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quarta-feira, 29 de novembro de 2006
O Discurso
Quando fez 80 anos a família juntou-se toda para celebrar.
Os irmãos, a mulher, os filhos, os netos, tudo numa algazarra que ele ouvia vagamente, naquele jeito que a doença lhe deixou de estar presente silencioso, de querer sossego com todos à volta. Não gostava que o vissem debilitado, não queria que as suas mãos formidáveis deixassem cair os copos e se recusassem a segurar a faca com firmeza.
Mas festa é festa, e ele vestiu-se a rigor e sentou-se à cabeceira da mesa.
Na altura do brinde todos pensaram que não ia falar e, por uma vez, não se fazia silêncio para ouvir os seus discursos, sempre tão cómicos, misturados com frases de filmes, de livros e trocadilhos, que depois ficavam a decifrar até ele acabar com as discussões.
Mas ele levantou-se a custo, pegou na taça com a mão trémula e ficou assim um momento, como que perplexo com a penumbra da sua memória.
Virou-se então para a mulher, sua paixão desde menino, e disse:
-“Só quero agradecer a Deus ter-me permitido amar tanto esta mulher. Para tão grande amor, foi curta a vida…”
E sentou-se, alheado, como se as palavras tivessem saído sozinhas.
Foi o discurso mais bonito da sua vida.
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12 comentários:
Suzana
Já que não se pode fazer um brinde à saúde ao menos façamos um brinde à memória...
Nem de propósito… festejámos no passado domingo, em família, o octogésimo ano de vida de meu pai. Também ele um pouco alheado, ou assim nos parece, de tudo o que se movimenta à sua volta e que tem a ver sobretudo com o ram…ram do dia-a-dia. Afinal aquele homem já viveu muitos dias iguais e aqueles que subsistem na sua memória, são sobretudo os que lhe trouxeram as grandes alegrias, ou os grandes desgostos, as conquistas e as derrotas. O meu pai não é um homem com formação académica, mas é sobretudo alguém com uma capacidade excelente para avaliar a qualidade humana. Tenho recebido dele valores inestimáveis que abraço com carinho e tento transmitir do mesmo modo, aos seus netos. Também eu, agradeço a Deus ter-me bafejado com a sorte de ter aquele homem como pai. Ele não discursou, na hora de receber de todos, os votos de parabéns, mas o olhar que devotou a minha mãe denunciou o amor que os uniu e fortaleceu nas agruras que venceram durante os já cinquenta e dois anos de vida em comum. Que Deus os abençoe.
sempre lindissimos os seus posts...
Um dia, ainda me haverá de dizer como é que escreve estas coisas. É que eu, não tenho tacto nenhum.
Brindemos, sim, Massano Cardoso, isso também nos dá saúde!
Caro Bartolomeu, a coincidência que tão bem assinalou permite que lhe envie os parabéns pelos 80 anos do seu pai e os votos de que possa sempre ter ainda muitos outros bons momentos como o que descreve. É interessante ver como um grande amor é a marca que fica para além de todas as coisas...
Menino Mau e Anthrax, é um prazer escrever para estes leitores!:)
Grandioso post, como sempre...
Brindemos Suzana, ao amor!
Porque os discursos mais bonitos não são os mais elaborados na escrita: são aqueles em que fala um coração aberto ao amor! Por isso as palavras parecem sair sozinhas!
Tais como os posts caro Anthrax, em cometário à sua excelente pergunta! Acho que a Suzana escreve com o coração. Nós, por vezes, só teclamos sem deixar o coração falar!
Um abraço
Caro RuiVasco, há poucas coisas que valha a pena dizer com o coração mudo. Lá diz o Principezinho, "o essencial é invisível aos olhos"...
É isso mesmo, Pinho Cardão, acertou em cheio. Grande sorte a nossa, que tão boas memórias guardamos de quem achou sempre que é muito mais importante saber amar que querer ser amado. Uma coisa vem com a outra, dizia ele, se quem é amado valer a pena!
Lindo testemunho, Suzana.
Querida Suzana,
O amor da Filha pelo Pai é lindíssimo.
Só um coração grande pode com tanta simplicidade falar assim, com tanto carinho e ternura.
As palavras do Pai sobre o amor e a vida são tão verdadeiras, mas andam sempre tão esquecidas.
A vida é curta quando a felicidade é longa e o amor é intenso.
Porque a vida é curta não deveríamos esquecer que a única coisa que nos deve preocupar é ser felizes.
Não há várias receitas para a felicidade, só há mesmo uma, que é única, AMAR!
Cara Suzana, como lhe agradeço, ter-me lembrado,desta forma tão terna, o meu próprio pai. A última palavra que ele disse foi o nome da minha mãe, o seu último olhar foi, também, para ela, com o imenso amor de sempre.
Que bom, ter voltado a poder lê-la, lembrando-nos o que verdadeiramente conta.
Olá Crack, um grande abraço para si.
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