- Portugal será apoiado financeiramente em EUR 78 mil milhões (45% do PIB) até ao início de 2014 (3 anos), destinando-se EUR 66 mil milhões às necessidades do Estado (refinanciamento da dívida e novos défices) e das empresas públicas, e EUR 12 milhões ao sector financeiro (a serem usados caso os bancos não consigam cumprir sozinhos os novos e mais elevados rácios de capital), em troca da concretização de um exigente conjunto de medidas que visam reduzir o endividamento público e reformar estruturalmente a nossa economia.
- O cenário macroeconómico subjacente é bastante realista: prevê-se que Portugal registe recessões em 2011 e 2012, com decréscimos reais da actividade próximos de 2%; só em 2013 o crescimento deverá regressar, e apenas marginalmente. O desemprego subirá nos próximos dois anos, aproximando-se de uns históricos 13% da população activa, correspondentes a mais de 700 mil indivíduos (!)… Antes, o cenário era bastante mais brando – e, pasme-se!, com uma descida mais rápida prevista para o défice público (depois de terem sido descobertos vários “esqueletos no armário” que elevaram o défice de 2010 para 9.1% do PIB, os objectivos para os défices de 2011, 2012 e 2013 foram fixados em 5.9%, 4.5% e 3% do PIB, contra os anteriores 4.6%, 3% e 2%). Uma total falta de credibilidade e realismo.
- Podendo parecer pouco este ganho de um ano na consolidação orçamental, ele é, na verdade, fundamental, não só para não afundar mais a economia, como para conferir credibilidade ao programa perante os credores. Portugal beneficia, assim, dos erros cometidos nos Programas desenhados para a Grécia e a Irlanda, demasiado agrestes e que tiveram já que ser objecto de revisão (várias revisões no caso grego). Sorte a nossa, termos sido terceiros a ser intervencionados: foram outras as cobaias.
- As novas medidas orçamentais, com efeito em 2012 e 2013, terão um impacto total de 5.1% do PIB: 3.1% (cerca de 60% do total) de redução da despesa e 2% (quase 40% do total) de aumento da receita (1).
- Apesar de tudo, teria preferido uma maior contribuição da despesa do que a existente, porque estamos em presença, mais uma vez, de um aumento não despiciendo da carga fiscal: IRS, IRC, IVA, IMI, Imposto sobre veículos e tabaco, entre outros, todos aumentarão de uma forma ou de outra, penalizando brutalmente a economia. Positivo: existe margem de manobra suficiente para proceder a uma “desvalorização orçamental” (fiscal devaluation), isto é, baixar a taxa social única paga pelas empresas (reduzir custos do factor trabalho num país que não tem moeda própria) o que, dada a conjuntura, tornará o nosso tecido empresarial mais competitivo.
- Seria, contudo, injusto, não referir as assinaláveis intenções de redução da despesa, com o esforço a ser repartido por todas as áreas das Administrações Públicas: no número de trabalhadores (Administração Central, Regional e Local); na Saúde, na Educação e na Defesa; nos benefícios sociais de natureza não contributiva (Engº. Sócrates: o que é tudo isto senão o fim do “Estado Social” tal e qual o conhecemos?!...); no Sector Empresarial do Estado e outras entidades públicas (como institutos, por exemplo); nas Autarquias (também pela reorganização do mapa autárquico, através da “redução substancial do número de municípios e freguesias”) e Regiões Autónomas, nas despesas de capital (incluindo a reavaliação das PPP existentes e a suspensão de novos projectos desta natureza mas, surpreendentemente, sem referências à suspensão do projecto de alta velocidade Lisboa-Madrid – porquê?...). A aceleração do programa de privatizações permitirá reduzir a dívida pública e contribuirá para tornar o Estado menos tentacular – o que também será sentido nos menores subsídios às energias renováveis, em menos incentivos à aquisição de casa própria, no fim de uma política muito voltada para construção, obras públicas e PPP.
- Em termos estruturais, uma vez aplicado este Programa, Portugal pouco terá a ver com o País de agora. No mercado do trabalho, no arrendamento, na justiça, na educação, no aprofundamento da concorrência… Só lamento que o sistema fiscal, que também precisa de uma volta de alto a baixo para potenciar a competitividade (como há mais de 10 anos venho defendendo), tenha ficado de fora. Mas, enfim, quem sabe se, no futuro...
