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quinta-feira, 2 de outubro de 2008

A Wall Street da Mouraria!...

A Tasca Central da Mouraria tinha como objecto social a venda de tintol a uma vasta clientela do bairro, mas que também se espalhava da Rua da Palma ao Intendente. Para aumentar as vendas, e depois de uma reunião com o seus Directores Comercial e Financeiro, o Administrador Executivo da Tasca decidiu criar um novo produto que consistia em vender copos a fiado aos seus mais leais e fiéis fregueses. Os resultados adviriam de um pequeno spread que incidiria nas vendas do tintol e da branquinha a crédito. Certa tarde, depois de uma visita a Clientes, o Administrador Executivo do Banco Marginal do Socorro, onde a Tasca Central tinha conta, passou pela Tasca da Mouraria em visita de rotina e para bebericar uns copos. Tendo visto o livrinho dos fiados, verificou que estava aí um activo realizável, e propôs-se adiantar dinheiro ao estabelecimento, tendo o "fiado" como garantia. E, caso a iniciativa da securitização tivesse êxito, até admitiu adquirir a pronto as vendas a fiado do próximo ano.
Encantado, o Administrador da Tasca logo aceitou, tanto mais que deixou de ter qualquer risco nas vendas a crédito, pois recebia do Banco a contado. E logo ali assinaram o contrato, tendo mesmo brindado com uma ginginha.
Logo que chegado ao Banco Marginal, o Administrador Executivo encarregou os serviços competentes de criar produtos estruturados com base nos recebíveis presentes e futuros da Tasca. Não tiveram os técnicos encarregados grande dificuldade em criar o Fundo Vinícola, garantido pelos créditos sobre os fiéis Clientes da Tasca. As Unidades de Participação, sob a forma de diversas denominações, Tintol Garantido, Vintage Barril, TCM Premium, BMS Platinium e outros acrónimos financeiros que ninguém sabia exactamente o que queriam dizer, foram de imediato postas à disposição dos Clientes do Banco Marginal e todas colocadas.
Com tanto êxito, que estes inovadores instrumentos financeiros passaram a ser cotados no mercado de capitais. Vendo aí uma rara oportunidade de negócio, o Banco de Investimento da Madragoa encarregou o seu Departamento de Derivativos de criar um produto financeiro mais complexo utilizando como base os produtos do Banco Marginal. E aí nasceu o BIM Estruturado, derivativo que começou a ser a ser negociado nas principais praças financeiras dos bairros lisboetas, aí intervindo os Bancos de Alfama, do Bairro Alto, do Alto do Pina, de Marvila, Poço do Bispo e Madragoa. Devido ao forte substracto de garantias que os acompanhavam e constavam dos prospectos de venda, nomeadamente a fidelização da vasta clientela que ia da Mouraria ao Intendente, não havia qualquer dificuldade em escoar o produto. Os títulos eram disputados quer pela clientela de particulares, quer por diversos Fundos de Investimento, e também pelos próprios bancos para formar a sua carteira. Entretanto, o Administrador da Tasca Central da Mouraria foi naturalmente investindo nesses títulos e tornou-se um homem rico.
Devido a um desentendimento fortuito com o Administrador da Tasca, um Cliente pôs a correr o boato de que a clientela fiel da Tasca Central da Mouraria era formada predominantemente por bêbados e desempregados que bebiam a fiado, não tendo dinheiro nem a mais leve intenção de pagar as contas dos copos consumidos. O rumor começou a crescer, o que levou o Jornal do Socorro a investigar os factos e a divulgar a notícia. O pânico invadido o mercado, toda a gente correu a vender os títulos, e iniciou-se uma cadeia das falências dos vários investidores. E aqui começou o nosso sub-prime. Com o tintol da Mouraria.
(Adapatado, com alguma inovação e valor acrescentado, de um texto que corre em e. mails)

3 comentários:

Tonibler disse...

Para a história conseguir alguma semelhança com algum caso mais mediático, faltava aí a menina Ermelinda, moça solteira de inquestionável virtude que foi dizer a toda a gente que, com 99,9% de certeza, entre bêbados que pagavam e bêbados que não pagavam, aquilo era mais que seguro. E, ainda, que depois desta história toda ainda ninguém se questionou se a rapariga é realmente casta...

a.leitão disse...

Não terá tanta graça como o original mas está bem adaptado e contribui de forma primorosa para explicar as porcarias que nos impingem.

António Fiúza disse...

E como é que tanta gente inteligente, com formação universitária e rendimentos elevados também acredita nessas moças?