Número total de visualizações de páginas

domingo, 19 de outubro de 2008

Galheteiros

Foi noticiado que os galheteiros vão ser autorizados depois de anos de proibição. Portugal seguiu uma recomendação europeia nesse sentido destinada a evitar que houvesse "conspurcação" ou adulteração dos produtos, preservando a saúde dos cidadãos. O que é Portugal fez? Proibiu os galheteiros no sector da restauração! Na altura, muitas pessoas indignaram-se contra esta atitude abusiva, mas nada puderam fazer, porque quem pode manda. Substituíram os simpáticos, artísticos e por vezes imaginativos galheteiros por mini embalagens de plástico ou garrafinhas de rolha inviolável. Acabaram com um ritual de longa data, representado pela colocação do simpático objecto na mesa, o qual dava uma certa solenidade, ilustrada através do vidro ou mesmo cristal, em que a cor quente e doirada do azeite, contrastando com a transparência fria do vinagre, nos quais imaginava o sol e a lua, emprestava e realçava os sabores dos alimentos.
Não sou coleccionador. Conheço alguns que são atraídos por chávenas, gatos de vidro, cães de porcelana, falos de todos os materiais, microscópios, paliteiros, saleiros, cinzeiros, e sei lá que mais, mas não conheço nenhum que coleccione galheteiros. Tem que haver, até, porque é objecto de particular atenção ao ponto de os ter já visto de barro, de alumínio, de acrílico, de vidro, de cristal, de metal, de prata, de porcelana de Vista Alegre ou de Meissen, incrustados de jóias, pequenos, grandes, de todas as formas e feitios. Uma atracção para os criativos e designers. O que terá acontecido, entretanto? Deixaram de se produzir? Não faço a mínima ideia! O que é certo é que nas nossas casas eles lá continuam, alguns com décadas de serviço ininterrupto, e outros retirados das vitrinas apenas para as ocasiões especiais. Colocá-los na mesa empresta um toque de magia especial.
Esta história dos galheteiros faz-me lembrar outras iniciativas europeias, mormente certas directivas. Em 1989 foi publicada uma directiva sobre Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho. Os portugueses transpuseram-na rapidamente para o normativo interno, em 1991. Em 1993, participei, a título de curiosidade, numa reunião internacional sobre a matéria, em Londres, patrocinada pela Federação Europeia dos Sindicatos. O que é que os sindicatos pensarão acerca deste tema? Pensei. E fui. Afinal, aquela rapaziada sabia, e bem, da poda! Numa das sessões plenárias, com larguíssimas centenas de pessoas, talvez na casa das duas a três mil, o presidente fez a sua intervenção, realçando a importância daquele documento. Mas, para que tudo corresse bem, em termos de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, era necessário que os estados-membros respeitassem um conjunto de circunstâncias e de factores para que houvesse sucesso. Na altura, muitos poucos países tinham transposto a directiva, entre os quais se incluía o nosso país. Foi então que ouvi a seguinte frase, que nunca mais me esqueci: "Deveria haver uma directiva comunitária que proibisse os estados a transporem as directivas se não estivessem em condições para tal". C´os diabos! Aquela frase assentou como uma carapuça na cabeça dos poucos portugueses presentes. Olhei para o crachá e, como se nada fosse comigo, disfarcei a minha nacionalidade.
Esta subserviência e necessidade de sermos bem comportados não nos leva a lado nenhum. Veja-se o caso do número clausus de entrada nas faculdades de medicina. Recomendações nesse sentido foram imediatamente aceites pelos portugueses. Consequências? Estão à vista de todos. Falta de médicos, importação de outros, "naturalização" de imigrantes médicos e "expulsão" de jovens portugueses com muito valor para estudar noutros países. Tudo isto, e muito mais, claro está, devido a uma miopia patológica dos nossos governantes! No caso do número clausus em medicina, basta olhar para a Espanha ou Itália, por exemplo. Borrifaram-se para as recomendações!
Quanto à transposição da tal directiva sobre SHST, os que demoraram mais a integrá-la nos normativos internos estão, presentemente, muito à nossa frente.
Relativamente aos galheteiros, o único país a proibir o seu uso na restauração foi Portugal! Agora vai ser revogada. Se o senhor ministro merece como prendinha um belo galheteiro, muitos, mas mesmo muitos, que andam por aí merecem, em contrapartida, um bom par de “galhetas”...

