A primeira nota publicada no 4R com o mesmo título transformou-se num autêntico forum em que o debate sobre o papel social dos professores e a sua actual situação profissional revela bem os sinais que não deveremos ignorar.
Seria positivo que os responsáveis do ME, bem como os dirigentes dos principais sindicatos, não ignorassem a elevação e o bom senso que presidem a algumas manifestações de professores, distinguindo-as das correntes expressões corporativas que tendem a enquinar a abordagem destes problemas.
Não creio que estes professores se queiram subtrair à responsabilidade cívica que a situação financeira do Estado exige, nem ao empenho profissional que a nossa Educação necessita.
Há que ouvir e ler com atenção e sem preconceitos.
15 comentários:
Uma vez que fui eu o ignorante e obtuso que gerou tamanha discussão, vou lançar mais umas questões:
Ministério da Educação: É, ainda, a educação assunto para o Ministério da Educação? A verdadeira economia paralela gerada pelo ME que usa alguns milhares de trabalhadores precários com o único objectivo de despejar um professor sobre cada vinte e poucos alunos não chega para questionar a sua existência? Terraplanar a ‘5 de Outubro’ não é hipótese porquê?
Professores desterrados: A justificação da sua existência está embutida na questão anterior. Mas do ponto de vista pessoal, de cada um, o que justifica tal situação? Do ponto de vista do cidadão, para que é que quero eu um professor, ou qualquer trabalhador, cujo objectivo na vida é fugir dali para fora?
Gestão: Porque carga d'água se tem que gerir um sistema nacional de professores em vez de se gerir uma rede de escolas? A equidade dos professores é mais importante que a qualidade das escolas?
PS: Todas estas minhas questões são irrelevantes se, como estão as coisas, aparecerem resultados. E resultados são médias de 16, não são médias de 11, nos exames nacionais.
Sobre a Educação e o pensamento - como que uma reflexão:
Tudo começa na nossa mente e os pensamentos de antigamente não são os de hoje. Hoje o pensamento está acelerado, há estímulos demais! Os alunos estão ansiosos, inquietos, agitados, alienados, não se concentram e não têm prazer em aprender. Pergunta-se de quem é a culpa: dos alunos, dos pais, dos professores? Há um excesso de informação que chega aos alunos que antigamente não existia. Daí sentirmos, pelo menos quem dá aulas há mais de 10 anos, que o palco das mentes dos jovens de hoje é diferente dos jovens do passado. Também a velocidade e a qualidade do pensamento mudaram. A televisão poderá ser uma das maiores causadoras do pensamento acelerado, do excesso de estímulos, do excesso de informação (bons ou maus), fazendo adquirir dependência de novos estímulos. Os professores e até os pais, têm de responder a esses estímulos, ou a desmotivação instala-se no jovem e a mente não tranquiliza. O excesso de pensamentos desgasta a mente, as crianças não conseguem gerir tamanha torrente. Por sua vez, os professores e até os pais, estão duas vezes mais desgastados. É preciso conhecer a alma humana para descobrir as ferramentas pedagógicas adequadas. É uma questão de sobrevivência, pois, alunos, pais e professores não terão mais qualidade de vida. Não é uma questão de salários, do valor do mercado do petróleo, da gestão financeira do país, é a inteligência a falir. Ninguém é culpado e todos somos culpados! É o excesso de consumismo, de estética, porque tudo serve para aliviar o "stress". O nosso "mergulho" terá de ser bem mais profundo, bem dentro da alma do ser humano, para resolvermos problemas que dificultam a interiorização do processo "ensino-aprendizagem". Adianta parar e reflectir, mergulhando no silêncio da mente para que os pensamentos não fiquem cristalizados. Para confrontar a mediocridade é necessário pensar claramente. Quem sabe se estimulando a reflexão nos jovens, poderemos fazer ressuscitar a inteligência e a vontade de aprender!?
O caso é grave, tão grave que tantos educadores aqui expressam as suas opiniões, boas ou más, à procura de respostas, por um amor comum - o das crianças deste país. Muito obrigada por "ouvirem" a minha reflexão.
