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terça-feira, 11 de outubro de 2005

Baralhar e voltar a dar

O Diário Económico de hoje anuncia a entrada em funções de mais uma Comissão no âmbito da Administração Pública, desta vez para rever o sistema de carreiras. O grupo de oito(!) especialistas propõe-se , até ao fim do ano, “fazer uma avaliação das distorções que o actual sistema cria nos serviços” e “desenvolver os objectivos a que o novo regime se deverá subordinar”.
O anúncio não deveria suscitar mais do que uma grande expectativa sobre o modo como o Governo se propões reorganizar o mais ou menos caótico sistema de carreiras, largamente adulterado pelos Governos Socialistas, sempre pródigos em criar regimes especiais, remunerações acessórias, bonificações de pensões, etc., deixando sempre uma porta aberta para novas reivindicações.
Basta ler os preâmbulos dos inúmeros diplomas que ao longo dos anos foram sendo aprovados para se ver como se justificaram então os regimes de “privilégio” que hoje são apontados a dedo.
O problema é que se confundem, com este pretexto, dois temas completamente distintos.
Um, o da avaliação de desempenho, agora adiado para 2007, que foi devidamente preparado, discutido, aprovado, regulamentado, divulgado e objecto de inúmeras acções de formação, pelo que deveria estar já em pleno funcionamento. Inteiramente aplicável quer às progressões – agora congeladas – quer às promoções, não se vislumbra razão para suspender esta importante mudança progressiva de cultura na Administração Pública, a pretexto de novas carreiras.
O outro tema, o das carreiras, dificilmente conduzirá à redução de remunerações ou à eliminação de perspectivas de desenvolvimento profissional que hoje estão em vigor. E, sobretudo, nunca será um processo rápido. Por isso, não se compreende esta associação, agravada por se meter no mesmo compasso de espera a política de mobilidade. Se não se pode fazer tudo, nada se faz!
Já era tempo de nos deixarmos de usar este método de baralhar e voltar a dar, embrulhando as questões difíceis em processos ainda mais complicados de modo a que tudo fique a aguardar pela grande revolução.
O mais certo é que, com isto tudo, o sistema de avaliação passe à história como mais uma tentativa frustrada, penalizando todos os que acreditaram que era possível começar a fazer diferente.
Baralhar e voltar a dar é sempre um retrocesso, sobretudo se, como se teme, acabar por se ficar só no baralhar…

8 comentários:

Anónimo disse...

Oportuna esta nota em domínio no qual a Suzana é voz particularmente autorizada.
Atrevo-me, todavia, a meter a colher. Julgo alinhar pela maioria quando penso que a reforma da administração pública (em sentido orgânico e funcional) é indispensável para se criarem outras condições de desenvolvimento do País. Se há uns tempos era céptico, hoje sou militantemente avesso ao método até agora utilizado pelos sucessivos governos para promover essa reforma.
Não sei se alguém já as contou, mas desde pelo menos 20 anos a esta parte quantas comissões e grupos de trabalho para reformar a administração já tivémos? Quanta legislação foi produzida sobre função e funcionalismo públicos? (olho aqui para a prateleira da esquerda e vejo pelo menos três colectâneas, não muito antigas, mas totalmente ultrapassadas, de direito da função pública...).
A instabilidade e a complexidade legislativa a roçar o caos, resultantes de opções meramente conjunturais, de imediato defenestradas pelo governo que se segue, são responsáveis por inúmeros bloqueios mas sobretudo por este sentimento geral de que as alterações empreendidas num determinado momento não são verdadeiramente para aplicar pois não vingarão por muito tempo. Ouvi, por exemplo, este comentário a gente colocada em lugares de topo da AP logo após a publicação do diploma sobre os novos critérios de avaliação do desempenho que a Suzana muito bem conhece.
Neste caso creio que só há, em meu entender, uma via para proceder a reformas que não sejam meros paliativos ou que contribuam para acentuar o sentimento de descrédito geral. Essa é a via do chamado "pacto de regime" ou, de forma mais prosaica, do entendimento entre os principais partidos do arco democrático pelo menos quanto aos princípios gerais da reforma da Administração Pública, designadamente no que se refere ao estatuto dos trabalhadores. Enquanto se chamar REFORMA a meras benfeitorias, normalmente sumptuárias, em alguma legislação (por muito importante que seja, como é o caso das normas sobre carreiras na função pública), sobrará sempre este sentimento de precaridade.
Devo aliás dizer que, em minha opinião, o que vale para reforma da função pública, vale do mesmo modo para a reestruturação das finanças públicas ou para a revolução (aqui deixei de ser reformista) reclamada na Justiça. Se não existirem amplos consensos, nem mesmo as circunstanciais maiorias absolutas criarão condições de aceitação social e política ou acrescentarão permanência, estabilidade e durabilidade ao quadro normativo.
Desconfio, porém, que a nossa democracia partidária ainda não amadureceu ao ponto de permitir sem grandes dramas a transformação das salutares diferenças em proveitosos consensos.
Quando lá chegarmos, oxalá ainda valha a pena...

O Reformista disse...

Lembram-se da "Fábula dos Porcos Assados" que publiquei no meu blog aqui há uns dias?

António Alvim

Tonibler disse...

Quando não se quer resolver nada, forma-se uma comissão.

Suzana Toscano disse...

