Uns milhares de alunos do 4º ano (antiga 4ª classe) apresentaram-se recentemente nas salas de aula para responderem a umas perguntas sobre as matérias leccionadas, a que pomposamente chamaram “exames”.
O facto fez-me recordar memórias longínquas da minha infância, na década de cinquenta, já do século passado, em que os exames da terceira e da quarta classe se revestiam de solenidade, em que os pais vestiam os rebentos a preceito, já que as provas constituíam um marco na vida dos seus filhos. As pessoas orgulhavam-se de ter a quarta classe!...
A minha mãe dava aulas numa aldeia encavalitada numa das muitas serras beirãs, longe da terra onde morávamos. A estrada ficava-se pelo meio do caminho, pelo que o percurso, às segundas-feiras de madrugada, na ida, e às sextas-feiras à tarde, na volta, era feito a pé, quatro horas por carreiros e atalhos difíceis, para encurtar distância, por vezes a cavalo, que a minha mãe evitava, por ter medo. Chegou a leccionar simultaneamente a 80 alunos, da primeira à quarta classe.
Na altura, se os exames eram importantes para os alunos, eram também muito importantes para os professores, cujo prestígio não sofria ver alunos seus reprovados.
Por isso, findas as aulas e uma semana antes dos exames, que se faziam na sede do concelho, a minha mãe deixava a escola e trazia para a nossa casa, a seu cargo e encargo, os alunos da quarta, que não eram muitos, dadas as dificuldades da vida de então, para lhes dar a preparação final. Eram submetidos a ditados e redacções incessantes, estudo da Geografia e da História de Portugal de Tomás de Barros, faziam dezenas de problemas de aritmética. O certo é que a minha mãe se orgulhava de nenhum aluno seu ter reprovado na 4ª classe e de alguns terem passado com distinção.
Lembro-me ainda que um ou outro que tinha possibilidade de prosseguir os estudos continuava lá por casa a preparar-se para o exame de admissão. Passados anos, alguns, melhor ou pior na vida, iam aparecendo e era uma alegria para todos.
Os tempos, os métodos e as condições de hoje são tão diferentes que a situação descrita parecerá estranha e inverosímil para muitos, longe de um tempo e de um ambiente felizmente já desaparecidos.
Mas, diferentes as condições, não deveria ser menor o grau de exigência. Antes pelo contrário.
A minha homenagem à minha mãe e a todos os professores que, antes e agora, lutaram e lutam pela dignificação do ensino e que nunca compreenderiam, como eu agora não compreendo, o facilitismo dos Ministérios para quem não contam, nem os erros nas provas de português, nem as contas mal feitas nas provas de aritmética, como vem acontecendo nos actuais "exames"!...
O facto fez-me recordar memórias longínquas da minha infância, na década de cinquenta, já do século passado, em que os exames da terceira e da quarta classe se revestiam de solenidade, em que os pais vestiam os rebentos a preceito, já que as provas constituíam um marco na vida dos seus filhos. As pessoas orgulhavam-se de ter a quarta classe!...
A minha mãe dava aulas numa aldeia encavalitada numa das muitas serras beirãs, longe da terra onde morávamos. A estrada ficava-se pelo meio do caminho, pelo que o percurso, às segundas-feiras de madrugada, na ida, e às sextas-feiras à tarde, na volta, era feito a pé, quatro horas por carreiros e atalhos difíceis, para encurtar distância, por vezes a cavalo, que a minha mãe evitava, por ter medo. Chegou a leccionar simultaneamente a 80 alunos, da primeira à quarta classe.
Na altura, se os exames eram importantes para os alunos, eram também muito importantes para os professores, cujo prestígio não sofria ver alunos seus reprovados.
Por isso, findas as aulas e uma semana antes dos exames, que se faziam na sede do concelho, a minha mãe deixava a escola e trazia para a nossa casa, a seu cargo e encargo, os alunos da quarta, que não eram muitos, dadas as dificuldades da vida de então, para lhes dar a preparação final. Eram submetidos a ditados e redacções incessantes, estudo da Geografia e da História de Portugal de Tomás de Barros, faziam dezenas de problemas de aritmética. O certo é que a minha mãe se orgulhava de nenhum aluno seu ter reprovado na 4ª classe e de alguns terem passado com distinção.