Lu33, gostei muito da sua reflexão e do modo sentido como se expressou, mas permita-me que discorde do seu ponto de vista. É verdade que o contexto é o que referiu, que tudo mudou tão depressa e tanto que os professores se sentem impotentes para captar a mente dos seus alunos ou para os conduzir em modelos de apredizagem que se tinham como definitivos. Mas isso aconteceu em todas as profissões - os médicos e a incrível especialização, o recurso a tecnologias sofisticadas nas empresas, a necessidade de recorrer cada vez mais à partilha de informação e a complementaridade de esforços na engenharia,ao alargamento de espaços de acção na política, às exigências da comunicação social, etc, etc. Todos os sectores tiveram e têm que se confrontar com essas mudanças e os que ficam parados a gritar incompreensão não ganham nada com isso. Um bom professor faz os bons alunos, sempre foi assim, o problema é que façam esse esforço para chegar até eles do modo que hoje é exigido pelo acesso que eles têm a outros mundos e outros estímulos.Ser professor é uma profissão muito exigente, que eu muito admiro e respeito, não saberia certamente desempenhar essa função tal como eu a desejei para as minhas filhas, mas que é possível, é, e há muitos exemplos disso, mesmo no contexto difícil da modernidade.
Bôa noite cáro djustino!
Eu não perssebo muinto de iducassão mas çó cria diser que o tal post ficou uma grande caldeirada. E como o têma paresse que dá audiensia ao blógue, apruveito pra referir que o toni é meu camarada lá no blogue e que podein continuar a discussão lá, que ele tambéin já lá colocou um post.
está em tonibler.blogspot.com
Nóta: pésso desculpa plo português. Estudei no ensino publico...
Cara Suzana Toscano:
Concordo com o seu ponto de vista, hoje os professores terão de ser "incomuns", prontos a receberem os "sinais de educação" que os alunos tão obviamente mostram, porque já não se adequam aos modelos que eles necessitam. Confesso que me sinto muitas vezes impotente e confusa para ultrapassar o modelo já gasto que ainda é usado nas nossas escolas. Eu acredito que ninguém mais vai ficar parado, "a mudança" a todos os níveis já vai sendo uma constante, de contrário não se assistia a tanto frenesim à nossa volta. Todos devemos levar a sério o nosso compromisso para a construção de um mundo melhor!
Para cmonteiro:
Vale a pena duplicar estas aplicações:
- Nunca use de mau português para "fazer pouco das pessoas".
- Nunca vá buscar indicações na multidão e muito menos nas "caldeiradas da sua ignorância".
- Nunca pense que as suas escolhas obrigam outra pessoa a pensar como o senhor.
- Nunca vá embora porque alguém não tem a sua visão.
Esse comentário, sr. cmonteiro, que escreveu ao Prof. djustino, mostra claramente que o sr. não vive acima da mediocridade. Quando as pessoas se sentem inseguras atacam os outros usando de subterfúgios.
Da minha parte, peço-lhe imensa desculpa se ofendi "o seu compromisso com a excelência."
Ai cim?
Eu ás vezes tróco umas ideias com o Prof.djustino e agora çó estava a convidar para irem lá a casa, não vale a pena ficar de mau umor!
A propósito do primeiro comentário de lu33, lembrei-me de um velho escrito de Stuart Mill, publicado em 1836, e de um pequeno excerto que transcrevo:
"This is a reading age; and precisely because it is so reading an age, any book which is the result of profound meditation is, perhaps, less likely to be duly and profitably read than at a former period. The world reads too much and too quickly to read well."
O problema não é novo. À semelhança do século passado o vórtice da mudança tende a fazer ruir os paradigmas culturais e educativos. Actualmente o problema coloca-se não só pela quantidade da informação que nos chega e a que temos acesso, mas, acima de tudo, pela efemeridade dessa informação. Vivemos numa época de rápida obsolescência do adquirido. Com uma agravante: Portugal que só muito tardiamente entrou na "civilização da escrita e da leitura" (lembre-se as elevadas taxas de analfabetismo e os baixos índices de leitura), ainda não consolidado esse esforço já entrava no multimédia, no regresso à oralidade e ao primado da imagem.
