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segunda-feira, 2 de maio de 2011

"Maria do Carmo"






Em janeiro do ano passado, aproveitando uns momentos livres, tive oportunidade de visitar a Praça da República no Porto onde fiquei deslumbrado com a obra de Fernandes de Sá, “O Rapto de Ganímedes”. Estava longe, mas muito longe de ver tão bela preciosidade. Na altura escrevi um pequeno texto a dar conta do efeito que me causou. Hoje fui ao Porto, e, como consegui roubar tempo ao meu tempo, dirigi-me instintivamente até ao parque, atraído pelo efeito provocado pela beleza da estátua, um pouco à semelhança de Zeus que se apaixonou pelo pastor príncipe. Ao chegar fiquei confuso, porque não a vi. Ainda pensei que estaria desorientado, porque no seu lugar estava uma estátua a representar a república. Colocaram-na ali, de costas para o parque e de frente para o quartel. Olhei, e verifiquei que está ali para comemorar o centenário. É bonita, elegante, uma mulher com uma esfera armilar na mão e um ramo de oliveira na outra num passo determinado. Andei em seu redor e não consegui obter a emoção estética que procurava. Uma homenagem à república, mais uma. Triste, ainda procurei no resto do parque a estátua de Ganímedes. O parque é grande, mas não a vi. A estátua do padre Américo continuava no seu sítio, transformada em altar, como é típico dos portugueses, e no extremo oposto à nova estátua da república, limpa, sem patine e de costas voltadas, estava a estátua de Baco de Teixeira Lopes (pai) esverdeada pelo tempo e talvez pelo efeito crónico do álcool. Mas o que faz uma estátua de Baco neste sítio? Uma homenagem aos bebedores? Não sei, talvez sim, talvez não. Mas a estátua é bela, sem dúvida, e, então, o riso sardónico é notável e incomoda. Olho para a base da estátua de Baco e reparo que foi ali colocada em 1916, para comemorar os seis anos da república! Comemorar a república ao fim de seis anos? E com uma estátua de Baco? A que propósito? Estariam bêbados de desespero pelos disparates da época, ou queriam provar que a revolução de outubro foi uma forma de inebriar as aspirações dos portugueses? Estranhas maneiras de comemorar a república. Agora começo a entender a posição da “Maria do Carmo”, parece que é assim que designam a nova estátua da república - foi uma jovem chamada Maria de Carmo que serviu de modelo -, de costas voltadas para Baco, porque não deve achar nenhuma piada aos "bêbados" republicanos que, em 1916, ali o colocaram para a homenagear.
Gostava de saber onde colocaram “O Rapto de Ganímedes”. Queria vê-la, porque vale a pena. Ficava tão bem naquele enquadramento, Baco de um lado e Ganímedes nos braços de Zeus transformado em águia no outro, um pequeno Olimpo que corre o risco de desaparecer para dar lugar a uma coletânea de homenagens à república. É isso mesmo, “isto” é mesmo uma “república”, cada um faz o que quer. Será que naquele parque não havia um local para por a “Maria do Carmo” sem retirar “O Rapto de Ganímedes”?

16 comentários:

Luís Bonifácio disse...

Estátua de Baco!!1
Se calhar foi o Alexandre Braga, que morreria uns anos depois de cirrose e sífilis

Bartolomeu disse...

E acho muito justo que a câmara do Porto tenha raptado a estátua do jardim e a tenha substituído pela figura da Maria!
Apoiado Sr. Rui Rio!
Estéticas à parte, Rubens devia estar c'os copos, quando se lembrou de imortalizar o acto pedófilo de um deus velhadas que rapta um miudo para o possuír em pleno voo.
Isto, numa época em que desde o seio da igreja, até ao seio da sociedade popular, tantos actos de pedofilia são ainda reportados, não se pode considerar de bom ton, manter à vista do público, uma alegoria tão evidente.

Massano Cardoso disse...

