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sábado, 22 de outubro de 2005

Somos todos “burros”

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A publicação dos “rankings” das escolas com ensino secundário não assumiu este ano a mesma projecção pública e o nível de polémica que em anos anteriores. Julgo que, de ano para ano, estas publicações vão-se ajustando à real importância que têm para a vida das escolas, das famílias e do cidadão comum, passando a ser mais uma informação sobre a realidade diversificada das nossas escolas. Pretender que este instrumento seja a melhor forma de avaliar as escolas portuguesas, será ilusão, pois nunca o será. Mas passar daí para a sua condenação quase absoluta vai uma distância incomensurável.

Não vou aqui analisar os resultados agora publicados (talvez numa outra nota), mas não resisto a comentar alguns comentários hoje divulgados.

Em primeiro lugar, o editorial de José Manuel Fernandes no Destacável do Publico. Subscrevo-o no fundamental.

No mesmo destacável podemos ler uma entrevista do historiador da educação, Ramos do Ó: discurso “eduquês” puro e duro. Ramos do Ó ainda é daqueles que entende a educação como uma forma de eliminar as diferenças sociais, uma espécie de engenharia social para atingir a sociedade sem classes. Vale o que vale, não surpreende.

O terceiro exemplo vem publicado no DN e trata-se da “opinião” de Joaquim Azevedo (JA), antigo Secretário de Estado da Educação e actual coordenador do Gabinete de Estudos do PSD para a educação: “É com muita pena que vejo estes rankings unidimensionais continuarem a ser publicitados sob o apadrinhamento do Ministério da Educação (ME). Estes rankings são uma prova de falta de inteligência…”.

Confesso que me senti “burro”, nomeadamente pelos muitos anos de luta, em nome do PSD, para que os cidadãos tivessem acesso à informação da administração educativa sobre os exames. Como os “burros” também têm memória, lembrei-me de um velho artigo de Augusto Santos Silva (ASS), Ministro dos Assuntos Parlamentares e ex-Ministro da Educação que se recusou a divulgar a referida informação, de que reproduzo um excerto: “Não entreguei então aos jornais as classificações escola a escola, nem relativos às provas de aferição, nem relativos aos exames, porque era e sou contrário à elaboração de rankings unidimensionais”.

É interessante notar a convergência de pontos de vista entre aqueles antigos governantes. Mas enquanto ASS calou-se muito bem calado e não voltou a falar neste assunto, JA decidiu corroborar a posição do seu vizinho portuense, recuperando-a para a actualidade.

Será que vai ser esta a posição do PSD? Será que no futuro todos seremos “burros” porque não sabemos interpretar uma lista ordenada de classificações de exames e de escolas? Será que os “burros” vão deixar de ter acesso à informação e aos estudos da administração pública?

5 comentários:

Tonibler disse...

Caro djustino,

Não há outro ranking possível. Os alunos não tiveram outras notas, tiveram aquelas. São os factos, puros e duros.
E o objectivo é fazer daquelas notas melhores, não é arranjar atenuantes ou desculpas para elas.
Claro que quando os objectivos são outros os números deixam de ter significado..

crack disse...

Professor Justino
Não pude deixar de registar o seu subtil sentido de humor e de ironia, relembrando, sem o mencionar, o burro Justino com que tanto o pressionaram as gentes do Poceirão, bem espicaçadas e acolitadas por alguns influentes da área política que agora se encontra no governo. Mas, adiante.
Um outro aspecto que me chamou a atenção é a referência que faz a uma aproximação do pensamento do PS e PSD, sobre os rankings e não só. Eu iria mesmo mais longe: até parece que, no que toca à educação, o PS está a recuperar as propostas e a linha de actuação do PSD, fazendo diferente pelo savoir faire publicitário e alguma cosmética,usada só para agradar aos "adeptos". Também neste capítulo, o que anda o PSD a fazer?

BigX disse...

Niguém pode nem deve recear uma avaliação, ainda mais quando esta é clara, simples e concisa quanto ao seu objecto e objectivo. Quanto aos críticos a esta e a outras possíveis avaliações no serviço público, acho que só há uma resposta a dar: criar mais e cada vez mais rankings, em todos os serviços públicos, para que, perante tal avalanche de material passível de crítica, essas vozes se diluam perante as evidências que serão, com toda a certeza, postas a nu.
Assim haja coragem política.

paulo pisco disse...