Caros amigos, a Fábula dos Porcos Assados que o Reformista publicou é genial mas também é dramático porque só é caricatura nos nomes (e mesmo assim...).No resto, é o vivo retrato do que temos assistido ao longo dos 20 anos de que fala o Ferreira d'Almeida. E, no entanto, seria mais fácil do que parece fazer alguns progressos, há inúmeras experiências bem sucedidas noutros países, o que acontece é que não temos vontade nenhuma de avançar para não desagradar aos que sempre acham que se devia ter feito de maneira diferente. E, caro Pinho Cardão, aqui não seria preciso pacto nenhum, bastava que houvesse sentido de responsabilidade dos Governos (não excluo o de Santana Lopes)e, por uma vez, deixarem de optar pelos "instantâneos" da política e passarem ao trabalho de fundo. O que mais me indigna é que não há grandes variações sobre o que é preciso fazer, há até um grande consenso teórico, por isso é que o assunto se mantém no top da agenda mas todo embrulhado em grandes problemas para justificar a demora, quando o que se devia era ir resolvendo por partes.Se se quisesse resolver alguma coisa, e este é o pacto que falta.
Ainda assim, continuo a acreditar REALMENTE que é possível melhorar, e muito.

O Reformista disse...

Cara Suzana

Permita-me que discorde sobre o consenso teórico sobre as soluções. No Reformista desenvolve-se a ideia e lá encontra outra fábula que ilustra os resultados dos estudos de uma comissão.Espero que goste tanto como da primeira embora esta seja mais conhecida.

Suzana Toscano disse...

Caro Reformista, apesar de já conhecer muito bem a história do remador (recebi-a várias vezes quando "tinha" esta área...)´foi muito interessante a visita ao seu blog. Mas permita-me que lhe diga que não encontrei nenhuma discordância teórica sobre as soluções para a Adminst. Púb. O que encontrei foi óptimas e bem articuladas ideias sobre a redução do peso do Estado na área da saúde e da educção, a merecer um desenvolvimento já a pensar na sua concretização. Mas uma coisa é pensar no que o Estado deve ou não fazer e outra, bem diferente, é garantir que o que faz, muito ou pouco, faz bem e de um modo racional e eficiente.São dois planos muito distintos que não se devem "empatar", embora se cruzem muitas vezes na sua execução. Além disso, há o plano ideológico, no qual se situa a defesa de um Estado mínimo, máximo, ou "médio", por princípio, e não por razões de poupança ou de conjuntura. Os serviços podem funcionar bem, ser mesmo exemplares, e ainda assim faz sentido discutir se deve ou não ser o Estado a garantir esses serviços ao cidadão. O que me parece errado é que se desista de pôr os serviços a funcionar como devem e, por causa dessa inépcia, decidir-se pela privatização. É um mau argumento e não fortelece opções definitivas, antes leva a este vai-vém com as mudanças de Governo em que ninguém percebe o que se vai extinguir, privatizar, e porquê...

O Reformista disse...

Concordo consigo em que não se deve deixar de trabalhar para modernizar a função pública e melhorar os serviços públicos embora me pareça uma tarefa impossível enquanto ela não for muito rezuzida. Reduzida às funções que devem ser sempre prestadas pelo Estado Central: Defesa, Segurança, Negócios Estrangeiros, Finanças, Saúde Pública,Justiça ( e esta se calhar nem toda), e à máquina administrativa dos vários Ministérios. Gerir todo o Universo actual com as mesmas regras é impossível.

Mas para se conseguir isto é necessário um tempo prévio de luta ideológica (e este o sentido das minhas intervenções)e que quando um partido que assuma estas questões chegue ao Governo o faça com a matéria bem estudada, pronto para aplicar. A questão da dimensão do Estado é ideológica mas não é abstracta. Quem como eu defende os Estado Prestador Minímo fá-lo porque entende que a iniciativa privada, em sistemas competitivos, tem uma muito maior capacidade de resposta e de eficiência. E que é possível compatibilizar isto com uma política social que acabe por sair mais barata ao contribuinte.

O grande risco é quando se chega ao poder logo começam as nomeações políticas e a nova máquina instalada volta a confundir o interesse público com o interesse das ("suas")instituições públicas.

Finalmente é preciso não confundir privatização com a entrega de monopólios a grupos económicos. Esta foi uma das dúvidas que ficou sempre a pairar sobre o Ministro da Saúde anterior, que saindo do único grupo económico com itervenção na saúde a ele voltou assim que acabou o mandato.

Suzana Toscano disse...

Caro Reformista, uma vez mais estamos de acordo, a política que cada Partido se propõe seguir nesta matéria deve constar claramente do seu programa eleitoral e, para isso, deve ser devidamente preparada com tempo.Foi o que se fez com os sectores da comunicação social e com os das empresas públicas que foram sendo privatizadas. Também se fez o mesmo com os notários e com a exclusão de alguns tipos de processos do sistema judicial. Podia fazer-se o mesmo com inúmeros casos, como refere, alguns já identificados. Mas, como diz muito bem, é preciso que o Estado deixe de ser olhado como um sector instrumental em vez de ser um sector estratégico para o desenvolvimento do País. São frases muito gastas, mas às vezes são as melhores para nos exprimirmos.
E esta é sem dúvida uma excelente discussão.