Ouvia conversas, mas não as entendia. Conhecia o significado de algumas palavras, mas não conseguia seguir o alinhamento das frases. Despertavam-me muito interesse, e, por esse motivo, esforçava-me por decorar as desconhecidas e alguns remendos de expressões, convicto de que seriam úteis. E foram.
A par das frases, vasculhava livros dos adultos. Assustei-me quando vi, pela primeira vez, fotografias de corpos humanos que pareciam esqueletos. Alguns, estranhamente, caminhavam comandados por olhos desproporcionados e vazios. Outros estavam dependurados pelo pescoço. Muitas outras imagens revelavam vidas que eu desconhecia. Trémulo de medo fugia para os livros de banda desenhada, onde depressa aprendi o significado da guerra e as aventuras de algumas guerras, a primeira e a segunda, desconhecendo que antes da primeira e da segunda tinha havido muitas primeiras e segundas. Explicaram-me o que foram. Eu entendi. Disseram-me quem eram os amigos e os inimigos e eu fiquei ao lado dos primeiros. Depois aprendi mais palavras e nomes e comecei a ligá-las às fotografias dos livros dos adultos.
Em dezembro de 1961, vésperas dos meus onze anos, ia a casa de um vizinho ver televisão. Uma festa. Eram poucas as pessoas que tinham aquele aparelho. Entrava e sentava-me na primeira fila de cadeiras dispostas em semicírculo como se fosse um teatro, na sala de jantar, depois de terem arrastado a mesa para um canto.
As notícias da época focavam a história rocambolesca do rapto de um nazi responsável pela morte de milhões de pessoas, Adolf Eichman, da Argentina para Israel. Via o homem no tribunal dentro de uma caixa de vidro e sentia um estranho fascínio e horror. O criminoso foi condenado à morte e executado, mas só depois de julgado.
Quando o raptaram e levaram para Israel podiam tê-lo morto, mas não o fizeram. Julgaram-no. Hannah Arendt assistiu ao julgamento e inspirou-se no evento para escrever “Eichmann em Jerusalém: Uma reportagem sobre a banalidade do mal”. Muitos anos depois acabei por o ler. Eu já sabia que o mal existe e tem vida própria. Julgaram Eichman. É assim que se deve fazer. Qualquer criminoso, seja quem for, quer tenha morto uma pessoa ou milhões, deve ser julgado, disseram-me na altura. A justiça é o bem supremo dos homens e quem não a respeitar não granjeia respeito.
Bin Laden foi morto, talvez executado, não sei, mas questiono-me se não poderia ter sido detido e levado a julgamento. Às tantas até podia. Quando ouvi as reações, pus-me a pensar o que dizer, não das manifestações de alegria das pessoas anónimas, mas, de governos e presidentes a felicitar o sucedido? A morte ou a tentativa de captura? Fiquei com a sensação de ter sido a primeira, a morte. Eu preferia que tivessem felicitado a sua detenção e que o criminoso fosse julgado e condenado. No fundo, cumprir com os desígnios da justiça. Foi o que aprendi há meio século.
A par das frases, vasculhava livros dos adultos. Assustei-me quando vi, pela primeira vez, fotografias de corpos humanos que pareciam esqueletos. Alguns, estranhamente, caminhavam comandados por olhos desproporcionados e vazios. Outros estavam dependurados pelo pescoço. Muitas outras imagens revelavam vidas que eu desconhecia. Trémulo de medo fugia para os livros de banda desenhada, onde depressa aprendi o significado da guerra e as aventuras de algumas guerras, a primeira e a segunda, desconhecendo que antes da primeira e da segunda tinha havido muitas primeiras e segundas. Explicaram-me o que foram. Eu entendi. Disseram-me quem eram os amigos e os inimigos e eu fiquei ao lado dos primeiros. Depois aprendi mais palavras e nomes e comecei a ligá-las às fotografias dos livros dos adultos.
Em dezembro de 1961, vésperas dos meus onze anos, ia a casa de um vizinho ver televisão. Uma festa. Eram poucas as pessoas que tinham aquele aparelho. Entrava e sentava-me na primeira fila de cadeiras dispostas em semicírculo como se fosse um teatro, na sala de jantar, depois de terem arrastado a mesa para um canto.
As notícias da época focavam a história rocambolesca do rapto de um nazi responsável pela morte de milhões de pessoas, Adolf Eichman, da Argentina para Israel. Via o homem no tribunal dentro de uma caixa de vidro e sentia um estranho fascínio e horror. O criminoso foi condenado à morte e executado, mas só depois de julgado.
Quando o raptaram e levaram para Israel podiam tê-lo morto, mas não o fizeram. Julgaram-no. Hannah Arendt assistiu ao julgamento e inspirou-se no evento para escrever “Eichmann em Jerusalém: Uma reportagem sobre a banalidade do mal”. Muitos anos depois acabei por o ler. Eu já sabia que o mal existe e tem vida própria. Julgaram Eichman. É assim que se deve fazer. Qualquer criminoso, seja quem for, quer tenha morto uma pessoa ou milhões, deve ser julgado, disseram-me na altura. A justiça é o bem supremo dos homens e quem não a respeitar não granjeia respeito.
Bin Laden foi morto, talvez executado, não sei, mas questiono-me se não poderia ter sido detido e levado a julgamento. Às tantas até podia. Quando ouvi as reações, pus-me a pensar o que dizer, não das manifestações de alegria das pessoas anónimas, mas, de governos e presidentes a felicitar o sucedido? A morte ou a tentativa de captura? Fiquei com a sensação de ter sido a primeira, a morte. Eu preferia que tivessem felicitado a sua detenção e que o criminoso fosse julgado e condenado. No fundo, cumprir com os desígnios da justiça. Foi o que aprendi há meio século.
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