Caro Professor David Justino,

Também vejo com bastante surpresa esta reacção de alguém com tão altas responsabilidades no PSD. Que exista toda a espécie de gente dentro do PSD é compreensível, mas que se assuma uma posição tão ziguezagueante em relação a uma matéria como esta, penso ser um erro. A questão não é só chamar “burro” a muita gente, é não entender a enorme importância que este pequeno grande passo permitiu na mudança de atitude na sociedade e nas próprias escolas relativamente aquilo que podemos genericamente chamar “a importância de conhecer indicadores de desempenho”. Neste caso na educação, mas que devia ser estendido a toda a administração pública.
Eu próprio só pude realizar a minha tese de mestrado – onde pretendo perceber a relação que as escolas secundárias públicas têm com a sua envolvente urbana e como estas duas realidades se interrelacionam, nas capitais de distrito (que espero defender brevemente) – pela disponibilidade de dados promovida pelo Ministério, quer através da divulgação das notas de exames quer dos dados complementares no seu site “roteiro das escolas secundárias”, quer ainda pela disponibilização de dados pelo GIASE. Esta foi uma das boas heranças deixadas pelo PSD na educação, era bom não a deixar destruir.

P.s. Já agora, estive no lançamento do seu livro “No silêncio somos todos iguais” que li atentamente e que logo na altura escrevi e que pode ler-se em http://memoriasdeadriano.blogspot.com/2005/01/rankings-escolares-1.html#comments

David Justino disse...

Meus caros comentadores,
quero, antes de mais, agradecer os vossos contributos sobre o tema em apreço. Há neles muitas "dicas" que mereciam reflexão mais aturada, à excepção do "burro do Poceirão" que, passados estes anos, até me faz sorrir complacentemente.
As listas ordenadas das escolas não são um instrumento isolado de avaliação do desempenho. Todos nós sabemos isso! Mas introduziram uma outra lógica na relação entre as escolas e a sociedade: os resultados contam! Uma das lacunas do nosso sistema de ensino é a inexistência de uma avaliação sistemática desses resultados. Mais, não há uma cultura de prestação de contas em função dos desempenhos de cada um.
O argumento dos opositores baseia-se sempre nos "factores sociais" e na necessidade de se cruzarem estes resultados com variáveis de identificação de status dos alunos.
Tudo assenta na ideia de que esses resultados são determinados por factores sociais. Esta ideia é falsa!
Uma coisa é a existência de uma ssociação estatística entre desempenhos escolares e níveis sociais, outra coisa é transformar uma relação estatística numa relação determinística, ou, mais grave ainda, confundir a estatística com a realidade. Daí a eterna referência à distinção entre as escolas de élite e as escolas dos pobres e excluídos. A grande diferença entre as "boas" e as "más" escolas está no poder de capacitar os alunos para trabalhar, lutar por objectivos, serem ambiciosos nos seus projectos de vida e concretizarem as suas aspirações.
Com esta "lenga lenga social" vitimizam-se e desculpabilizam-se os miúdos que mais precisam de ser motivados e mobilizados para superar as eventuais limitações sociais. Esse é um dos principais males do nosso ensino.
Nestas alturas aparece sempre esse tipo de discurso, só é pena que o vejamos em pessoas que não se conseguem libertar de complexos e grilhões ideológicos consolidados pelo "mainstream".
Sobre a "adopção" de políticas, não me acabe a mim tirar essas conclusões. Mas devo alertar para o facto de existirem um conjunto de problemas na educação cujas soluções não podem diferir muito de Governo para Governo. Poderá não haver vontade de os resolver, mas se ela existir (como parece existir com a actual equipa do ME) as alternativas não são muitas.
Uma última nota para o Paulo Pisco. Agradeço a invocação do "livrinho". Para mim foi um esforço importante de reflexão sobre este tipo de problemas e fico contente por saber que irá apresentar uma dissertação de mestrado sobre estes temas. Fico à sua disposição para o que precisar e muito curioso sobre a sua abordagem. Felicidades.
Votos de continuação de bom fim de semana.