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sábado, 16 de dezembro de 2006

“Liberdade, direito e estilos de vida”…

A liberdade em optar por determinados comportamentos ou estilos de vida é um direito que, aparentemente, ninguém contesta. As afirmações segundo as quais eu fumo, eu bebo, eu como o que quiser, eu faço o que entender, mesmo conhecendo que tais práticas constituem factores de risco que possam por em causa a sua saúde, porque existem evidências nesse sentido, são aceites como sinal inequívoco de um direito intocável. Mas há quem comece a questionar esse direito, porque as consequências daí resultantes para a sociedade, que tem que os “suportar” e pagar os ditos “desvios”, são pesadas para os restantes cidadãos que têm de dar a sua contribuição, ficando prejudicados no retorno. É um facto. Não é nada agradável ver os nossos impostos serem canalizados para certos casos, perfeitamente susceptíveis de prevenção, caso houvesse mais cuidados com as opções tomadas. Mas não é justo proceder a qualquer hierarquização de prioridades, em matéria de acesso à saúde, em função de ser, por exemplo, fumador ou não fumador, abstémio ou alcoólico, só para citar duas situações comuns. Qualquer acto neste sentido é sinónimo de discriminação, levando a desigualdades noutras áreas, com graves consequências sociais. Deste modo, independentemente do perfil comportamental, todos, sem excepção, deverão ser tratados em perfeitas condições de igualdade. Mas, o tal direito que cada um afirma ter em relação ao seu destino pode vir a ser alterado futuramente graças a um novo paradigma em construção. A afirmação, segundo a qual cada um tem o direito de escolher o modo e estilo de vida que lhe apetece, porque se houver consequências são os próprios a sofrer, pode não ser verdadeira. Isto é, há forte possibilidade de as consequências não se materializarem só no próprio mas estenderem-se a futuras gerações. Sendo assim, poderemos perguntar: - Será legítimo comprometer a saúde de um filho, de um neto, de um bisneto, por causa do estilo de vida adoptado? Os descendentes poderão vir a sofrer consequências graves por causa dos maus hábitos ou estilos de vida adoptados pelos seus antepassados. Não se trata de doenças genéticas, mas de modificações operadas a nível do ADN que tende a “perpetuar-se” no futuro. Será legítimo agravar ou aumentar o risco de, por exemplo, uma doença neoplásica, num descendente, devido ao comportamento dos pais ou dos avós?
As evidências científicas nesta área começam a ser bastante esclarecedoras a ponto de poder por em causa o tal direito à liberdade na escolha de um estilo de vida, porque terceiros, que ainda irão nascer, terão de pagar por erros para os quais não contribuíram.
Todos deverão ter direito a serem tratados em pé de igualdade, independentemente das opções tomadas, mas deverão começar a respeitar os direitos de outros que um dia irão nascer, e, para os respeitar, terão de começar a alterar os seus actuais estilos de vida. Dizem que a liberdade de uma pessoa termina no ponto onde começa a de outro. Nesta perspectiva o conceito deixará de ser meramente espacial, passando a ser transgeracional...

8 comentários:

Tonibler disse...

Uma coisa é consumo de substâncias que claramente afectam a saúde dos seus consumidores, outra coisa é estilo de vida. Esse consumo já é fortemente taxado e deve suportar os custos adicionais que traz à comunidade.
A extrapolação para "estilo de vida" é algo que devemos repudiar de forma clara, para não termos novos "autocolantes" para colar nas pessoas conforme identificamos um dos comportamentos "proibidos". Ser fumador não implica mais nada que não ser fumador.

Carlos Monteiro disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Carlos Monteiro disse...

O Professor referia-se ao facto de o vício de fumar ser transmitido geneticamente, segundo creio (é verdade Professor?).

Acho que os condicionalismo à minha vida pela ditadura do "clinicamente correcto" já são tão grandes, e impostos por aqueles que existem, que condicionar os meus comportamentos por causa daqueles que não existem é cercear verdadeiramente a minha liberdade, que passa inclusive por decidir que eles nunca vão existir.

Acho que é ir longe de mais.

Massano Cardoso disse...

Meus caros.
A explicação é mais simples. Certos produtos utilizados pelas pessoas, quer sejam resultantes de actividades industriais ou de muitas fontes de poluição, ou de opções individuais que condicionam ou resultam dos nossos estilos de vida e comportamentos provocam alterações do funcionamento do ADN, provocando inibição de certas zonas que tem capacidade de protecção, "libertando", por exemplo, outras tais como "oncogenes". Deste modo ocorrerão certas doenças. Mas esse "adormecimento" não fica acantonado ao indivíduo em questão. Tem capacidade de continuar na geração seguinte e quem sabe noutras, condicionando o futuro de muitas pessoas. Trata-se de um problema epigenético que começa a ser agora conhecido e que naturalmente obriga à construção de novos paradigmas de responsabilidade individual e transgeracional. Não é ir longe de mais! Os conhecimentos que vamos adquirindo irão obrigar-nos a reflectir sobre esta matéria. Causa certa confusão? Claro que provoca! Mas havemos de falar mais vezes neste assunto. Não se trata de um atentado aos direitos de ninguém, mas mais uma responsabilidade a acrescentar às muitas que já temos e que não cumprimos...