A escola ( e os professores ) não foram formados para este modelo de sociedade e perante esse vórtice sentem-se desorientados. Uns ainda tentam acompanhar essa mudança iludindo-se sobre a capacidade da instituição escolar de se adaptar aos novos tempos. Geralmente acabam por ser trucidados nesse esforço.
Não vejo outra solução: "back to basics!". Centrar o ensino e a aprendizagem sobre o fundamental, o conhecimento adquirido, aquele que estrutura todo o outro conhecimento - literacia, numeracia, cultura científica e capacidade de pensar.
Tentar incorporar o novo "senso comum" dos media no processo de ensino é abdicar e ceder à lógica da obsolescência. É comprar por bom preço o lixo que todos os dias nos chega a casa pela TV ou já pela Internet.
O desafio é grande, mas exige do professor umqa outra atitude: em vez de descer aos alunos, o professor tem de os fazer subir à excelência, capacitá-los para enfrentar o que o futuro parece anunciar.
Não é fácil.
Corressão: "fássil"
:-)
Estou a pedi-las não estou?...
Mas vou tentar contribuir construtivamente para a discussão. Noto em toda esta discussão uma posição corporativista dos professores. Continuam a defender-se em bloco, a atacar em bloco, admitem que existem maus professores, que há manipulação dos sindicatos, sem no entanto se demarcarem deles.
Seria interessante ver quem da clase está interessado em dar um passo à frente, com vista à resolução do problema, se é que ele existe.
DESAFIO
Sejamos sinceros, muitas das empresas e universidades não avaliam as pessoas com base no seu valor, nas suas virtudes, no trabalho desenvolvido, mas sim no seu aspecto exterior, na sua capacidade de se venderem. “Lembrei-me da história do “Principezinho”, do cientista astrónomo turco, que teve de trajar à europeia para que a sua demonstração fosse aceite, para além de ter baptizado o seu “asteróide” com um número, assim a sua notoriedade seria maior. (Já repararam no meu 33?- pode ser que me levem a sério!?). As pessoas grandes são assim!”
O “chefe” tem o dever de saber escolher bem os seus próprios colaboradores. Mas nem sempre as qualidades de liderança são acrescidas desta importante virtude. Do que depende então esta incapacidade? Eu diria que os “grandes espíritos” atribuem frequentemente aos outros as suas próprias virtudes, mas a maioria escolhe por superficialidade e vaidade. O que é importante é gabar-se, conhecer figuras importantes, ser amigo íntimo deste e daquele. É aí que reside o vírus das relações sociais. Quantas pessoas trabalharam e trabalham na sombra, gente criativa e confiável? Existem sempre “novas levas de pessoas capazes” que esperam fora da porta. Mas quem são os que têm notoriedade? Basta ligar a TV e assistir aos “talk shows”!
“Lembrei-me de outra história: - Quem eram estes homens e que procuravam eles?
- Rubis para a coroa de um rei. (“O Rouxinol e a Rosa” de Óscar Wilde)
O nosso desafio quotidiano faz-nos cruzar a ponte até uma paisagem desconhecida, na qual temos de aprender a não pedir garantias, nem certificados por triplicado como meio de segurança para nos atrevermos a decidir, a mudar ou a actuar.
Talvez quando aprendermos a não nos comportarmos como um bando de perus, preocupados apenas com as exigências da vida, mas como águias de pensamento independente, resolutas, determinadas, num voo sublime, corajoso, sem medo das alturas, acima das massas…
Pese embora, seja esta uma decisão de alto custo, pois haverá sempre quem queira afinar as fileiras!!!
