Um estudo que será publicado pela Direcção Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP) chama a atenção, segundo a notícia, para várias consequências que decorrem de as admissões na administração pública continuarem congeladas. Por um lado, os recursos humanos da administração pública estão a envelhecer e a reduzir-se e, por outro lado, há dificuldade em reter o conhecimento e o saber existentes pela impossibilidade de os transmitir. Ou seja, a administração não está a renovar capital humano.
A questão do capital humano do Estado é, com efeito, um assunto sério. Se as políticas que têm sido prosseguidas não forem rapidamente revistas em profundidade, o Estado continuará a perder o seu principal activo que são as pessoas. O Estado sem recursos humanos qualificados e motivados e sem organizações com capacidade de gestão não terá condições para desempenhar um conjunto de funções que lhe compete assegurar, designadamente as funções de soberania, as funções sociais e as de regulação dos mercados. Poderá sempre desempenhá-las mas poderão estar em causa princípios de equidade, equilíbrio e eficiência.
O Estado perdeu nos últimos anos capacidade de atrair e reter capital humano devido à ausência de um adequado quadro de instrumentos de gestão de recursos humanos e à instabilidade das estruturas e deterioração da qualidade dos ambientes organizacionais. Situações de vulnerabilidade do Estado que se prendem com aspectos essenciais como a qualidade da decisão política ou a operacionalização de plataformas informáticas estão intimamente ligadas ao défice do capital humano.
Não é possível esconder a descapitalização dos recursos humanos da administração pública nem as respectivas consequências. É fundamental uma mudança de políticas que olhe para possíveis soluções. Não são necessárias mais reformas e mais programas de transformação estrutural. Diria que é necessário realismo e bom senso, se realmente não queremos agigantar o problema.
11 comentários:
Concordo inteiramente com o que escreve, cara Drª. Margarida.
Porque fui funcionário do Estado, experienciei esta falta de capacidade para atrair e reter (acrescento, valorizar) capital humano. A ser feita uma reestruturação da máquina estatal, dos serviços públicos e seu funcinamento, a questão do capital humano, é em meu entender a que deverá merecer a especial atenção dos reformadores. Como diz o ditado; sem ovos...
Se o Estado fosse uma empresa privada podia, como muitas têm feito, reformular o quadro de colaboradores (vulgo: despedir) escolhendo os menos úteis e retendo aqueles cuja experiência é importante. Como se sabe, tem sido a estratégia de muitas empresas quando necessitam de diminuir os custos. Mas o Estado não pode fazer isso; está amarrado a normas imperativas da função pública e aos ditames do Tribunal Constitucional. Assim vão saindo os mais idosos ou os mais valiosos, que encontram com mais facilidade alternativas.
Cara Drª. Margarida, mas em que medida o que descreve é diferente das empresas privadas. Estas não estão na mesma situação? Com a crise não deixaram de contratar? E a despedir os seleccionados não são sempre os mais recentes em detrimento dos mais antigos, pois estes têm custos mais avultados embora menor productividade?
Caro Freire de Andrade, os objectivos da função pública, não são exatamente os mesmos das empresas privadas. Aos serviços do estado deverá interessar sobretudo a eficiência e a celeridade; a redução dos custos surge como efeito destes e de uma administração correta da aplicação das verbas que lhes são distribuidas. Nos serviços do estado, como sabemos e verificamos naqueles que lidam diretamente com os cidadãos, encontramos frequentemente o contrário. Os serviços não estão dimensionados nem estruturados nem equipados, humana e tecnológicamente para responder com eficiência às solicitações. Da minha experiência, este déficit, deve-se frequentemente à falta de contacto directo das cúpulas, de quem tem a missão de avaliar e decidir, com as bases, quem tem por missão executar o que lhe é pedido; emanado das cúpulas. A ideia muito frequente de quem tem por missão reestruturar os serviços, é de que existem muitas pessoas que não possuem capacidade para desempenhar as tarefas que lhes estão atribuidas. Puro engano.
Tive esta discussão com alguns dirigentes dos serviços por onde passei e, cheguei a provar-lhes que todas as pessoas possuem competência, compete a quem dirige ou a quem é delegada a missão de perceber qual é a competência de cada um e aproveita-la, dando-lhe mais ferramentas profissionais, ministrando-lhe mais conhecimentos e colocando-a a desempenhar a função a que melhor se adapta. Na minha visão global, não existem pessoas incapazes, existem sim pessoas a quem é imposto um trabalho com o qual não se identificam mínimamente, e que consequentemente desempenham a contragosto e sem qualidade.