Caro Bartolomeu

Surpreende-me a sua interpretação. Considera a estátua como uma alegoria à pedofilia? Zeus pedófilo? Se assim for, o melhor é fazer queixa à Procuradoria Geral da República. Como Ganimedes adquiriu o estatuto de imortalidade, porque passou a dar de beber néctar aos deuses, e sendo Zeus também imortal, apesar de ser um velhadas, ambos estarão vivos e prontos a responder perante a lei, caso os encontrem, o mais certo é estarem a esta hora em parte incerta.
Uma confusão misturar sexo com beleza, como se a primeira fosse a única fonte de prazer. Pobres deuses se tivessem que andar a fornicar uns com outros e com os mortais, claro, só para esse fim. Às tantas o Olimpo não seria mais do que um antro de promiscuidade e baixeza. Penso que na mesma linha de raciocínio, o meu amigo deveria apelar ao Sr. Rui Rio para retirar a estátua a Baco, porque, como é “óbvio” anda a convidar quem por ali passa a beber desgraçadamente. Rua com o Baco, e, por que não, também, com o Padre Américo? Ou será que faz milagres?
Pronto! Para que a Praça da República do Porto não fique sem estátuas, poderá ficar a “Maria do Carmo” a relembrar que somos uma República, mais no sentido figurado que o povo nos costumou ao dizer, esbaforido e irritado com as injustiças e decisões atolambadas, “isto é uma república...”

Bartolomeu disse...

Caro Professor;
V. Exª Sabe, e eu sei que sabe, distinguir, tal como eu, beleza estética e escultural, d'aquilo que as mesmas simbolizam, neste caso em termos mitológicos.
É claro que o meu comentário, não visou criticar o sentido estético, tão pouco o conceito simbológico que V. Exª fará da estátua raptada do jardim da República, longe de mim. No entanto, penso que não é possível contornar a realidade do mito. Zeus, viu e apaixonou-se por uma criança que raptou, transformando-se em águia e possuindo posteriormente, em pleno voo. Se depois colocou essa criança no Olimpo e o aproveitou para servir bebidas que imortalizavam... então estamos perante um duplo crime; para além de pedófilo, Zeus era também explorador do trabalho infantil.
Revelar-se-ia inútil qualquer queixa apresentada à procuradoria-geral, acerca do tal Zeus... a prática é ilibar de qualquer acusação, todo aquele que neste país apresentar credenciais de deus, mesmo que menor, portanto...

Massano Cardoso disse...

Pois! Mitos! O que são mitos? Para que servem os mitos e quem constrói? Os homens. Não sei se Ganímedes era uma criança, penso que seria já um adolescente, e talvez tivesse mais de 16 anos...
Deixemos de coisas. Eu só queria saber onde está a estátua. Se alguém souber eu fico reconhecido. Beleza é beleza e agradeço a quem a cria. Quanto ao resto, pouco me importa, porque se fossemos por aí quantas e quantas obras não teriam de ser "censuradas"...
É só isso, caro amigo Bartolomeu, bebe-se e inebria-se com a beleza, sempre é mais saudável.
Para terminar relembro a frase de Baudelaira: "É preciso que vos embriagueis sem tréguas. Mas de quê? De vinho, de poesia, ou de virtude, à vossa vontade"

Bartolomeu disse...