SER PROFESSOR está a tornar-se um cargo de alto risco, por mim, abro a porta e dou passagem a quem melhor do que eu possa empreender estes voos. Vou reformar-me em breve e seguir outras aventuras em direcção ao desconhecido, na possibilidade de encontrar o que realmente procuro. Não existe o risco, somente o caminho. Já paguei o meu preço.
Nada mais errado, essa da avaliação pelo aspecto exterior. Pode ter o embrulho mais bonito, mas se na prática demonstrar pouco conteúdo, grelhou.
Pelo tem sido a minha experiência até à data.
Na mesma linha, pode ser uma pessoa cheia de qualidades, que se vender mal a imagem, grelhou na mesma. Daí que continuo à espera que os "bons valores" que exitem na classe dos professores se demarquem dos sindicatos que marcam greves às sextas. Mas pelos vistos vou esperar sentado...
Pode esperar sentado, mas é preciso estar no local certo.
Por várias vezes me opus publicamente a greves à Sexta Feira.
Quer em assembleias sindicais, que no Blog onde escrevo.
Mesmo no seio dos sindicatos há professores que votam contra greves à Sexta Feira, mas a maioria é a maioria...
Acabo de saber que o Sr. Secretário de Estado da Educação , Dr. Valter Lemos, está a promover umas reuniões com os Presidented dos Conselhos Executivos das Escolas e Agrupamentos para avaliar o impacto da recentes medidas na vida das escolas.
Parece-me positivo...
Ao mesmo tempo, interrogo-me: O que será que pensa que vai encontrar nestas reuniões o Sr. secretário de Estado?? Que fará ele do que encontrar??
A abertura ao diálogo só tem algum valor se do diálogo resultarem medidas em conformidade...
Espero ansioso tais reuniões. E os resultados das mesmas.
Dissemos anteriormente que não voltaríamos a intervir, dado o baixo nível que este blog estava a atingir com intervenções como as de Tonibler e outros ignorantes acerca do que se passa com o ensino no mundo ocidental.
Colocamos aqui este trecho para reflexão.
Espero que se tire as devidas conclusões e que não se alinhe com as posições da actual ministra, vazia de sentimentos e com perfil (psicológico e físico, note-se) de cão-de-guarda salazarista.
O brilho da Escola
Dir-se-á que a criança se desenvolve melhor, mais livremente, longe sim da autoridade dos adultos, mas na companhia de outras crianças da sua idade. […]
Que quer isto dizer? Que esta tese permite quebrar alegremente as relações normais entre crianças e adultos, relações que decorrem do facto de, no mundo que é de todos, viveram em conjunto pessoas de todas as idades. [...]
Quer isto também dizer que a interpretação moderna da ideia de libertação da criança vem ao encontro das transformações económicas e sociais da nossa vida de adultos. Porque, com a saída da mãe para o trabalho em meados do século XX, a casa fica vazia; porque a casa familiar já não é habitada pelos avós, inventados que foram - também então - os ironicamente chamados "lares de terceira idade"; porque, já antes e preparando o terreno para o que veio depois, havia a criança sido retirada das estruturas tradicionais de sociabilidade, vizinhança e convívio da aldeia, da rua, do faubourg, do bairro; [...].
A solução consistiu em pedir à escola, que não apenas ensine as nossas crianças, mas que as guarde durante os largos períodos de tempo em que pai e mãe vão trabalhar. Infantários, creches, jardim-escola, jardins de infância, escolas pré-primárias, instituições oficiais e privadas de educação pré-escolar - e é significativa a multiplicação de designações, tão bizarras como "escola "pré-primária", tão dramáticas como "infantário" ou "creche, (etimologicamente, "estabelecimento para asilo diurno de crianças pobres") tão transparentes como as designações francesas de "garderie" ou "école maternelle" - aí estão enquanto formas de escolaridade forçada e precoce que se vão inventando para dar corpo a esta recente necessidade, não das crianças, mas dos seus pais. Por isso é que uma greve de professores é sempre algo de maldito. Por isso é que ela conta, à partida, com o descontentamento dos pais. Em boa verdade, o Estado deveria - estou certa que o fará em breve - estabelecer um "serviço mínimo" para as escolas em tempo de greve, tal como o faz para os hospitais ou para os bombeiros. Às escolas caberia, então, explicitamente, cumprir uma função minimal e inconfessada - guardar os alunos num cativeiro benévolo, entretê-los durante horas enquanto os pais vão trabalhar. Por isso também é que, com a cumplicidade do Estado que, neste ponto, interpreta fielmente as necessidades das famílias (coincidentes com a sua própria lógica de empregador e defensor dos direitos dos outros empregadores), a escola abandonou decisivamente a indicação inscrita na sua origem etimológica (do grego, lugar de prazer dedicado ao estudo). Rodeou-se de muros, de grades, de porteiros, de legislações adequadas. [...]