Lembro-me ainda que um ou outro que tinha possibilidade de prosseguir os estudos continuava lá por casa a preparar-se para o exame de admissão. Passados anos, alguns, melhor ou pior na vida, iam aparecendo e era uma alegria para todos.
Os tempos, os métodos e as condições de hoje são tão diferentes que a situação descrita parecerá estranha e inverosímil para muitos, longe de um tempo e de um ambiente felizmente já desaparecidos.
Mas, diferentes as condições, não deveria ser menor o grau de exigência. Antes pelo contrário.
A minha homenagem à minha mãe e a todos os professores que, antes e agora, lutaram e lutam pela dignificação do ensino e que nunca compreenderiam, como eu agora não compreendo, o facilitismo dos Ministérios para quem não contam, nem os erros nas provas de português, nem as contas mal feitas nas provas de aritmética, como vem acontecendo nos actuais "exames"!...
11 comentários:
Muito obrigada pelo seu texto. Já é raro alguém reconhecer que teve professores que sempre lutaram por muito pouco.
É importante recordar e fazer os outros recordar ou. no caso dos mais novos, contar como realmente se passavam as coisas, para além das lendas e das ideias feitas que por aí circulam. Estas recordações vieram reavivar as minhas próprias. também a minha mãe era professora de instrução primária e também ela leccionava num lugarejo então desconhecido que se chamava Bicesse, tinha as 4 classes em simultâneo e orgulhava-se de apresentar a exame alunos bem preparados. Íamos fazer exame da 4.ª classe em Alcabideche e era um acontecimento importante. Para os meus filhos já tudo foi muito diferente, mas mais diferente ainda está agora a ser para os meus netos...
Caro Pinho Cardão,
Vim até à Quarta República, anteontem, para declarar a minha ingenuidade perante aquilo que, pelos vistos, muitos consideram uma ameaça às liberdades, a propósito da intenção do Governo em criar uma base de dados que lhe permita ter informações acerca daqueles que trabalham para o Estado, e de que eu, confesso, ainda não percebi onde está a intenção orweliana.
Vem isto a despropósito deste teu "post" que eu titularia com uma sentença batida: Uma quarta classe bem feita fica para toda a vida, ou sem bons alicerces não há obra sólida.
Vale isto por dizer que, concordando inteiramente contigo, e, se me permites, querendo também prestar homenagem ao meu professor primário, discordo com a responsabilização que atiras inteiramente para cima das costas dos Ministros da Educação.
É inquestionável que os níveis de exigência na educação se deterioraram para limites inconcebíveis, a começar logo nos primeiros anos de escolaridade.
Ainda ontem, na revista Pública o dr. Daniel Sampaio referia a verdadeira tragédia que tem constituído o hábito de não fazer exames e a ansiedade que se apodera das famílias onde esses actos, que deveriam ser normais na vida de todos, constituem uma prova de pavor.
Acontece, no entanto, que os portugueses se habituaram (ou os habituaram) a uma desresponsabilização geral. Desresponsabilização que assume, no caso da educação, os seus limites extremos. Concordarás que este Ministro, o anterior, o anterior do anterior, e por aí fora, sempre para trás...foram, segundo a apreciação pública, todos maus.
Por quê?
Porque perdemos alguns hábitos de exigência e (quase) ninguém quer aprender, (quase)todos querem ter um canudo.
É por isso que volto ao tema com que iniciei este arrazoado: Quando este Governo, quando qualquer Governo, pretende impor alguma ordem a bordo, surgem logo brados de denúncia por todo o lado.
A mim, que não sou nem nunca fui partidário, não me custa perceber por que é que estas coisas acontecem.
O caderno reinvidicativo do pós 25 de Abril reclamava: Paz, pão saúde, habitação. O caderno foi satisfeito: Temos paz, temos dos níveis médios de consumo de calorias e proteínas dos mais elevados do mundo, a esperança de vida está ao nível dos EUA, a mortalidade infantil é das mais baixas do mundo, temos mais casas por família que todos os outros, salvo os espanhóis.
