MATIZES TAUROMÁQUICAS IBÉRICAS

Gosto mais de arroz de marisco do que paella, de Douro do que Rioja, do Mourinho do que do Guardiola; mas em chegando à tourada, é a versão espanhola que mais me cativa – pela verdade do confronto. No frente-a-frente entre o artista humano e a contraparte bovina é garantido que um deles sucumbe. As regras do combate são enviesadas em favor do matador, mas na arena ambos estão entregues à sua bravura. O combate é frontal.
Já nas praças lusas, o confronto é desnivelado; existe um vencedor anunciado; nenhum dos protagonistas perece; o risco aparenta omnipresente, mas na realidade ele é mínimo. Só tem fim, não tem desfecho.

A festa brava lusa é uma encenação de combate – de grande sentido estético, é certo. A fiesta espanhola é um duelo até à morte - real e verdadeiro.

Lembrei-me das diferentes matizes que a tauromaquia assume no espaço ibérico quando esta semana li a notícia que o ministro da economia espanhol José Manuel Campa (também prestigiado académico na área do comércio internacional) se tinha deslocado a Londres – ao “covil” dos tenebrosos especuladores - para dar conta a um conjunto de investidores do que o seu executivo estava a fazer por forma a evitar a recorrência dos desequilíbrios gerados por uma estratégia que assumidamente falhou.

Sem entrar em pormenores, o governo de nuestros hermanos introduziu alterações profundas na segurança social, no funcionamento do mercado de laboral, na organização e estrutura do sistema financeiro, para além de implementar um plano consistente de redução do défice orçamental. Começou a fazê-lo na Primavera do ano passado, quando o alastramento da crise grega passou a ameaçar verdadeiramente a integridade financeira dos demais países da “periferia”. Por essa altura tornou-se óbvia a delicadeza da situação, pelo que o governo foi obrigado a tomar medidas que arriscavam alienar a sua base eleitoral: o imperativo patriótico ecoou mais forte.

Por cá, apesar de a aflição ser maior, a reposta à crise tem sido de matriz táctica e não estratégica. Tem-se pautado pelo expediente rápido em detrimento da reforma, pela reacção em detrimento da antecipação, pela sonegação dos problemas em detrimento da sua frontal assunção e discussão. Em Portugal não há crise e as dificuldades que sentimos são epifenómenos da má avaliação que de nós fazem lá fora. A terapia resume-se a convencer os equivocados alienígenas da nossa valia económica, algo tornado mais fácil pela sagacidade e brilhantismo dos nossos governantes. No entretanto faz-se o mínimo possível para apaziguar os parceiros europeus. O problema é que esta encenação tem como consequência o agravamento dos problemas actuais e, logo, a exponenciação dos custos associados.

É claro que ninguém pode garantir o sucesso da estratégia espanhola, mas a sua atitude de maior frontalidade perante os desafios confere-lhes uma oportunidade genuína de aplicar uma “estocada“ fatal na crise. Quanto a nós, podemos continuar a tornear o touro, mas tal solução está condenada ao fracasso. Enquanto estivermos montados na boa vontade da Europa vamos conseguindo esquivar da besta, mas esta continuará a investir com fúria e persistência. Mais cedo do que tarde seremos apeados das facilidades que com que até agora temos sido bafejados. Não seria melhor fazer como os espanhóis, apear-nos de mote próprio, e enfrentarmos o touro em pontas, com a coragem e frontalidade que a nossa precária situação nos exige?