Tenho, ao longo da minha vida, feito vários estudos epidemiológicos com o objectivo de conhecer a realidade nacional de vários problemas relacionados com a saúde e, ao caracterizá-los, contribuir para melhorar os diferentes tipos de intervenção que estão ao nosso alcance, tentando comprometer os educadores, os médicos e, como é óbvio, a própria população.
Posso afirmar que dispomos de técnicas e meios muito importantes, altamente eficazes, que poderiam dar um contributo substancialmente superior ao que está a acontecer na prática, desde que fossem devidamente aplicados pelos médicos e aceites pelas pessoas. Esta afirmação traduz uma realidade caracterizada pelo subaproveitamento dos recursos existentes. Os médicos, ao conhecerem a realidade, são confrontados com algo que não esperavam e, naturalmente, acabam por rever a sua actuação aperfeiçoando-a. Óptimo. É uma satisfação poder contribuir para esta mudança.
Um dos últimos trabalhos teve a ver com a diabetes mellitus, com os diferentes tipos de terapêuticas, crises de hipoglicémia graves, controlo adequado da mesma, entre muitos outros aspectos que dispenso de comentar. O que é certo é que estamos longe de um controlo eficaz da mesma. Os responsáveis por esta situação são os médicos, claro, e também os doentes, como é óbvio. Quanto aos primeiros, irá ocorrer uma melhoria significativa na sua actuação. Quanto aos segundos as coisas são mais complicadas, porque envolve muitas variáveis de cariz social, cultural e económica que são difíceis de ultrapassar, sobretudo nos tempos mais próximos. A adesão às terapêuticas é de uma complexidade extrema que tem de ser abordada de uma forma muito atenciosa por parte dos responsáveis. No entanto, não vejo grande interesse por esta área. Às tantas sou eu que ando distraído!
Toda esta retórica esconde um desejo desde o princípio: contar uma pequena história.
Há muitos anos, mais de vinte, um casal procurou-me. O marido, baixo, calvo, de meia idade, não obeso, vinha acompanhado de uma matrona, bem constituída, na fase final dos quarenta ou princípio dos cinquenta, dotada de um olhar estranho, profundo e brilhante, coscuvilhando tudo o que fazia, sem abrir a boca, esboçando um sorriso que não soube interpretar. Enquanto interrogava e examinava o marido, palrador dos diabos, mas respondendo sempre coisas diferentes às minhas perguntas, o que me punha nervoso, a mulher mudava constantemente de posição, perturbando ainda mais a consulta. As queixas do homem eram cansaço e mais cansaço, mas não na língua. Ao fim de muito tempo acabou por dizer que era diabético, depois de ter feito, logo no início, e mais do que uma vez, essa pergunta. Fiquei mesmo irritado. E, ainda por cima, saca de umas análises comprovativas de grave descontrolo. Perguntei-lhe há quanto tempo era diabético e o que é tomava. – Há muitos anos senhor doutor! E tomo chás. – Chás?! Chás de quê? O senhor não toma medicamentos para a diabetes? - Oh senhor doutor, então o senhor acha que há melhor medicamento do que chás para a diabetes? E dizia isto, rindo com uma satisfação dos diabos. A mulher claro, abanava a cabeça com aquele sorriso enigmático que me punha cada vez mais nervoso. A conversa descambou para a necessidade urgente de terapêutica hipoglicemiante e inclusive insulina, face à gravidade do problema. O homem, numa superioridade meio patética, disse logo que ia recusar tudo o que estava a sugerir, afirmando que os seus chás iam resolver a situação. – Ai vão!? Então como explica que o senhor tenha chegado a este estado? Perguntei. Respondeu que tinha acabado de receber novos lotes de misturas especiais. Bem tentei ajudá-lo e até lhe cheguei a dizer-lhe: - O senhor acredita em bruxas? O homem e a mulher entreolharam-se, perdendo, momentaneamente, o tal sorriso estranho e o riso verdadeiramente patético. E continuei: - Pois eu não! Mas de acordo com o ditado espanhol, que as há, há! Daqui até ao fim da consulta foi um ápice, que não soube interpretar.
No final do dia, a empregada, entra no consultório e disse: - O senhor doutor está muito bem cotado! – O quê?! Bem cotado?! – Sim, claro, até a bruxa de T... e o marido, o dono de várias herbanárias, já vêm à sua consulta. – A bruxa de T...!? – Oh meu Deus, agora já entendo tudo. Depois, bom, não me contive, e larguei uma gargalhada! Nunca mais vi a senhora, e muito menos o marido....
Posso afirmar que dispomos de técnicas e meios muito importantes, altamente eficazes, que poderiam dar um contributo substancialmente superior ao que está a acontecer na prática, desde que fossem devidamente aplicados pelos médicos e aceites pelas pessoas. Esta afirmação traduz uma realidade caracterizada pelo subaproveitamento dos recursos existentes. Os médicos, ao conhecerem a realidade, são confrontados com algo que não esperavam e, naturalmente, acabam por rever a sua actuação aperfeiçoando-a. Óptimo. É uma satisfação poder contribuir para esta mudança.
