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domingo, 9 de maio de 2010

Pikaia


"É provável que o ser humano só tenha aparecido por mero acaso." (S. Jay Gould)

Mudo com uma certa frequência a imagem de fundo do meu portátil. Agora optei pelo Pikaia, o mais velho antecessor dos vertebrados, uma criaturinha com cerca de 5 cm que viveu há 570 milhões de anos durante o maior orgasmo de vida jamais vista neste planeta, explosão cambriana, e na qual os religiosos conseguem “ver” a mão de deus. O que é lhe teria passado pela cabeça na altura? Alguma experiência? Vá-se lá saber. Daquela simpática criatura descendem os vertebrados, seres humanos incluídos. Os estudiosos destas matérias têm à disposição o famoso Xisto de Burguess, a pedra da Roseta dos paleontólogos. O que aconteceria se voltássemos novamente a esse longínquo período e se tudo recomeçasse de vez? Às tantas não seríamos nós, os humanos, que estaríamos aqui, mas sim, talvez, outra espécie mais evoluída ou, então, outras tão desenvolvidas como as que nos rodeiam, mas sem homens e sem mulheres criados à imagem e à semelhança de deus. Porquê? Porque são os pequenos nadas que conseguem fazer as grandes diferenças. Se “Há um nada que faz os reis e os vagabundos, podendo até dar-se o caso, de o útero lhes ser comum”, então é de prever que as mudanças operadas teriam seguido outro caminho que não este. Frutos de um acaso e descendentes de uma Pikaia. A natureza brinca ao sabor de pequenos acontecimentos, entretendo-se a criar e a destruir vidas. De momento, existem apenas 5% de espécies que já existiram neste calhau perdido. As outras 95% já foram à vida. Que desperdício! Às tantas deveriam haver algumas que poderiam ter originado coisinha melhor. Mas a vida continua, e continua a obedecer a algumas e interessantes regras, como a da poupança. A natureza sabe da poda. Nada de gastos, se quiserem sobreviver. De vez em quando lembra-se de apagar umas tantas espécies, umas vezes porque não respeitam as suas leis, outras por algum capricho mais espetacular. Agora até tem um aliado de peso, nesta tarefa de extermínio, e que a deve chatear demais, os homens. Os recursos energéticos que põe à disposição das espécies ou são utilizados de preferência na procriação ou na manutenção. Quando privilegia a primeira, a existência da espécie fica assegurada pela multiplicação dos seus membros e, depois deste período, pouco ou nada fica para a vida adulta, acabando por desaparecer. Em contrapartida os que investem pouca energia na procriação transferem-na para a sua manutenção. É o que acontece com muitas espécies que chegam a viver dezenas e dezenas de anos, e algumas até ultrapassam os cem anos. Nestas, as alterações celulares são muito pouco comuns e, como tal, não sofrem de grandes patologias.
Os seres humanos “optaram” pelo investimento energético durante a procriação e crescimento extrauterino. Compreende-se a razão, já que não viviam muito para além dos trinta anos. Logo, as necessidades energéticas de manutenção não faziam grande sentido, o que foi determinante para o aparecimento de células degenerativas e de um envelhecimento mais do que evidente, quando conseguiram ultrapassar aquele limite. A partir daqui surgem as doenças. As espécies que privilegiam a fase de manutenção crescem mais lentamente e vivem muitos anos. Quando o homem conseguiu ultrapassar a esperança de vida dos trinta anos, entrou numa nova fase, a de “excedente de vida”, vivendo mais de quarenta anos, chegando a alcançar os noventas anos, e não vai ficar por aqui. E agora? Para conseguir viver com qualidade precisa de “energia” para a sua manutenção durante estas longas décadas que não estavam previstas. Energia no mais amplo sentido, com tudo o que se pode depreender ou depender da palavra. Muita energia, muitos custos e mesmo assim não vai ser fácil. Mas tem que ser, de outra maneira vai continuar a sofrer. Não pode “desviar a energia” despendida para a procriação e o desenvolvimento extrauterino, porque os compromissos evolutivos são irreversíveis. Agora, precisa de investimentos durante as duas fases e, na segunda, a da manutenção da vida, as exigências vão ser astronómicas. O que estamos a observar, a nível social e económico, é de uma violência comprometedora para a sobrevivência da espécie humana que decidiu, e muito bem, a partir de certa altura romper com os caprichos da natureza, desobedecendo-lhe e, ao mesmo tempo, querendo domesticá-la. Mas será que vai ser capaz?
- Oh Pikaia, mas que é que te deu nesse dia? O que é te passou por esse primórdio, esboço, ou como queiram chamar “princípio”, que um dia levaria à feitura de um cérebro, para andares a “pikaiar” a tua vizinha? Ah! Imagino que deverá ter sido do calor. Eu sei, no Câmbrico fazia muito calor. É sempre uma boa desculpa. Uma pequena distração momentânea, um pequeno “nada”, de deus...

2 comentários:

Bartolomeu disse...

Para que da lei da morte nos livremos... é determinante que à lei da vida nos subjuguemos...
esta é a "brincadeira" de que o Senhor suspeita, somos as "marionetes"...
e se... da lei da vida nos demitíssemos?

Bartolomeu disse...

Pelo efeito de uma misteriosa força contraditória, faltou-me Professor Massano Cardoso, seguidamente a "Senhor"... deixo a rectificação.