Que nos falta? Educação.E Justiça Mas, curiosamente,nem uma nem outra não faziam parte do caderno reinvidicativo.
De modo que, meu caro Pinho Cardão, ainda que ninguém nos dê ouvidos, aqui fica a minha sugestão para o aleijão que tu denuncias e de que (quase) todos nos queixamos: sem um pacto que defina e instale um grau de exigência em todos os graus de ensino, e de cujos efeitos impopulares nenhum dos principais partidos cobre dividendos, não sairemos de junto do muro das lamentações.
Porque lamentar é o nosso jeito mas não deveria ser o nosso fado.
Pinho Cardão,
Desculpa, mas lê "reivindicativo" e não o que lá está.
A minha esposa, mulher estudiosa de "coisas" da educação, fez-me notar uma coisa. Já alguma vez repararam na quantidade de livros que se publicam por ano sobre políticas/filosofias/psicologias/paridas da educação? Já reparam que na FNAC ocupa o dobro do espaço que ocupa a matemática (para terem uma ideia da procura)? E que 95% dessas "obras" são de autores portugueses?
Numa coisa os portugueses são imbatíveis - a construir inutilidades!
Meu caro Pinho Cardão, o seu post trouxe-me à memória as minhas professoras da então primária no saudoso Patronato D. Nuno Alvares.
Exemplos, como a senhora sua mãe, de inexcedível dedicação à causa de ensinar, por muito pouco de material como acima refere a Isabela, mas com satisfação que se percebia bem, de cumprir uma missão nobre de preparar para a vida.
Como refere, é uma visão que muito poucos compreendem hoje em dia.
Na homenagem à sua mãe, vai a homenagem às minhas professoras e a todos quantos encaram a educação como algo muito diferente de um mercantilismo de ensino.
Justíssima a homenagem à Mãe-Professora, caro Pinho Cardão.
A visão mercantilista das relações humanas e das funções sociais, que hoje prevalece, combinada com a irresponsabilidade que tem caracterizado o nosso sistema de ensino de uma forma geral, deu nisto: não conseguimos quase perceber o comportamento de pessoas como sua Mãe, no exercício do seu múnus pedagógico.
Parece-nos quase inconcebível a forma sacrificada e desinteressada como se dedicava ao seu trabalho de ensinar na escola.
Que grande exemplo!
Permitam-me que nesta evocação do que são para nós hoje verdadeiros herois da educação, deixe aqui o nome da Dª Cremilde Celeste Oliveira, minha professora e do Dr. Miguel Cadilhe na escola primária nº13 da Povoa de Varzim.
Que dedicação, que exemplo de honradez no desempenho da sua nobre função, deu também a Dª Cremilde - felizmente ainda viva.
Caro Rui:
Pois eu também tenho opinião de que alguns pactos deveriam ser feitos. Mas cada vez acredito menos que eles possam ser concretizados com a actual classe política.
Por isso, como os partidos não querem pactos, as coisas devem ser exigidas aos Governos e aos Ministros. No caso do Ministério da Educação, não creio que qualquer alteração seja possível sem que muita da tecnocracia existente seja mudada para outras funções onde seja menos deletéria. Os ministros parecem uns "anjinhos" nas suas mãos, criando-lhes o complexo de que se não continuarem o experimentalismo vigente são uns animais das cavernas.
Com este Ministério não se vai a lado nenhum. A solução é fechar e abrir com nova gente.
Os professores foram quase obrigados a facilitar , costume que ainda continua pelos vistos...
Os professores só precisam dum governo eficaz...
Roubei este post
Caro Pinho Cardão,
A minha memória confirma tudo aquilo que aqui está dito.Creio que seria mais ou menos assim em todo o País, sem quebra de exigência. Por isso se aprendia, apesar da falta de liberdade, da pobreza, da estreiteza de vida, dos parcos meios, das escassas opções, etc. E ninguém ficou incapacitado de pensar e de se emancipar intelectual e eticamente. Poderão as crianças de hoje vir a dizer a mesmo, daqui a uns decénios ? Duvido, apesar de toda a Liberdade, de toda a tolerância, de toda a facilidade… ou por isso mesmo.
Totalmente de acordo com o que diz, caro António Viriato!...
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