Um dos últimos trabalhos teve a ver com a diabetes mellitus, com os diferentes tipos de terapêuticas, crises de hipoglicémia graves, controlo adequado da mesma, entre muitos outros aspectos que dispenso de comentar. O que é certo é que estamos longe de um controlo eficaz da mesma. Os responsáveis por esta situação são os médicos, claro, e também os doentes, como é óbvio. Quanto aos primeiros, irá ocorrer uma melhoria significativa na sua actuação. Quanto aos segundos as coisas são mais complicadas, porque envolve muitas variáveis de cariz social, cultural e económica que são difíceis de ultrapassar, sobretudo nos tempos mais próximos. A adesão às terapêuticas é de uma complexidade extrema que tem de ser abordada de uma forma muito atenciosa por parte dos responsáveis. No entanto, não vejo grande interesse por esta área. Às tantas sou eu que ando distraído!
Toda esta retórica esconde um desejo desde o princípio: contar uma pequena história.
Há muitos anos, mais de vinte, um casal procurou-me. O marido, baixo, calvo, de meia idade, não obeso, vinha acompanhado de uma matrona, bem constituída, na fase final dos quarenta ou princípio dos cinquenta, dotada de um olhar estranho, profundo e brilhante, coscuvilhando tudo o que fazia, sem abrir a boca, esboçando um sorriso que não soube interpretar. Enquanto interrogava e examinava o marido, palrador dos diabos, mas respondendo sempre coisas diferentes às minhas perguntas, o que me punha nervoso, a mulher mudava constantemente de posição, perturbando ainda mais a consulta. As queixas do homem eram cansaço e mais cansaço, mas não na língua. Ao fim de muito tempo acabou por dizer que era diabético, depois de ter feito, logo no início, e mais do que uma vez, essa pergunta. Fiquei mesmo irritado. E, ainda por cima, saca de umas análises comprovativas de grave descontrolo. Perguntei-lhe há quanto tempo era diabético e o que é tomava. – Há muitos anos senhor doutor! E tomo chás. – Chás?! Chás de quê? O senhor não toma medicamentos para a diabetes? - Oh senhor doutor, então o senhor acha que há melhor medicamento do que chás para a diabetes? E dizia isto, rindo com uma satisfação dos diabos. A mulher claro, abanava a cabeça com aquele sorriso enigmático que me punha cada vez mais nervoso. A conversa descambou para a necessidade urgente de terapêutica hipoglicemiante e inclusive insulina, face à gravidade do problema. O homem, numa superioridade meio patética, disse logo que ia recusar tudo o que estava a sugerir, afirmando que os seus chás iam resolver a situação. – Ai vão!? Então como explica que o senhor tenha chegado a este estado? Perguntei. Respondeu que tinha acabado de receber novos lotes de misturas especiais. Bem tentei ajudá-lo e até lhe cheguei a dizer-lhe: - O senhor acredita em bruxas? O homem e a mulher entreolharam-se, perdendo, momentaneamente, o tal sorriso estranho e o riso verdadeiramente patético. E continuei: - Pois eu não! Mas de acordo com o ditado espanhol, que as há, há! Daqui até ao fim da consulta foi um ápice, que não soube interpretar.
No final do dia, a empregada, entra no consultório e disse: - O senhor doutor está muito bem cotado! – O quê?! Bem cotado?! – Sim, claro, até a bruxa de T... e o marido, o dono de várias herbanárias, já vêm à sua consulta. – A bruxa de T...!? – Oh meu Deus, agora já entendo tudo. Depois, bom, não me contive, e larguei uma gargalhada! Nunca mais vi a senhora, e muito menos o marido....
4 comentários:
Caro Professor Massano Cardoso
Ainda bem que contou a história, digna de ser apreciada. Os médicos apanham com cada uma!
A mulher "cuidava" bem do marido. Se cuidava! Seria uma daquelas bruxas convencida que tinha poderes especiais ou uma daquelas bruxas à espera de se ver livre do marido? Em qualquer dos casos, parece que os chás não eram grande coisa…
Se calhar era o açúcar com que adoçava os chás...a mulher não faria por mal, dentes-de-leão, erva-moira,calêndulas...
Esta é mais uma deliciosa realidade que poderia muito bem ser história, Caro Professor. Gostaria tambem de deixar aqui uma que conheço e se relaciona com a terra onde vivo e a bruxa que lá viveu. A conhecida bruxa da Arruda. Faço um parêntesis, só para referir que arruda é uma erva à qual também são atribuídas qualidades medicinais e outras...
Alias, todos sabemos que na composição de alguns medicamentos estão presentes extratos de ervas.
Bom a história que vou referir está documentada no livro editado sobre a cidade e conta o seguinte:
Um mádico de Lisboa, tinha uma filha que definhava de dia para dia e para cujo mal a medicina não encontrava remédio. O pai desesperado, depois de consultar vários colegas, acabou por levar a filha à bruxa da Arruda. A rapariga apresentava-se extremamente pálida, fraca, olheiras profundas, etc. Depois de a observar a ouvir as queixas a senhora disse ao pai da rapariga, que para curar a filha ele teria de a deixar em casa dela e voltar uns dias depois (não me recordo o nº de dias). O pai relutante acedeu. A bruxa, mandou deitar a rapariga e começou o tratamento administrando-lhe pevides bem salgadas e nada de líquidos. Passado algum tempo, não me recordo se um dia, ou mais, ou menos, mandou deitar a mocinha de lado e colocar no chão ao lado da cama, uma bacia com leite fresco.
Reza a história, que pouco depois a rapariga vomitou uma enorme ténia, conhecida vulgarmente por bicha-solitária. Conta-se que, no prazo de tempo combinado a mocinha estava a andar e tinha recuperado as cores, o que fez o médico-pai, ficar reconhecidíssimo à bruxa da Arruda.
Caro Bartolomeu
Se o ministro da saúde sabe da história ainda vai ser o bom e o bonito...
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