- Tudo isto é mais, muito mais, e bem mais detalhado, quer em termos orçamentais, quer estruturais, do que constava no chamado (e famigerado) “PEC 4” – provando a justeza da sua reprovação no Parlamento. Quem sairá a ganhar?... A economia – e, portanto, todos nós – que, tornando-se menos subsídio-dependente, mais flexível e mais eficiente, será, certamente, mais competitiva, atrairá mais investimento e criará mais riqueza. Que poderá, então, ser redistribuída de forma mais equitativa e justa.
- Como reconhecido pelos responsáveis da missão internacional, tivesse Portugal requerido ajuda externa há mais tempo, e o programa de ajustamento não seria tão severo. Agora, porém, de nada adiantam lamentações. Essencial é, sim, depois de realizadas eleições legislativas em 5 de Junho próximo, aplicar este Programa – e não fazer como aconteceu nos últimos anos em que, as execuções fracassaram rotundamente face às intenções anunciadas. Levando-nos à conclusão que terão que ser outros os protagonistas internos para que a concretização não torne a fracassar – o que, definitivamente, não pode voltar a acontecer.
- Desejo, pois, que esta tenha sido a última vez em que foi dada razão ao célebre e antigo – mas sempre tão actual – dito dos Romanos que, durante a sua estadia na Península Ibérica terão qualificado os Lusitanos como “um povo que não se governa nem se deixa governar”.
(1) A contribuição especial que levará à diminuição das pensões de reforma acima de EUR 1500 por mês é, evidentemente, uma medida que deve ser contabilizada do lado da receita porque, efectivamente, o valor das pensões pagas será o mesmo (não há redução da despesa) – a retenção na fonte para o Estado é que será maior, levando a que o montante líquido a receber pelos pensionistas seja inferior. No entanto, quando esta contribuição especial deixar de ser aplicada, o valor líquido a receber voltará a crescer – o que não se passará com os salários da função pública superiores a EUR 1500 por mês que foram, esses sim, cortados efectivamente e estão a contribuir, já em 2011, para uma redução da despesa pública.
NOTA: Este texto foi publicado no Jornal de Negócios em Maio 10, 2011.
5 comentários:
Caro MF,
Depois de ler o seu Post concluí que a solução é mesmo mudar de país.
O plano vai fracassar, tal como já fracassou nos outros lados, porque os princípios estão errados.
Que grande desilusão Dr. MF, vindo de outros tudo bem, agora vindo de si? É de facto um choque e não é fiscal, porque esse aparentemente está muito longe.
Caro Anthrax,
Não sei como conseguiu retirar essa ideia!...
O meu propósito era exactamente o de concluir quer não podemos voltar a falhar - e que, com outros protagonistas (que não os de agora), não falharemos por certo!... Longe de mim querer passar a ideia que teremos que mudar de país...
Miguelito, desculpe o atrevimento de o tratar assim, mas eu costumo gostar muito das suas ideias e na maioria das vezes partilho das suas opiniões, no entanto parece-me que sobre a implementação do MOA, temos ideias diferentes.
Eu não percebo nada da sua área e quando começo a perceber antes preferia ter ficado na ignorância, o problema é a curiosidade... que me mata.
A vantagem: tenho aqui ao meu lado, a buzinar-me à orelhas, uma pessoa que o conhece e que me diz como devo rebater os seus argumentos. Só que como eu não sou um papagaio, quero perceber tudinho antes de falar e então procuro.
Caro MF, ultrapassando o facto de que se está a colocar a jeito para "levar pancada", sabe tão bem como eu que nem a redução da TSU, nem as exportações são aquilo que vai levar ao relançamento da economia. Não há competitividade económica sem competitividade fiscal.
Aumentar as exportações para melhorar a economia é um mito, olhe para o caso da GALP, o maior exportador nacional que é também o maior importador nacional. Lembre-se da Quimonda, que fechou de um dia para o outro. Olhe para a Auto-europa, cuja incorporação nacional devia ser, actualmente, de 55% e é de quanto? 5%, 7%?
Vão reduzir a TSU para quê, exactamente? Qualquer resultado que pudesse ser alcançado através de uma medida dessas é completamente anulada pelo aumento dos outros impostos. O que é que vão fazer com os pagamentos por conta e com os pagamentos especiais por conta?
Enfim, fiquei mesmo desapontaducha consigo hoje...
Anthrax,
MOA = Memorands of Anderstandings?
Inglês Técnico!!!!!!
(nota: I Agree!)
MOA = Memorandum Of Agreement
Soa sempre melhor do que MOU e também mói :D... bastante.
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