Por acaso Ganímedes, era ainda adolescente quando Zeus o tomou.
Mas, tal como V. Exª refere, caríssimo Professor, da mitologia desconhece-se a origem e a interpretação dos mitos poderá ser vasta e até... a gosto.
No entanto, e correndo o risco de me mostrar teimoso, considero que é mais provável acontecer, aquele que admirar a estátua, ao tomar conhecimento do mito, deter a atenção no acto que ela representa, em lugar de, na perfeição da escultura.
Sabemos como a mente humana, em geral pode ser perversa (termo que significa, mudança do bem em mal).
E ainda, uma vez que assumi a posição de teimoso, mas não querendo no entanto esgotar a paciência que o caríssimo professor dedica aos meus comentários, "desafio-o" a considerar um hipotético cenário: Um professor primário que decida levar a classe ao jardim da república e, movido pelo desejo de sensibilizar os seus alunos para o conhecimento e a apreciação da arte, apresenta-lhes as estátuas expostas;
- Esta, meninos, representa a república (que por sinal até possui um erro de concepção, em minha opinião dado que, uma vez que exprime movimento, não deveria estar apoiada simultaneamente nos bicos dos pés. Se o pé direito está apoiado na parte dos dedos, o esquerdo deveria estar apoiado no calcanhar, a menos que a sô dona Maria fosse bailarina)que transporta na mão direita um ramo de oliveira, a qual simboliza força espiritual, conhecimento e principalmente paz. Foi um ramo de oliveira que a pomba trouxe a Noé, como prova de que o dilúvio tinha terminado. E na mão esquerda o mundo, a globalidade, a irmandade.
Aquele gorducho ali, é baco, o deus romano do...
-Esse eu sei pressore, é o deus dos bêbados, cumó meu pai...
-Qual deus dos bêbados menino, esteja calado. Baco, era o deus do vinho e das festas. O vinho era considerado uma bebida dos deuses, além de que lhe eram atribuídas propriedades curativas, tal como ainda nos nossos dias, desde que tomado moderada e adequadamente.
- Aquela estátua ali, tem o nome de "O Rapto de Ganímedes" e conta-nos uma história da mitologia; um dia Zeus, olhou lá do alto e viu Ganímedes um adolescente que guardava o rebanho de seu pai então, Zeus, porque achou Ganímedes um jóvem belíssimo, transformando-se em águia, despencou-se lá dos altos, pegou em Ganímedes com as suas fortes garras e possui-o em pleno voo, transportando-o depois para o Oli...
- Ó pressore, o qué qué possui-o?
- Hmmm? Cála-te miúdo e aprende...

Anónimo disse...

Concordo consigo e subscrevo, por inteiro, o seu post. Numa visita de estudo que organizei pela zona da Lapa e Campo de Santo Ovídio (hoje praça da República), dei-me conta da súbita alteração. Súbita e praticamente incógnita, pois foi sem publicidade, nem pompa que a alegoria à república foi ali edificada. Talvez por vergonha, não sei. O que é certo é que os nossos pensantes, governantes, etc continuam sem perceber que podem fazer a propaganda que quiserem, seja aos homens, seja ao regime, mas respeitando a memória histórica. Se o rapto de Ganimedes foi colocado ali pouco após a sua execuação, não haveria outra praça, mais vazia, mais moderna, que servisse os intuitos republicanos? E isto serve para a toponímia, que foi republicanizada ao longo dos últimos 100 anos.
Para mim, a rua 31 de Janeiro, continua a ser a de Santo António. E todos os dias surgem novos arruamentos na cidade do Porto...

Massano Cardoso disse...

Bartolomeu

“Deixemos de coisas”. Foi o que eu disse e agora vem com a história das criancinhas e a dificuldade de o professor explicar o mito de rapto de Ganimedes e a “posse” por Zeus. Ora bem, dois pontos. O primeiro é que há outra interpretação mitológica sobre o rapto que não envolve a “teopedofilia”. Não me vou alongar sobre esta interpretação que está ao alcance de qualquer um. O segundo ponto tem a ver com as perguntas que eu fiz sobre Adão e Eva, na criação do mundo. Tiveram filhos e destes nascemos nós. Perguntei na altura como é que nasceram os filhos dos irmãos? Faziam filhos entre si? Os irtmãos faziam filhos com a Eva? As irmãs com o pai Adão? E quando chegámos a Noé e àquela pouca vergonha das filhas terem feito o que fizeram com o pai, bêbado? E podia alongar-me noutras coisitas bíblicas. Agora pergunto, parece que continua tudo na mesma, as pinturas, as esculturas, as historietas da Bíblia não foram reformuladas, etc., etc. E não traumatizam ninguém ao que me parece. Presumo que tudo depende mais do professor.
Um abraço amigo

Bartolomeu disse...

