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quarta-feira, 11 de maio de 2011

A proposta do PSD de descer a TSU e contas fáceis de fazer


Tem causado grande controvérsia a proposta contida no Programa Eleitoral do PSD de descer a taxa social única (TSU) em 4 pontos percentuais (pp), para 19.75%, ao longo da próxima legislatura, com o intuito de proceder a uma “desvalorização orçamental” (fiscal devaluation), reduzindo custos do factor trabalho para as empresas (sem baixar salários) num país que, como Portugal, não possui moeda própria (o que terá um efeito semelhante às antigas desvalorizações cambiais).


Perante esta ideia, que conjunturalmente será positiva para o nosso tecido empresarial (1), logo o PS contra-atacou, como é seu hábito, defendendo que, para viabilizar a descida desses 4 pp da TSU e manter um efeito neutral sobre as contas públicas, a taxa normal de IVA teria que ser subida em 3 pontos percentuais, para 26%. O que, de acordo com os socialistas, “teria um efeito brutal a nível do consumo em Portugal, com consequências muito negativas, não apenas do ponto de vista social, como do ponto de vista económico”. Implícita na reacção do PS está, pois, a ideia que o “Memorandum of Understanding” elaborado pela missão de BCE/CE/FMI, apesar de referir que “(…) o Orçamento para 2012 deve incluir a recalibração do sistema de impostos, neutra em termos orçamentais, com vista a baixar os custos do trabalho e aumentar a competitividade (Outubro de 2011)” – ou seja, apoiando, ainda que de forma não totalmente explícita, a descida da TSU suportada pelas empresas –, não teria espaço orçamental para acomodar esta alteração sem outras contrapartidas. Leia-se, sem novos aumentos de impostos.


Sucede que são os próprios números que constam do acordo assinado com BCE/CE/FMI que mostram o contrário. Do quadro em anexo constam os défices públicos previstos entre 2011 e 2013 no “Memorandum of Understanding”, tanto face ao PIB, como em valor absoluto; a poupança orçamental prevista em 2012 e 2013 tanto em termos de redução da despesa como de aumento da receita; e, na última linha, a quantificação da perda de receita decorrente de descer a TSU em 4 pp: de uma só vez, seriam cerca de EUR 1 624 milhões (EUR 406 milhões por cada pp). Ora, a comparação da redução do défice prevista com a poupança total resultante das medidas elencadas revela uma margem de manobra de EUR 1 937 milhões em 2012 e de EUR 479 milhões em 2013 (linha (3)). O que significa que, sendo as medidas do lado da despesa e do lado da receita concretizadas como se espera que aconteça, os défices de 2012 e 2013 poderiam, mantendo-se tudo o resto constante (coeteris paribus), ser inferiores naqueles montantes aos objectivos fixados. Mas não foi essa certa-mente a intenção da missão de BCE/CE/FMI – antes terá sido deixar ao próximo governo a possibilidade lançar mão de uma recalibração do sistema fiscal que baixe os custos do trabalho e aumente a competitividade. O que os números acima mostram é que, qualquer que seja o Governo que saia das eleições de Junho próximo, ele poderá reduzir a TSU em 4 pp logo em 2012, ficando ainda com mais de EUR 300 milhões de margem… E descer pelo menos outro ponto adicional em 2013. Bem como, mesmo depois de baixar a TSU, proceder a qualquer outra recalibração do sistema fiscal também favorável à competitividade e que não ultrapasse a diferença acima referida (por exemplo, procedendo a alterações ao nível do IRC e/ou do IRS). Isto, claro, repito: concretizando a preceito as medidas do acordo assinado com BCE/CE/FMI.


Perante este quadro, não consigo compreender a posição dos que, como o PS, defendem que não é possível baixar a TSU sem aumentar a receita para além do que já está previsto no “Memorandum of Understanding”. São os números que o provam. Inegavelmente. Trata-se, apenas, de uma questão de contas – que, para mais, nem sequer são difíceis de fazer…

(1) Conjunturalmente, esta ideia é positiva e faz sentido, como comprova o Banco de Portugal no mais recente Boletim Económico de Primavera (páginas 41-44). Porém, em termos estruturais, é público que, desde há vários anos, a minha preferência vai para alterações fiscais que privilegiem a redução da tributação sobre o capital e os lucros. Tal deve-se à necessidade de atrairmos mais investimento (nacional e estrangeiro) e, dessa forma, aumentar a intensidade do factor de produção capital, que é intensivamente menos utilizado que o factor trabalho, como as estatísticas existentes comprovam (com Portugal a situar-se abaixo da média europeia). Em Portugal utiliza-se, assim, mais intensivamente, o factor produtivo em que somos menos eficientes, devido às reconhecidas baixas qualificações existentes – o que tem contribuído para os medíocres resultados económicos que se conhecem.
Evidentemente, é desejável que o factor trabalho seja mais intensivamente utilizado, sim, mas de forma mais eficiente; contudo, para que tal seja sustentável, é fundamental e indispensável que outros factores produtivos, como o capital sejam, mais intensivamente utilizados no processo produtivo – o que levará a aumentar o crescimento económico e, com ele, o emprego, o nível de vida da população e… os salários (que, assim, terão, indirectamente, mas por certo, uma evolução bem mais positiva do que a que tem vindo a ser registada).





Nota: Este texto foi publicado no jornal "Público" em Maio 11, 2011.