É esta a principal reforma que tem de ser feita a nível de capital humano na administração pública. Avaliar, requalificar, recolocar e incentivar, é o caminho que melhores resultados poderá trazer à administração pública, tanto na eficácia, como na economia de recursoa materiais como no empenho dos funcionários.
Lembro-me quando nas lavouras se empregava a força animal, antes de existirem tratores, os lavradores atrelavam os animais de acordo com as caracteristicas que possuíam e... tratavam-nos pelos nomes. No final do dia de esforço, mimavam-nos com uma ração suplementar de cereal, que lhes retempera as forças e os deixava de bom humor.
Não somos tão diferentes dos animais irracionais quanto imaginamos...
Caro Bartolomeu
A gestão dos recursos humanos tem muitas pontas por onde agarrar, que devem ter em comum, como bem referiu, preocupações que não se esgotam na remuneração. Em tempos de dificuldades, surgem, ainda mais importantes, as funções de acompanhar, formar, motivar e valorizar. Mas não será possível manter as pessoas empenhadas e esperançadas em relação ao futuro pessoal e profissional se o Estado nelas não investir, isto é, se não aproveitar as suas competências e qualidades. Ora, é muito disto que se perdeu nestes últimos anos.
Caro luis barreiro
Percebo a questão que coloca, mas o Estado está confrontado com um problema grave. Não fazer nada é solução? Não, penso que há várias coisas que se poderiam fazer. Para dar um exemplo, elaborar um programa de recapitalização do capital humano no Estado, tendo em conta as funções do Estado, a evolução demográfica, a inovação tecnológica, a evolução das competências residentes no Estado, etc.
Este exercício deve ser feito, independentemente da situação orçamental.
Sou da mesma opinião, cara Drª Margarida. Mas sabe bem, na Administração Pública, continuam a existir muitos que teimam defender "modelos" quase estritamente fundados na competitividade. E a competitividade não é totalmente compatível com prestabilidade, nem é uma necessidade, em matéria de desempenho e de resposta eficiente às solicitações dos cidadãos e dos Serviços do Estado.
Analise Lapidar !!! Mas a sociedade civil também não é exigente ao ponto de revindicar a qualidade do capital humano. Hoje é desporto nacional malhar na função pública, mas já perdemos uma decada, porque há uma decada que vimos perdendo gradualmente qualidade e capital humano qualificado e motivado. Hoje em dia, o capital humano qualificado só fica porque não têm oportunidade de ir embora, por compromissos finaceiros e familiares, caso contrário o exodo seria bem maior.
Caro Luciano Vale
Seja muito bem vindo. Toca num ponto essencial que explica muita coisa. Não temos, a bem dizer, sociedade cívil. A falta de intervenção cívica e escrutínio público activo não favorece a qualidade da vida colectiva, da qual a decisão política é uma componente.
O meu comentário centra-se na área da Função Pública que conheço melhor - a Saúde. A destruição das carreiras médicas, seja por encerramento de serviços, não contratação de novos profissionais para os quadros (apostando em prestação de serviços), seja por fuga de médicos para o estrangeiro ou para o privado, está a destruir a pirâmide formativa que garantiu a crescente qualidade técnica e científica das últimas décadas. A própria formação especializada (internato) está sob ataque cerrado do ministério, que cada vez desliga mais a formação contínua dos médicos de um enquadramento de qualidade, para um de redução de custos. São cada vez mais os exemplos em os serviços não têm no topo quem faça escorrer a experiência e conhecimento pelos andares inferiores da pirâmide e vice-versa. Este será o maior drama do SNS. Muito mais do que a falta de luvas, seringas ou sala do bloco para operar. Ao quebrar-se esta cadeia de qualidade, demorará décadas a reparar.
E que tal voltar voltar a elevar o nível de topo de carreira da função pública?
Os Directores Gerais têm que voltar a ser de carreira e não cargos que mudam com os governos (como era antes). Isto criaria de novo um incentivo na carreira que há muito desapareceu!
Caro Nufiol
Muito obrigada por nos trazer o seu conhecimento.
Caro P Soares
Tem toda a razão, é fundamental.
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