Caríssimo Senhor Professor Massano Cardoso, a amizade, o respeito e admiração que nutro pela sua Pessoa, são intocáveis!
Esta troca de opiniões, exprime pela minha parte, a convicção que uma estátua que encerra em si uma história, mesmo que mítica, de contornos antinaturais, é preferível que não esteja exposta num local de passagem de pessoas que não possuirão formação suficiente para a entender em toda a sua plenitude. A menos que a edilidade ou o ministério da cultura, coloquem junto à mesma, informações que tornem esse entendimento acessível a todos. O que, em minha opinião deveria ser tomado em consideração, relativamente a todos os monumentos que se encontram expostos em espaço públicos.
Aflige-me por exemplo, constatar por vezes, que os habitantes de pequenas localidades, desconhecem por completo a origem de figuras que fazem parte do local e de qual a história a que estão ligadas.
Deixe-me ainda realçar, por favor, o gosto que é para mim e o grato que lhe fico, por ter a possibilidade de trocar opiniões com a sua Pessoa, caro Professor. Coisa rara, por isso mais valiosa ainda.
;)

Suzana Toscano disse...

Provavelmente os governantes partem do princípio de que ninguém liga às estátuas, estão ali essas como podiam estar outras quaisquer que dê jeito tirar do armazém. Não contam com os que, como o caro Massano Cardoso, goste de as apreciar, de lhes saber o sentido e a simbologia e que, ainda por cima, as fixe como referência na beleza de um lugar. É pena, porque com isso tudo se torna lugar de passagem, em vez de lugar de pertença, mas hoje é tudo mais ou menos descartável, mesmo quando o peso do bronze torna difícil a deslocação.

jotaC disse...

É como a Dra. Suzana diz...
Lembro-me da estátua (vivi alguns anos no Porto), e lembro-me muito bem do texto a que o caro Professor Massano Cardoso se reporta.

JotaC disse...

Caro Professor Doutor Massano Cardoso:
Tomei a liberdade de replicar no facebook este seu post (como aliás poderá confirmar, visto estarmos no mesmo como amigos), na esperança de que os meus amigos do norte, alguns ligados a estas coisas, se interessem também por um património que lhes pertence em primeira mão. Conto que não leve a mal a minha ousadia...

Massano Cardoso disse...

Miguel

Antes pelo contrário. Eu é que lhe agradeço a atenção e espero que alguém do Norte me diga onde colocaram a estátua.

JotaC disse...

Caro Professor Massano Cardoso:

Sobre o "rapto" da estátua transmito a V. Exa. a informação que a Dra. Carla Valente De Almeida (ex-vereadora da Câmara Municipal de Cascais, advogada com escritório sito em Cascais) teve a gentileza de me facultar, assim:

OBRA: Rapto de Ganimedes ID: 66
AUTOR: António Fernandes de Sá
LOCAL: Jardim da Cordoaria (voltado à Cadeia da Relação)
ÉPOCA: 1898-1916
INAUGURAÇÃO:
PROPRIEDADE: Municipal
DESCRIÇÃO: Grupo escultórico realizado em Paris em 1898 pelo escultor António Fernandes de Sá enquanto Bolseiro do Estado. O original, em gesso, foi premiado com atribuição de medalhas na Exposição Universal de Paris de 1900 e na Exposição da Sociedade de Belas Artes de Lisboa, em 1902. Em 1916, o grupo escultórico, já ampliado em bronze, foi implantado no jardim público de Teófilo Braga.
O conjunto narra um episódio célebre da mitologia grega: Zeus, disfarçado de águia, rapta o príncipe troiano Ganimedes para o Olimpo.
Em Janeiro de 2011 mudou para o jardim da Cordoaria para dar lugar à estátua da República.
Melhores cumprimentos
Miguel Cardoso

Bartolomeu disse...

Caro Miguel, afinal, foi feita justiça!

Massano Cardoso disse...

Obrigado, Miguel.

Da próxima vez vou ao jardim da Cordoaria.