Anónimo disse...

Perdoem-me a extensão do texto que se segue. Caro Prof. Salvador Massano Cardoso, vou no futuro procurar pelo menos não ultrapassar o tamanho do texto original!

A receita obtida através das taxas de consumo não cobre nem de longe a despesa da saúde pública com as doenças provocadas ou facilitadas por esse mesmo consumo. Por outro lado, está assegurada a liberdade de escolha, se bem que menos ou mais fortemente reprimido o seu consumo público, seja pelo recurso a horários, seja pela via dos locais. Bem sabemos que não basta levantar impostos e legislar indiscriminadamente, sem qualquer tradição e/ou sem prévias campanhas bem concebidas.

O caso da legislação introduzida em Espanha sobre os locais públicos para fumadores é considerado muito satisfatório – e tem uma base de razoabilidade de “justiça” que não deixa muito espaço de argumentação para aqueles que estão contra. O governo Zapatero, que sofre de bluff no capítulo económico e já cometeu erros políticos grosseiros nos domínios do interior e dos negócios estrangeiros, noutras áreas não tem dito nem tem feito tantas asneiras como se julga.

A legislação portuguesa na matéria – cuja aprovação se previa, com algum optimismo, para antes de Agosto último – é semelhante. Se resultar, teremos vinculativamente restaurantes para fumadores, restaurantes para não fumadores e outros restaurantes com um espaço bem isolado, a título temporário, para fumadores ou vice-versa, para se decidirem sobre que opção acertada tomar quanto ao tipo de clientela. Naturalmente, é necessário fazer preceder um pacote repentino e “violento” como este por uma bem organizada sensibilização do público.

Os resultados, pelo menos em Espanha – um país com uma altíssima taxa de fumadores – são bons. Já quase ninguém se queixa – e fuma-se menos. Claro que vi numerosos pequenos estabelecimentos de província onde a lei não é respeitada, com a conivência geral. A fiscalização, que pode ser praticada pela polícia, não acode a todos os sítios, mas os valores das coimas deverão levar os prevaricadores a pensar duas vezes. Sobretudo, prevê-se que a saúde pública deixe de despender tanto dinheiro mal despendido – se se confirmar a descida da taxa de fumadores em 10-15%, pessoas que preferem o convívio social, intenso em Espanha, ao cigarro.

Como atacar melhor o sector do consumo de bebidas alcoólicas e outros? Poderíamos filosofar longamente, mas creio que estes – como o do consumo de tabaco, aliás – são domínios de grande delicadeza, a serem tratados por profissionais credenciados. Concordo que possa estar em causa o abandono, ou a adopção, de um estilo de vida diferente. Um estilo de vida não é às vezes, é sempre. Se fosse só às vezes, eu seria o primeiro a dizer assim: é maior o prejuízo emocional de o não ter feito do que o eventual dano físico de o fazer.

Carlos Monteiro disse...

Caro Professor,

Se eu for uma pessoa absolutamente sem vícios (era bom era...) mas portadora de uma qualquer característica genética sobre a qual tenho uma grande margem de certeza de trazer prejuízos de saúde aos meus descendentes, deverei cercear o meu direito à paternidade?

Sei que o contexto não é o mesmo, no seu caso está a referir pessoas que prejudicam conscientemente a sua saúde. Mas os efeitos futuros são os mesmos sobre os descendentes.

A questão que coloco é: deveremo-nos submeter a essa ditadura do "clinicamente correcto" em nome de pessoas que não existem?!

Massano Cardoso disse...

Caro cmonteiro

Não se trata de uma questão de "vícios", nem de ser portador de qualquer característica genética que possa trazer prejuízos, porque todos, sem excepção somos portadores de anomalias genéticas (nem faz ideia!). O que pretendo dizer é o seguinte: se eu sei que a opção de um determinado hábito(algo adquirido) pode provocar alterações na estrutura do nosso ADN e, consequentemente, provocar problemas em pessoas que venham a nascer, devemos reflectir se é justo transferir as consequências para alguém que nunca assumiu essa opção comportamental.
Não se trata de qualquer espécie de ditadura, nem mesmo clinicamente correcta, trata-se sim de aplicar os nossos conhecimentos e adaptá-los a novas responsabilidades.
Claro que pode argumentar e se não houver intenção de produzir descendência? Bem, aí as coisas poderão ser diferentes!

RuiVasco disse...

Eu fumador não sou! Alcoolico tb não, embora aprecie um bom vinho, de preferencia a acompanhar um bom prato!
Portanto se o problema se fica pelo fumo, estou descansado! Se alarga a outras àreas, as gastronomicas, por exemplo, está a levantar-me problemas de consciência, a esta hora de um fim de domingo, com que não contava. Mais ainda o post que, acabei de colocar, noutro seu comentario (Vegetariano) sobre a dobrada e o cozido á portuguesa que hoje andei por aí a apreciar! Espero poder dormir de consciência tranquila, e não pensar nessas altareçoes de ADNs, com efeitos nas gerações dos meus filhos, dos netos ou dos bisnetos, que potencialmente poderei vir a ter!