Número total de visualizações de páginas

sexta-feira, 10 de novembro de 2006

Eleições americanas: triunfo do proteccionismo?

Está a cair o pano sobre as eleições para o Congresso dos EUA, que na aparência ditaram uma significativa mudança política.
Que houve uma significativa mudança de cores, é inegável. Se haverá numa alteração real de política, designadamente no domínio externo, já tenho sinceramente mais dúvidas.
O conhecido colunista e editor do Financial Times, Jacob Weisberg, publicou há dois dias, a este respeito, um curioso texto intitulado “Free trade is the real election casualty”.
Weisberg sustenta que uma das grandes razões da mudança política nos EUA - talvez a mais importante para além da questão iraquiana - foi a campanha intensamente proteccionista de muitos candidatos do Partido Democrático, que responsabilizaram a política de abertura comercial da Administração republicana pelas perdas de empregos, na industria sobretudo, em muitos estados da União.
Weisberg cita os casos do Ohio, onde o candidato democrático ao Senado Sherrod Brown derrotou o “incumbente” Mike DeWine, com base num discurso em que sobressaiu a retórica proteccionista.
Brown editou um livro “Myths of Free Trade: Why American Trade Policy Has Failed”. Nesse livro a China e o México são apontados como grandes adversários da economia americana, a primeira pela concorrência dos seus produtos, o segundo pela concorrência dos seus trabalhadores. Num caso e no outro com o mesmo resultado, ou seja a perda de postos de trabalho de cidadãos americanos.
Calcula-se que no Ohio, desde que G.W. Bush é presidente dos EUA, tenham sido perdidos cerca de 200.000 postos de trabalho.
Situação parecida terá ocorrido na Virgínia, onde o democrata James Webb bateu por estreita margem o republicano George Allen na corrida para o Senado.
Webb atacou duramente Allen durante a campanha por ter votado no Senado a favor da admissão de mais emigrantes, nomeadamente mexicanos.
Outra situação terá ocorrido no Missouri, onde a vencedora, a democrata Claire McCaskill terá vencido aos pontos o “incumbente” republicano James Talent, na promessa de apoio a medidas proteccionistas.
O mesmo se terá passado noutros Estados, segundo Weisberg, mas não vale a pena prolongar as citações.
Ontem, os mercados de câmbios foram abalados pela notícia de que o Governador do Banco da China havia anunciado a intenção de começar a vender dólares, recompondo as suas enormes reservas em divisas – que se aproximam dos 1000 milhões de USD (vulgo um trilião).
Essa notícia abafou uma outra, segundo a qual o défice comercial americano em Setembro teria sido o menor dos últimos 4 anos.
O USD teve uma queda acentuada, contra o euro e outras divisas.
Tenho para mim que os chineses, com esta mensagem, lançam um aviso aos advogados do proteccionismo no Partido Democrático: experimentem propor medidas proteccionistas e verão as consequências.
Se o Banco da China levasse mesmo por diante uma política de recomposição das suas reservas cambiais, o USD poderia sofrer fortes perdas e os americanos não teriam outro remédio senão subir as suas taxas de juro.
Imaginem-se as consequências de tal cenário, para a economia americana e as ocidentais em geral...
Quando reflicto neste tema, confesso que me impressiona o provincianismo exacerbado da generalidade das reacções dos nossos políticos ao resultado das eleições americanas, a começar no impagável Bloco...

3 comentários:

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Também me interrogo sobre se haverá uma alteração real de política.
Aparentemente a política externa e interna dos EUA sofrerá um ajustamento de acordo com as promessas eleitorais dos candidatos, que passaram a compor, com maioria do Partido Democrático, a Câmara dos Representantes e o Senado. A Administração já não poderá contar, como contou a maioria das vezes, com o apoio ou o consentimento do Congresso, quer nos assuntos domésticos, quer nas questões da cena internacional. Mas não é líquida uma discrepância tão acentuada de abordagens.
Penso que não será do pé para a mão que a política dos EUA se alterará.
Com a multi-polarização política e económica planetária, é impensável um descomprometimento de Washington. Cortar na segurança, na defesa e na assistência militar será algo que os Democratas não repetirão. É bom recordar que foram os responsáveis, no Congresso, pelo abandono do Vietname (e concomitantes tragédias comunistas que se lhe seguiram).

Tiago Mendonça disse...

Este resultado é quanto a mim um cartão amarelo à gestão Bush ( analisei o tema no post " Cartão Amarelo a Bush " no meu blogue www.cascatanegra.blogspot.com"). Como se disse e bem a mudança de cores é inegável, prevendo-se uma alteração de políticas, mesmo que apenas as aparentes, isto é, Bush será forçado a ceder a exigências democratas por via da maioria destes na Câmara dos Representantes. De qualquer forma, penso que com este resultado os democratas ganharam a " pole-position " para a grande corrida que serão as eleições presidenciais. Já agora, afiançar, que me parece bem possível que Al Gore volte a ter um papel importantíssimo nas próximas eleições, podendo mesmo vir a ser a cara dos democratas.

Tavares Moreira disse...

Caros Comentadores,

As minhas desculpas por um lapso cometido na redacção do POST, de que só agora me apercebi, ao reler.
As reservas do Banco da China são de USD um Milhão de Milhões (vulgo um trilião) e não de Mil Milhões.
Posso acrescentar ter sido entretanto noticiado em Pequim que as reservas no final de Outubro tinham já ultrapassado essa "fasquia".
Também acrescento que cerca de 70% dessas reservas são USD.
Quanto a Al Gore, caro Tiago Mendonça, parece-me que as suas hipóteses são remotas.
Haverá outros candidatos, a começar por Hillary Clinton, com muito melhores perspectivas.
Mas tenho de reconhecer que na política americana aquilo que hoje parece ser certo, amanhã já pode estar no domínio do incerto e no dia seguinte do improvável