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terça-feira, 4 de outubro de 2005

Educação Nacional!...

Uma reportagem na televisão sobre uma manifestação de professores, creio que no Porto, leva-me a reproduzir uma conversa que tive anteontem com uma sobrinhita minha, que anda no 2º ano (antiga 2ª classe).
-Então, Rafaela, gostas do teu professor?
-Gosto. Ensina bem.
-Tens escola de manhã ou todo o dia?
-De manhã e de tarde.
-Então almoças na escola, não é?
-Almoçava, mas agora não, que os meninos não gostam da comida.
-Mas a comida não é boa?
-A gente não gosta.
-Já disseram ao professor?
-Não, mas vamos fazer uma manifestação.
-Uma manifestação? Vocês sabem fazer uma manifestação?
-Sabemos.
-Então, e como é que vão fazer a manifestação?
-Vamos andar à volta da escola com cartazes.
-Com cartazes?
-Sim, o irmão do Tiago, que anda no 4º ano, já fez dois cartazes que dizem: abaixo a cozinheira, abaixo a auxiliar!...
-Mas onde é que aprenderam a fazer manifestações?
-Já vimos os professores da escola fazerem, e até deu na televisão!...
Contei isto hoje a um amigo, que deu em professor sindicalista ou em sindicalista professor, nem sei bem.
Apoiou!....

11 comentários:

crack disse...

Caro Pinho Cardão, a sua sobrinha teve esse (mau) exemplo, o dos professores a manifestarem-se. Mas há milhares de meninos por esse país fora que lhe poderiam referir um outro exemplo, que é sempre ignorado por todos aqueles que nas atitudes dos professores encontram a única justificação para todos os males do sistema. Poderiam milhares de meninos dizer-lhe que estavam a seguir o triste exemplo dos seus pais a manifestarem-se com cartazes à porta das escolas, a fecharem estas a correntes e cadeados, a obstruirem a entrada de escolas com pedregulhos e veículos pesados carregados de areia, a impedirem o funcionamento de aulas, ou a gritarem palavras de ordem que, em excessos de entusiasmo, chegam ao impensável, e inconfessável, enquanto quase agridem fisicamente o ministro da tutela. Se não se recorda dos exemplos passados, amplamente mostrados em prime time em todos os canais de televisão, tenho a certeza que alguns dos seus colegas de blogue poderão recordar-lhe episódios bem tristes, de que têm, infelizmente, conhecimento directo.
Os professores a manifestarem-se nas ruas poderá ser, é, muito traumatizante para todos aqueles que ainda vêem a profissão docente como uma missão a cumprir com espírito mendicante, esquecendo que os professores são profissionais a quem, no limite, assiste o mesmo direito de manifestação que têm quaisquer outros profissionais. Não advogo os métodos, mas reconheço a igualdade dos direitos. Sobretudo quando, e não podemos esquecê-lo, é o governo que não reconhece a esta classe profissional qualquer especificação que justifique um tratamento diferenciado de qualquer outro técnico da AP.

Suzana Toscano disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Suzana Toscano disse...

Caro Crack, não resisto a comentar o seu comentário, como certamente pode compreender. O texto do Pinho Cardão, pela sua simplicidade e crueza, mostra à evidência o que queremos fingir que não é: e é um facto que há profissões que têm especial responsabilidade na formação das crianças, dos jovens e até dos adultos. Porque, sendo uma referência no nosso imaginário, quando falham no seu exemplo dão um bom pretexto para os outros, que até aí não se atreviam, passarem a fazer o mesmo ou pior. É, para o bem e para o mal, o caso dos professores. E a verdade é que os que promovem os protestos dessa forma contam com esse capital de respeito e temor reverencial quando se vitimizam. Contam que os pais e os alunos se sintam agredidos com os "ataques" aos professores e esse sentimento é explorado ao máximo. Verdade se diga que esse capital de confiança tem sido desbaratado,arrastando com muita injustiça os que o não merecem, mas isso é outro tema.
Mas também acho que outros deviam dar o exemplo, ou seja, põe-se a carga educacional em cima dos professores e demitem-se as famílias dessa função. E prolonga-se a "infância" até ao ridículo, admitindo com censuras frouxas ou buscando outros culpados, quando jovens universitários praticam actos tão graves como os que refere e que aconteceram de facto.
Mas uns não desculpam os outros e tenho dificuldade em perceber com que autoridade um professor tenta pôr na ordens alunos que assistiram a manifestações como algumas a que já assistimos. Isto não se confunde com direito a reivindicarem ou a manifestarem-se e isto vale para outras profissões, incluindo os outros funcionários públicos. Desculpe o exemplo um pouco primário, mas quando eu digo às minhas filhas para "terem termos" estou à espera de ver o comportamento que corresponde à educação que lhes proporcionei e que não exijo de quem não teve a mesma oportunidade.Cada um deve expressar-se de acordo com os padrões que lhes foram transmitidos e é suposto haver padrões exigentes em profissões de referência. Como é o caso dos professores. Muito mais grave seria não esperarmos isso mesmo.

