Um dos nossos problemas culturais crónicos é este hábito de "nivelar por baixo", de desculpar os que não chegam a lado nenhum e exigir mundos e fundos aos que têm o azar de mostrar alguma capacidade para o que fazem. Quantas vezes se ouve "Aquele tem a mania que é esperto..." ou "Já se espalhou..." ou ainda "Não tarda ainda o vamos ver a asnear!"
Somos condescendentes onde devíamos ser exigentes, condenamos quando devíamos acarinhar e promover, deitamos fora o que era necessário reconhecer. Dessa forma não alteramos a quietude, só nos esforçamos "porque acreditamos" ou porque "nos apetece", raramente porque temos essa obrigação e é suposto darmos o nosso melhor em cada momento. Esta cultura da mediania, enraizada há séculos, é um dos motivos do nosso atraso e do desperdício de "cérebros" mais ou menos brilhantes que se vão embora ou que se deixam definhar no cinzentismo e na amargura dos falhados.
Somos muito avarentos nos elogios e muito cruéis na apreciação do trabalho bem feito, para não referir a total inépcia para descobrir e estimular as capacidades dos miúdos na escola, porque não é esse o objectivo.
E depois, o que se vê é que os jovens vão para outros países e são bons, claro que são bons!, e vêm de lá pasmados porque afinal são capazes e aqui ninguém lhes tinha dito. E, a seguir, querem é sair daqui para fora e lá ficamos nós a contar os que saem e a chorar lágrimas de crocodilo porque não pudémos fazer nada.
Encontrei ontem um jovem engenheiro que trabalhava num serviço público, em tarefa de especialidade onde temos falta de gente. Tentou entrar num curso para dirigentes e acharam o curriculo insuficiente. Tentou que as verbas comunitárias para a formação de funcionários lhe pagassem uma pós graduação. Perdeu meses e meses a receber negas e os colegas a olharem com troça para as tentativas. Concorreu a uma bolsa na Alemanha. Ficou em primeiro lugar, tem um contrato por cinco anos, parte amanhã. Os filhos pequenos vão ter outra cultura de certeza. E nós ficamos mais pobres.
(Tenho que dizer que este tema me surgiu depois de ler o texto de Anthrax no seu blog...)
4 comentários:
Cara Suzana,
os meus parabéns por esta pequena nota que reflete um dos problemas básicos da nossa sociedade.
Também eu já tive de aconselhar alguns ex-alunos meus a procurarem outros destinos. Porquê? Porque sendo alguns deles brilhantes, nunca puderam aceder a uma carreira de investigação e docência no ensino superior, dado que os lugares estão todos ocupados, alguns por alguns "jarrões" que em nada contribuem para o avanço do conhecimento científico e para a qualidade do ensino superior.
Pertencemos a uma geração que ocupou os lugaresb e depois de lá estarem instalam-se "de armas e bagagens" e ninguém de lá os tira. Os que vierem a seguir que "se amanhem" e busquem outros destinos.
Costuma dizer o Tonibler que "quem não está bem, muda-se", o grande problema é que muitos deles "mudam-se" e é o país que fica a perder.
Um comentário derradeiro: a chamada fuga de cérebros não é motivo de orgulho nacional é factor de atraso económico e cultural. Quem os atrai sabe que a maior parte do custo de formação foi pago pelo país emissor. Para os países que os atraiem é um excelento negócio. Pensemos só por alto no seguinte: 20 anos de formação a multiplicar por um custo médio ano de 5.000 € = 100.000 € só em custos directos de ensino. Multipliquem esse valor por algumas dezenas de milhar de activos qualificados e vejam o que andamos a desperdiçar.
Caros,
Eu acho que a notícia até não é má. Para aquilo que são as oportunidades neste país, 20% sairem revela um grande apego à terra dos restantes 80%. Como disse também ao Anthrax, num país onde a riqueza é canalizada para empregar trolhas e empregados de mesa, é óbvio que as pessoas com outras qualificações procuram outras paragens. Talvez se começarmos a forma-los em Engenharia de Aeroportos Inúteis...
Excelente post.
Muito obrigado por, finalmente, me ter permitido ler uma reflexão inteligente sobre estas questões de "fugas" e de "cérebros".
Pertinente análise. Adiciono algo. Se eu jogo xadrez com alguêm e voluntariamente coloco de lado uma Torre, dela abdicando, isso já é em si dramático, mas mais dramático é retirá-la da minha "corte" de peças e oferecê-la ao "adversário". Perco "força relativa" não uma, ... mas antes duas vezes.
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