4 comentários:

Anónimo disse...

Tem razão Porfessor. O problema é sério e é mesmo um problema de subserviência perante os burocratas de Bruxelas, atitude veneranda e obrigada que tolhe por completo o sentido de análise crítica dos nossos decisores.
Em nome das melhores intenções, Bruxelas produz as maiores patetices.
Um colega meu, em tempos, relacionou um conjunto de patéticas directivas e recomendações, algumas anedóticas, mas todas só compreensíveis à luz das doutrinas da uniformização do velho Mao Tsé Tung e da sua revolução cultural.
A realidade é que Portugal, que um dia foi proclamado pelo chefe do governo em exercício no clima de euforia da adesão, um dos melhores alunos das então Comunidades Europeias, aceita transpôr acriticamente tudo, mesmo os atentados ao bom senso e não raro à inteligência.

Suzana Toscano disse...

Notável, este é um de muitos exemplos. O que interessa é produzir muitas leis, devemos ter um cardápio legislativo de vanguarda, o pior é depois as que não são levadas a sério - nalguns casos ainda bem - mas que são aplicadas de vez em quando aos que calha estarem no caminho. Ainda agora estive uns dias em Londres e me admirei de não ver lá traços de ASAEs indígenas, tais são os milhares de vendedores de comida nos mercados, de produtos artesanais e de actividades fervilhantes de bactérias...Terceiro mundo, é o que é.O deles, claro.

Bartolomeu disse...

Quando refere a sobserviência e aceitação incondicional e patética às regras e disposições comunitárias, lembro-me das cotas que nos foram impostas, para diversas produções, assim como a captura de pescado.
Que terá norteado aqueles que compuseram as delegações que negociaram entre os grandes, (os G's) estas esmolas?
Agora estamos a braços com 2 problemas, producção excessiva e sem escoamento e insuficiência de verbas para subsidiar as perdas, enquanto se continua a marcar passo e a importar os produtos que nos mandam de Espanha.
Estranho ainda que a comunidade europeia não nos tenha imposto normas que regulamentem os produtos chineses importados, que parecem passar à margem de tudo, impostos inclusivé.

jotaC disse...

Caro Professor Massano Cardoso.
Concordo na generalidade com o que diz excepto na questão dos galheteiros.
Efectivamente somos muito “prontos” a seguir as directivas comunitárias, até aquelas que nos prejudicam como é o caso dos produtos regionais em que não imperou o bom senso … Talvez sejam ainda resquícios de um passado de baixar a cabeça, esquecendo que quanto mais nos baixámos mais o rabo se nos vê…
Mas, voltando aos galheteiros, concordo com a preferência pelos sistemas invioláveis, porquanto, tudo o que sirva para dificultar a tentação de adulterar produtos é sempre do meu agrado. Além disso, da mesma maneira que a maioria de nós identifica e aprova os vinhos pelo rótulo (já que pelo sabor só muito poucos), também o rótulo no azeite nos dá a garantia da qualidade, características do produto e em extremo o responsável do mesmo.
Antigamente, antes de existirem as rolhas invioláveis, os barmans faziam autênticas maravilhas com a mistura de wisky de Sacavém com o wisky escocês, e depois um tipo andava ali dois dias com a figadeira toda alterada…
Resumindo estou de acordo com valentes galhetas neles...mas o galheteiro preferia que tivesse sido banido definitivamente dos restaurantes...