Há pois que reconhecer que, no nosso mundo de hoje, uma das funções mais silenciadas da escola, mas nem por isso menos incontornável, é a de tomar conta dos filhos enquanto os pais vão trabalhar. Só que, um tal facto vai desencadear implicações profundas e insuspeitadas.
Se, durante largas horas diárias, a escola se constitui como substituto, ainda que precário, da antiga casa familiar, como resistir à tentação de, conjuntamente com a transferência de grande parte da responsabilidade na custódia diurna das crianças (e dos jovens, bem entendido), transferir também para a escola direitos e deveres educativos que, primordialmente seriam - sempre foram - da responsabilidade dos pais? Se acrescentarmos a isso os efeitos do tão assinalado fenómeno de dissolução da família, percebemos como teria sido difícil impedir o deslizamento a que assistimos, de funções, afinal, tão próximas e convergentes. [...]
Em qualquer caso - e é isso que é grave - a escola está hoje confrontada - diria mesmo sufocada - com uma complicada alquimia por intermédio da qual procura responder a tantas novas responsabilidades educativas. A desorientação dá-se a ver até no insensato jargão que tem vindo a ser produzido. Além da área disciplinar curricular facultativa de "educação religiosa", das "áreas curriculares não-disciplinares" de "formação cívica", "área de projecto" e "estudo acompanhado" e das "áreas de enriquecimento curricular" onde é suposto que se tratem "temas transdisciplinares" como a formação pessoal e social", cabe-lhe promover, "transversal a todo o curriculum", a "educação para a cidadania". Além disso, cada escola deve, cada ano, elaborar o seu "projecto educativo" do qual, dedutivamente se possam retirar indicações integradoras, tanto em termos de conteúdos a serem transmitidos, como de valores a serem perseguidos pela comunidade escolar no seu conjunto e, no qual, indutivamente, se possam articular os diversos "projectos curriculares de escola" e "projectos curriculares de turma", trabalhos de projecto" e outras actividades, nomeadamente, as realizadas no âmbito da "área de projecto". E que dizer dessa disciplina que fez correr tanta tinta, dispender tantas energias, consumir tantos recursos originar tantas e tão ocas (disparatadas) "experiências pedagógicas", que dava pelo nome de "Desenvolvimento pessoal e social ou educação moral e religiosa católica e de outras confissões"? […]
Não nos iludamos. A valorização excessiva do conceito de educação a que assistimos faz-
-se sempre em detrimento do ensino [...].
Quer isto dizer que o tal projecto eminentemente educativo com que as nossas escolas estão hoje primacialmente comprometidas - projecto esse que, em limite, não chega nunca a realizar-se mas que, apesar disso, dá origem ao complicado conjunto de artifícios curriculares com que a escola, em grande parte, está hoje sufocada - tem como efeito perverso, de consequências tão incalculáveis quanto nefastas, afastar a escola da sua missão insubstituível; ensinar, transmitir às novas gerações o património científico, artístico e filosófico construído pelas gerações anteriores, fazer participar cada vaga de recém-chegados ao mundo da Natureza no mundo da cultura que os homens foram construindo e que as novas gerações, justamente porque vão à escola e aprendem o que aí se ensina, hão-de amanhã conservar, prolongar, continuar.