Fernando Reis disse...

Desculpem lá, autor e comentadores deste post, mas os professores não podem fazer manifestações?
Essa é uma ideia, no mínimo estranha.
Já somos maltratados por todos, mal pagos, forçados a trabalhar sem ser pagos, forçados a pagar o nosso material para trabalhar, e agora querem dizer-nos que não podemos entrar em manifestações, ou seja, somos cidadãos de segunda ou terceira categoria?
Essa de os professores serem uma elite...deve ser por isso que não se reformam ao fim de meia dúzia de anos...
Quanto à ideia da manifestação dos alunos sobre a falta de qualidade sobre a comida, é evidente que há um erro por parte de alunos e/ou professores: se ninguém se queixou, como querem que o problema seja resolvido?
Com uma manifestação?
Posso garantir que os professores não fazem manifestações sem queixas, e que nesse ponto não dão maus exemplos.

Bart Simpson disse...

os maus exemplos vem de cima. Sócrates deu indicações aos seus ministros para não aparecerem nas leições, mas ele tem corrido o país.
Quem está mal não são os professores. É muito fácil entrar pela comparação barata, tentando calar quem tem direito ao trabalho com condições (mas isso era outra discussão...)

Fernando Reis disse...

Caro Pinho Cardão
Esta sua explicação altera a minha interpretação, mas não foi isto que eu li no seu primeiro texto.
Penso que a situação é bem mais simples do que a sua interpretação. Basta alguém, pais ou professores, explicar que não são precisas manifestações por tudo e por nada.
Daí a dar a ideia de que os professores fazem manifestações por tudo e por nada, ou que ocupam todo o seu tempo com manifestações, vai um passo gigantesco.
E eu não gostei nem gosto dessa interpretação. Com o devido respeito.

O Reformista disse...

Caros amigos

Para desanuviar sugiro que leiam o texto " A fábula dos porcos assados" que publiquei hoje no Reformista. Que não tem a ver com o que aqui se debateu, ou será que tem?

Tonibler disse...

Desculpem lá, mas agora os professores são 'vacas sagradas'? Foram pobres cidadãos recrutados à força? Posso recordar os senhores que inúmeros sacrifícios são feitos neste país para que os professores sejam pagos muito acima daquilo que uma empresa qualquer paga por igual produtividade? É que destes comentários fico com a sensação que o Pinho Cardão foi cuspir à campa do soldado desconhecido...
Os professores têm todo o direito a manifestar-se. Como eu tenho o direito de achar o meu filho não tenha que ver o seu professor a fazer dele cartaz de manifestação e que tal não corresponde àquilo que pago. Portanto, que tal exercermos todos os nossos direitos? Os professores a manifestarem-se e eu(cidadão, contribuinte) a não pagar?

crack disse...

Cara Suzana Toscano
Não apenas compreendo que comentasse, como em nada me surpreende que comente desta forma, com a elevação a que nos habituou. Esta minha resposta não tem como pressuposto qualquer discordância em relação ao que escreve, mas apenas uma pequena pontualização de um ou dois dos aspectos que ambos acabámos por abordar, embora de forma diferente.
Julgo que transparece do meu comentário anterior: primeiro, que também entendo que algumas profissões têm uma particular responsabilidade, nomeadamente na imagem (eu prefiro dizer exemplo), que transmitem; segundo, que não desculpabilizo os erros de docentes, com a responsabilização que faço dos pais; finalmente, que, em geral, discordo de todo o tipo de manifestações que ponham em causa o respeito que cada um deve a si próprio, mas também áqueles que, de alguma forma, representa.
O meu comentário ao post de Pinho Cardão assentou numa linha de pensamento que me vem preocupando, a partir da observação de como se tem formado a opinião pública sobre estas questões: por um lado, assistimos, por oposição a uma accção quase persecutória dos professores, a uma permanente desculpabilização dos pais na acção educativa/formativa das crianças e jovens, sobretudo quando, nesta, se equaciona o relacionamento com a escola; por outro, encontramos nas palavras e nos actos dos responsáveis políticos uma intencionalidade culposa na corrupção da imagem de certos grupos profissionais que, pela natureza das suas funções e responsabilidade social destas, esperamos ver sempre comprometidos com um comportamento irrepreensível e com uma ética profissional blindada, que não admitimos ver quebrada. Esquecemos, no entanto, que quem começa por esquecer a responsabilidade moral que depois exige são esses mesmos responsáveis políticos. Como polícias, forças de segurança, magistrados e outros, estão, neste caso, os professores.
Tal como noutros domínios, também no caso da educação me parece haver algum desvirtuamento do papel de cada um dos grupos em presença, e da sua responsabilidade efectiva, que, julgo, poderá conduzir, a curto prazo, a uma conflitualidade perigosa, de que temos já muitos sinais. Direi, em síntese, que, para mim, a primeira linha da responsabilidade moral (para só falar desta) para com os jovens reside nas famílias. Destas, se espera o inculcar de valores e princípios estruturantes de toda a vida. Será isto minimizar o papel e a responsabilidade dos professores? De modo algum. Nesta linha de pensamento, parece-me sempre muito mais grave para a formação dos jovens os maus exemplos (como, entre outros,aqueles que referi anteriormente) provindos dos pais e família próxima. Por outro lado, importa não esquecer que a atitude sistemática, por parte da comunicação social e de responsáveis políticos, de condenação e, em certos casos, mesmo de aviltamento, da classe docente, acaba por justificar atitudes de maior radicalismo por parte desta. Não seria desejável que acontecesse, mas, infelizmente, começa a tornar-se compreensível a sua ocorrência. Pelo que atrás fica dito, parece-me que, neste domínio, é muito difícil manter uma linha de actuação que, no respeito pelos direitos das partes em presença, assegure um padrão de comportamento eticamente digno.
Cara Suzana Toscano, concordo inteiramente consigo que será muito grave não esperarmos, sempre, esse padrão de comportamento, mas, ao mesmo tempo, pergunto-me se não estaremos a ser profundamente injustos, ao termos essa elevada expectativa, nas lamentáveis circunstâncias que foram criadas à classe docente e no contexto de permissividade e irresponsabilidade social em que vivemos.

