mas há milhentas linguagens de programação. E, daquelas que conheço, quase todos os anos sai uma nova versão. Não é fácil acompanhar...
Se, para além disto, a minha empresa quiser que eu execute operações cirúrgicas, fazer projectos de arquitectura ou experiências na área da biotecnologia, pedia a demissão.
Caro João Pires da Cruz,
O seu comentário é curioso. Não consegui percebê-lo completamente, mas, se é aquilo que eu penso, vou muito mais longe do que você:
1 - É um facto que a tecnologia em todas as suas vertentes está em avanço exponencial. Seja no hardware, no software, na automação, na robotização, na inteligência artificial, nas telecomunicações, na biotecnologia, etc.
2 - Assim sendo, a todos os trabalhadores espera o desemprego (incluindo os gestores de topo).
3 - Sem empregos não há salários.
4 - Sem salários não há compras, e, portanto, não há vendas.
5 - Sem vendas não há lucro.
6 - Sem lucro não há nenhum motivo para a propriedade privada dos meios de produção.
Caro Diogo:
O que lá vai, lá vai, já foi.
" Saber tocar dois ou três instrumentos (e acompanhar a sua evolução) é bastante bom...", diz o meu amigo.
Eu não explicaria melhor o que disse e queria dizer.
Claro que há áreas onde a especialização se exige pura e dura. Mas há um universo enorme de actividades em que uma polivalência, maior ou menor, é útil para a organização e para o trabalhador. Para este, porque assim pode encontrar vias de melhor realização profissional, de progresso na carreira, de bem-estar pessoal, sentindo que pode ser útil em mais do que um domínio. Por exemplo, um caixa de um banco que possa e esteja disponível e tenha preparação para desempenhar outras funções, por exemplo de natureza comercial, aproveitando o contacto com o cliente, sentir-se-á muito mais realizado e feliz e muito mais próximo de mudar para uma função de conteúdo acrescido.
Há um tempo e um modo em todas as coisas. Também numa organização, condenada certamente ao fracasso se não os souber encontrar. E não há organização capaz se as PESSOAS não estiverem em primeiro lugar.
Caro Pinho Cardão,
Absolutamente de acordo.
Ainda bem!
Excelente reflexão, Margarida. Mas também aqui todos os estudos têm virtudes e defeitos, dependendo da aplicação inteligente ou cega que se faça do que ensinem. A polivalência é importante mas depende muito da aptidão de cada um, há pessoas que são muito mais produtivas se se especializarem e outras que não suportam trabalhar sempre na mesma coisa ou no mesmo tema (o que não significa que possam ser substituídas por uma máquina, caro João Cruz). Quanto ao número de horas de trabalho, concordo inteiramente com o Zé Mário, duvido muito que alguém acreditasse seriamente no milagre de produtividade que dai adviria, do mesmo modo que ninguém se lembrará de fazer a contraprova medindo o tal aumento. Na verdade, essa "poupança" parece-me totalmente ignorada.
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