Resumindo: é porque, por razões relativas à vida dos adultos já educados, foram transferidas para a escola funções de guarda e educação das crianças e dos jovens que são estranhas à sua essencial função cognitiva, que hoje temos escolas que soçobram perante essas espinhosas (e em limite impossíveis) tarefas educativas e que, em grande parte por essa razão, dificilmente conseguem continuar a cumprir aquela missão maior para que foram inventadas e que só elas podem realizar: ensinar. Por outras palavras, é porque se quer educativa que a escola não ensina.
Fenómenos como o desinteresse e o abandono escolares ganhariam porventura em ser pensados à luz deste elemento humilíssimo: o facto de a escola ter deixado de ensinar porque, em grande parte, passou a ser chamada a educar. Porque não ensina, ela não cativa as nossas crianças e os nossos jovens pelo único meio possível e legítimo ao seu alcance: abrir de par em par as portas da inteligência infantil e juvenil; cativá-la, desafiá-la para as belezas superiores da aprendizagem e da compreensão; colocá-la, não perante o fácil e o conhecido mas, exactamente ao invés, perante o difícil e desconhecido. [...]
Ora, pelo contrário, a escola é hoje chamada a concentrar as suas atenções na tarefa, triste e lamacenta, de conformação das almas, tarefa educativa essa cuja realização, por ironia, lhe está decisivamente vedada. […] tudo isto se traduz numa inestimável perda de tempo e de energia, numa imperdoável incapacidade para realizar algo que vale decisivamente todas as penas: a maravilhosa possibilidade que a escola oferece a cada nova geração de adquirir, em alguns anos, os conhecimentos que a humanidade levou por vezes séculos a construir e, desse modo, se tomar apta a dar continuidade à aventura do conhecimento. Importa pois tomar consciência de que alguma coisa está profundamente errada nas nossas escolas - da escola primária à escola básica, da escola secundária à universidade - quando se constata que as crianças e os jovens só vão à escola porque ela é obrigatória. Como no quartel.
[...]
Pensamos de facto que nada se compreenderá, que tudo ficará lamentavelmente confundido enquanto não se fizer um esforço para distinguir entre educação e ensino. A primeira (educação) diz respeito à disciplinarização das vontades e dos seus desejos. O segundo (ensino), à inscrição das novas gerações no património comum dos saberes que fomos inventando. Nele reside o brilho da escola.
Olga Pombo, O Insuportável Brilho da Escola, in Alain Renaut et alli, Direitos e Responsabilidades na Sociedade Educativa, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa
O texto da conferência, na íntegra, incluindo as notas de rodapé, que omiti, pode ser lido em: http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/investigacao/brilhoescola.pdf
Obrigado pela atenção.
Sou Professor - Sou um Privilegiado.
José António
Assunto: Sou Professor sou um privilegiado!
Levanto-me, de manhã, por volta das 06:30 para fazer uma viagem de 45 km até à minha escola. Gasto 6 l em gasolina todos os 5 dias da semana só para ir trabalhar. Tenho aulas em 8 dos dez turnos (manhãs e tardes) da semana, o que significa que almoço na escola 3 vezes por semana, à média de 6 euros por refeição.