9 comentários:

Tonibler disse...

Eu concordo consigo Miguel, mas a forma como o PSD se deixa enrolar nestas aritméticas...


A simples redução do TSU vale 1% de crescimento do PIB por efeitos multiplicativos. O custo geral do trabalho ficará 2% mais baixo (grosso modo) que baixa o valor mínimo exigido na contratação. Isto faz com que a quebra na procura vai ser amortecida ao mesmo tempo que o risco de empregar vai ser mitigado. Mais emprego, gera mais emprego, que gera mais produto. Esta medida vale, por si só ~1% do PIB.

O que é que o IVA tem a ver com isto???

Miguel Frasquilho disse...

Pois, caro Tonibler... não em nada a ver!... Até porque, mesmo sem esse efeito, e como os próprios números da Troika mostram, existe espaço orçamental mais do que suficiente para concretizar a descida de 4 pp a TSU já em 2012!...

AF disse...

Caros Tonibler, Miguel Frasquilho,

Poderão fazer o favor de me elucidar o que é que isto quer dizer?

(da pag. da RTP: http://www.rtp.pt/noticias/index.php?t=Passos-contradiz-Catroga-no-IVA-e-acusa-Socrates-de-mentir.rtp&article=440974&layout=10&visual=3&tm=9 )

"Em Vila Real, o presidente do PSD manteve sempre a tónica na ideia de que o Imposto sobre o Valor Acrescentando “não é para subir”. “O que temos de fazer, se formos governo, é reestruturar o IVA, o que significa que, nas três taxas já existentes, temos de reclassificar produtos e serviços de modo a alargar a receita” "

Ora, como não é descendo produtos das taxas mais elevadas para as mais baixas que se vai conseguir "alargar a receita", na prática estamos a falar de transitar produtos e serviços de taxas mais baixas para as mais altas.

Ainda diria mais: como os produtos e serviços que estão classificados nas taxas mais baixas não serão os "de luxo", antes os bens de primeira necessidade, o que é sugerido é, na prática, um aumento de imposto sobre estes produtos.

(nos produtos e serviços de primeira necessidade incluo, claro está, o golfe ;) )

Miguel Frasquilho disse...

Caro AF,
Isto significa o que já está contemplado no acordo com a Troika, e que é, de facto, aumentar a receita do IVA por reestruturação de algumas taxas - o que significa aumentar a tributação de taxas reduzida e intermédia para a taxa mais elevada. Mas isso já está previsto no acordo assinado com a Troika, que qualquer Governo eleito a 5 de Junho terá que cumprir. O meu ponto - e julgo que também o do presdidente do PSD - é que, PARA ALÉM DISSO, não serão necessários aumentos adicionais de impostos para compensar uma descida da TSU de 4 pp, porque existe uma margem que já está contemplada no acordo com a Troika. Agora, que aumentos de impostos, seja de que maneira for (por redução de benefícios, reestruturação de taxas, ou aumento de taxas como no tabaco e veículos, etc.), vão ser uma realidade, ah, isso vão!... Mas qualquer Governo o terá que fazer... Não sei se fui claro... :-)

AF disse...

Caro Miguel Frasquilho,

Foi bastante claro.

O meu comentário poderá ter sido, em retrospectiva, deslocado. Não pretendia, nem pretendo, discutir "aritméticas", como diria o caro Tonibler :)

No entanto, sendo a mensagem demagógica da parte de várias personalidades do PS, alardeando a subida do IVA, criticável por ser errada tecnicamente, não deixa a mensagem por parte do PSD de ser, apesar de tecnicamente correcta (não vão subir o IVA), censurável, por demagógica.

É claro, felizmente existem espaços como o 4R onde podemos esclarecer "directamente" estes assuntos. :)

Tonibler disse...

AF,

Só para esclarecer, eu estou-me nas tintas para o IVA. É mau subir, mas deve ter sido a moeda de troca que os partidos entregaram em troca da RTP, da subvenção partidária, da publicidade nos jornais e de todas as formas eticamente deploráveis com que os partidos roubam os pobres.
O meu ponto é que a baixa do TSU é boa em quaisquer circunstâncias e o PSD não se deveria ter deixado enrolar pelo IVA nesta matéria.

AF disse...

Tonibler,

Ou seja, na sua opinião a baixa na TSU por si só iria gerar verba (proveniente de outros impostos, mesmo sem estes serem aumentados), que serviria para compensar essa falta de receita? E essa verba tinha na mesma como destino a Segurança Social? (isto assumindo que a TSU tem esse destino)

Tonibler disse...

Falta de receita na Segurança Social? Que se lixe a receita da Segurança Social, isso é problema de rico. Esse buraco tapa-se depois porque é uma questão de poupança. Trata-se de pedir emprestado aos portugueses para conseguir empregar mais portugueses e pagamos-lhes depois.

Esse dinheiro não é preciso já. É preciso para o futuro mas, por agora, podemos investi-lo em Portugal para nos livrarmos do estado.

Anthrax disse...

Dr MF... :))))

Explique lá aos estimados camaradas Tóni e AF o que está, realmente, escrito no programa eleitoral do PSD :))

Diga-lhes lá que o que está escrito no programazito - considerando que não terei visto mal - é que a redução da TSU até 4 pp se aplica apenas às empresas mais exportadoras e estas sim podem beneficiar, inclusive, de um desconto no IRC.