Número total de visualizações de páginas

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

“Emparedar”

Na semana passada, no decurso da mesa-redonda sobre “Ética e envelhecimento”, uma das quatro que integraram o seminário sobre os seniores, em Conímbriga, o moderador fez uma introdução lendo uma bela e comovente crónica intitulada “Janelar”. O autor, que só no fim foi identificado - o próprio moderador -, descreve uma situação que o impressionou. Uma senhora de idade tinha sido encontrada morta, sentada à janela, ao fim de alguns dias, sem que ninguém se apercebesse. Expressão da solidão tão comum em pessoas de idade.
A escolha do título, “Janelar”, segundo o autor, “é daquelas que poucos conhecem e raros utilizam, mas significa algo que muitos praticam: passar a vida à janela.” Vale a pena ler esta crónica, porque revela um dos graves problemas que afligem os idosos: a solidão.
Hoje, "Dia Mundial do Idoso”, leio também uma pequena notícia sobre uma idosa encontrada 40 dias após a morte na sua casa. Ninguém se apercebeu. A juntar à palavra “janelar” poderíamos acrescentar uma outra, “emparedar”, para ilustrar a solidão.
Idosos que passam o seu tempo à janela, aguardando solitariamente a morte, a par de outros que nem janelas têm para podermos olhar a sua própria morte.

6 comentários:

Anónimo disse...

Impressivos, muito impressivos, quer o post quer a crónica.
O problema não é só a solidão, fruto do abandono a que votamos os mais idosos. É também o isolamento social porque os encaramos (e muitos se encaram a si próprios) como peças de uma engrenagem que já foi posta de lado.
Uma das coisas que me impressionou numa visita ao Japão que em tempos fiz, é a notória diferença que existe entre as sociedades ocidentais e aquelas paragens no que se refere ao papel social e familiar desempenhado pelos mais velhos. Mas talvez mais relevante do que isso, de como os idosos se sentem eles próprios aptos a desempenhar papeis activos (muitos de natureza cívica e assistencial) adequados à sua condição. É outra cultura, de facto. A nossa, cada vez mais acentuadamente, apela à defenestração dos mais velhos, tidos por incómodos. A deles, valoriza, afinal, a vida que só é vida se for activa.

Pedro disse...

Meus Caros,

Acho que temos de concordar que foram feitos progressos impressionantes desde os 1985 da crónica: centros de dia, assistência social na casa dos idosos, etc.

O organização da sociedade onde os indivíduos dedicam essencialmente o seu tempo ao trabalho e ao núcleo familiar leva a que, quando chega a reforma e os filhos partam, o vazio se instale. A vida social e em comunidade em Portugal é diminuta (e a fraca participação política um seu reflexo) o que faz com que muitos idosos passem o tempo "à janela" e não socializando.

Por outro lado houve em tempos uma experiência política de um "partido dos reformados". Esta teve o interesse de demonstrar que algums idosos tinham capacidade de organização. Seria interessante explorar essa idea não na arena política mas social.

Um dos aspectos que me choca na situação dos idosos é o completo desperdício de capital humano. Nesse colóquio foi abordado esse tema? O da criação de riqueza (em sentido lato) pelos idosos?

Cumprimentos,
Paulo

Massano Cardoso disse...

Caros amigos

Houve evolução? Claro que houve, mas estamos muito longe do desejável. Vinte e três anos depois, idosos morrem em silêncio e numa solidão extrema.
No colóquio foi abordado que os mais idosos são uma fonte de riqueza notável, em todos os sentidos, desde o económico ao cultural.
No decurso das notícias publicadas nos jornais locais, uma senhora, no Domingo à noite, telefonou-me. Não me conhecia pessoalmente, mas queria agradecer a minha postura face aos problemas dos idosos. A senhora contou-me que escreve poesia com uma vontade e alegria ao ponto de chegar a perguntar ao seu médico assistente se não seria sinal de algum problema grave. Este disse-lhe apenas que os seus neurónios estão bem vivos e criativos e que deveria manter a sua actividade para satisfação pessoal e alegria dos que a pudessem ler.
A senhora de 81 anos disse que tinha sido professora. Falava bem e demonstrava uma vitalidade fora da série.
Um telefonema de Domingo depois do jantar de uma anónima cidadã que muito prazer me deu...
Como podem ver na Declaração de Conímbriga, ponto 8, “Os seniores devem associar-se, formal ou informalmente, na defesa dos seus interesses e na promoção dos seus valores”.

Suzana Toscano disse...

Por um lado, a nossa cultura tende a ignorar, quando não a desprezar, os mais velhos, sobretudo desde que deixam de ser capazes de "ajudar" a tomar conta dos netos ou a tratar da casa e passam a ser eles a precisar que cuidem deles. Por não haver tempo, nem dinheiro, nem paciência, os dias vão passando e eles ficam sozinhos. Por outro, não é só uma atitude individual, mesmo socialmente a assistência aos pais idosos ainda tem pouco espaço, por exemplo quanto a faltas ao trabalho se não viverem em dependência e os lares de dia, se podem ser uma boa solução para o convívio e o acolhimento, ainda têm uma certa aura negativa, são os próprios idosos que não gostam de recorrer a eles e preferem ficar em suas casas. A velhice é dramática, quando pensamos no que pode acontecer.

PA disse...

quando o idoso tem como mundo a janela de sua casa é porque o seu país não tem mais nada para lhe dar.

quando o idoso não tem dinheiro para comer bem, para pagar os medicamentos e as consultas, para comprar roupa, é porque o seu país não tem para lhe dar.

quando o idoso vive numa casa sem condições, sem dignidade é porque o seu País não tem melhor para lhe dar.

Unknown disse...

Toda a temática relativa ao idoso me toca (e por vezes me choca)profundamente. Porque tenho Pais idosos. Porque tenho grandes amigos idosos. Como professora e profissional da História, detecto cada vez mais a quebra de laços entre passado e presente, entre os mais jovens e os mais idosos. Lembro que desde os alvores da História e ainda em algumas tribos da actualidade, a figura do ancião tinha/tem um papel crucial, uma vez que era/é fonte de experiência e de cultura. Lembro também, com muita saudade, a felicidade que tive em ouvir as "estórias" dos meus avós quando era pequenina, as quais ainda ecoam pela minha interioridade.
Quanto à crónica "Janelar", tive a sorte de a conhecer há poucos dias, mesmo antes de dar uma aula sobre o século XX e sobre o avanço da globalização. Num momento adequado, quando se falava no crescente autismo social e na questão do profundo avanço da solidão em detrimento da solidariedade, li aos meus queridos alunos a crónica do Dr. Jorge Castilho. A sua reacção foi de emoção. Diria mesmo, de comoção.Pediram "bis". Quiseram que eu a relesse. Depois de analisada, bem no final da aula, o autor desta crónica obteve um forte aplauso. Fiquei feliz. Senti que a mensagem que pretendia incutir nos meus alunos de vinte e poucos anos havia sido interiorizada.
É , de facto, incrível, como uma crónica escrita em 1985 pode ser tão actual, por mais progressos que tenham existido de lá para cá. Mas eles não chegam. Há muito a fazer...por quem já fez tanto ao longo de uma vida.
Parabéns por este blog, que só agora conheci e que tanto me está a agradar.
Com os melhores cumprimentos,
Maria Pinto