Por semana são 54 euros, mais ou menos 230 em cada mês. Há dias em que tenho uma aula às 08:30 e depois só volto a ter aulas às 13:30. Durante aquelas duas horas nada posso fazer senão olhar para o boneco, que a escola não tem condições para se poder trabalhar. Chego a casa por volta das 18:00, tão cansado como qualquer outro português depois de um dia de trabalho. Mas há dias em que chego mais tarde, porque tenho reuniões de grupo, de departamento, de conselho pedagógico, de coordenação do centro de recursos, com os pais, de directores de turma, do ensino especial, etc., etc., etc. Sou contratado há 11 anos. Embora as empresas privadas sejam obrigadas, por lei, a inserir nos quadros de pessoal todos os funcionários com 3 anos de "casa", o Estado dá-me um valente pontapé nos fundilhos todos os dias 31 de Agosto de cada ano. Até 2000, nem subsídio de desemprego recebia; e os que recebi após essa data fui obrigado a devolver porque, segundo as finanças, os meus ganhos são "muito elevados" (sic). Todos os anos mudo de escola: quando me começo a habituar ao sítio onde estou, já estou de partida. Os meus alunos perguntam-me se serei professor deles no próximo ano: respondo-lhes que não sei, sequer, se serei professor novamente na vida. No dia em que efectivar, se for vivo quando lá chegar, terei de partir para a diáspora: migro para uns valentes 200 ou 300 km de distância, na esperança de conseguir uma escola ao pé de casa - a uns 45 km, como actualmente - quando já for velhinho. Desde que comecei a leccionar já dei mais de 20 níveis diferentes, o que dá uma média de 2 níveis novos em cada ano. Já nem tenho espaço no escritório para tantos dossiers... A cada semana que passa dou 20 horas de aulas, distribuídas por 6 turmas e 150 alunos. Para cada hora de aulas preciso de pelo menos outra hora para as preparar. É que, como imaginarão, não vou para as aulas sem saber o que vou lá fazer... Se mandar os meus 150 alunos fazer um trabalho de casa por semana e os corrigir em casa, precisarei de pelo menos 10 minutos para corrigir cada um: ou seja, corrijo 6 trabalhos por hora. Logo, numa semana passo 25 horas a corrigir trabalhos e/ou testes. Dando 20 horas de aulas por semana, MAIS 20h para as preparar, MAIS 25 para corrigir trabalhos, descubro que trabalho pelo menos 65 horas por semana, ainda que a Senhora Ministra me enfie pelos ouvidos que trabalhamos, nós, os privilegiados, apenas 35 h por semana. Tenho rendimentos "obscenos". Como estou no índice 151, ou seja, em situação de pré-carreira, ganho (líquidos) 1000 €/mês, qualquer coisa como 250 €/semana. Quem leu os posts anteriores já sabe que trabalho à volta de 65 horas por semana; isso significa que recebo do Estado qualquer coisa como 4 euros por hora. Não tenho empregada doméstica porque elas ganham mais do que isso a cada hora que passa. Os meus colegas que fizeram uma licenciatura noutra área qualquer, que são tão licenciados quanto eu, gabam-se de ganhar pelo menos o dobro do que eu ganho. Fico feliz por eles, mas não é com isso que encho a barriga. O meu automóvel tem 7 anos, é um Punto dos mais baratinhos e não tenciono mudar tão cedo porque não tenho dinheiro para comprar outro. E mesmo que o tivesse, não sei se estarei empregado daqui a 3 meses. Sou, portanto, um privilegiado. A minha esposa também é professora. Residimos, enquanto contratados, no Porto. O problema é que no meu grupo disciplinar só é possível efectivar se for para o Alentejo durante dois anitos, depois para a Serra da Estrela, por fim Bragança, Vila Real até chegarmos a Amarante, a apenas 50 km, altura em que me sentirei realizado: estarei perto de casa!!! Como não é possível irmos juntos nessa aventura, já combinamos: eu vou para o Alentejo; depois vai ela, quando eu estiver em Bragança; encontramo-nos a meio do país, no Entroncamento; dividimos os filhos a meias e, quando tivermos 50 anos (temos 30 e poucos nesta altura) voltaremos a ter vida conjugal. Só tenho algum receio de não me lembrar da cara dos meus filhos, se por acaso os encontrar em algum comboio inter-cidades... Chego a esta conclusão: para quê dar o litro pelo ensino, se o ensino não me dá nada a mim? Não sou um missionário! Sou um profissional da educação - e isso significa que também tenho barriga!
Já me basta ter de aturar "colegas" que não me respeitam, criancinhas birrentas mal-educadas pelos pais; Pais que nunca o deveriam ter sido pois não assumem as suas responsabilidades; edifícios degradados em que nem giz tenho para escrever no quadro...
Conclusão: Sou Professor - Sou um Privilegiado.
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