Anthrax disse...

Olá, olá! Sei que venho fora de tempo, mas como estou de férias, tenho aproveitado para dormir (literalmente).

É assim, não querendo insultar a inteligência de ninguém, é verdade que em relação aos professores parece que têm a cabeça a prémio. Mas também é verdade que, face à inerência de funções, devem ter um comportamento adequado até porque o que o Tonibler refere no seu comentário é bastante verdade. Nenhum professor foi submetido a uma recruta compulsiva e são muito bem pagos se tivermos em consideração a comparação com as entidades privadas. Mais, se eu tivesse um professor que usasse um filho meu como cartaz, haveria cena de pugilato de certezinha absoluta, logo à cabeça porque não é para isso que lhes pago.

Trabalho com professores com muita frequência e em, pelo menos, 95% dos casos, ao fim de 10 minutos apresento tendências homicidas pelos mais diversos motivos. Felizmente, os 5% que sobram, chegam para me apaziguar o espírito e achar que no meio disto tudo há esperança, porque há professores que são excepcionais e desenvolvem um trabalho brilhante. Mas não são estes 5% que eu vejo a manifestarem-se, porque estes 5% andam demasiadamente ocupados, a fazer o que os outros 95% não fazem, porquê? Porque estes 95% passam mais tempo a queixar-se do sistema e que a vida lhes corre mal, do que a trabalhar de facto.

Assim, a única coisa que tenho a dizer é que, os professores - tal como qualquer outra classe - têm o direito de se manifestar. Mas como a existência de um direito pressupõe a existência de um dever (algo que a maior parte dos individuos parece esquecer-se), os professores tê igualmente o dever de se comportar.

Suzana Toscano disse...

Caro Crack, estamos completamente de acordo. A sua resposta vem chamar a atenção para um aspecto que eu não tinha referido mas que é muito relevante: o discurso político desastrado a que temos assistido estimula os radicalismos e dá pouca margem para a serenidade. É óbvio que o tipo de medidas que se pretende adoptar nunca poderia ser aceite pacificamente pelos grupos respectivos, não vale a pena termos ilusões. Mas também é verdade que não se pode passar sem transição de um discurso protector e laudatório que tanto contribuiu para que certos sectores se considerassem invulneráveis, para a linguagem inaceitável e populista dos "privilegiados" que trabalham mal e ainda reclamam. Estes grupos como os professores, os médicos, os juízes e os funcionários públicos enquanto "classe" passaram de anjos a demónios quase sem transição, à custa de uma mensagem agressiva ditada pela nova moda de ter que se fazer tudo nos primeiros meses de Governo, antes que se vislumbrem eleições.E é nisto que falha a política, mesmo que tecnicamente as medidas sejam correctas, e é por isso que vivemos esta confusão e descrédito geral, onde todos acham que vale tudo para atingir os seus objectivos - o Governo fragiliza as corporações que pretende "reformar" para ganhar apoio da opinião pública contra os "maus"; e os grupos-alvo defendem-se como podem sem repararem que desbaratam a sua dignidade aos olhos dos cidadãos atónitos. Como bem compreendeu, não se trata de pôr em causa o direito à manifestação seja de quem for, mas não me parece nada indiferente o modo como cada um se exprime. Haja respeito, em resumo. De parte a parte.