O odor tem desenvolvido um papel importante na evolução de muitas espécies ao permitir encontrar alimentos, parceiros sexuais e, em determinadas circunstâncias, facilitar a propagação de doenças através de mosquitos-mercenários.
Não querendo entrar em pormenores evolutivos, alguns dos quais são bastante interessantes, gostaria de fazer uma análise comparativa entre uma interessante crónica e uma notícia recente. O denominador comum é o odor.
A crónica é da autoria de Mário Vargas Llosa com o título “O Odor da Pobreza” publicada no El País. O escritor recorda que, durante uma viajem, parou, no meio de uma pampa, no alto da cordilheira, num posto policial, solicitando ao oficial que lhe indicasse os lavabos. Lá lhe apontou o sítio que não era mais do que “um miserável curral onde pairavam nuvens de moscas além de um cheiro vertiginoso”. A partir desta recordação, aliada à leitura de um extenso relatório das Nações Unidas sobre a pobreza e a crise mundial da água, o autor analisa de forma superior as condições de vida de grande parte da população mundial, que vive na miséria, sem condições mínimas de abastecimento de água, sem esboço de saneamento, adoecendo e morrendo como tordos, sobretudo as crianças.
De facto, a pobreza tem cheiro, um cheiro a pestilência, mais pestilento do que aquele que sentiu nos lavabos perdidos no alto da cordilheira.
Se a pobreza tem odor pestilento, algumas sociedades não têm razão de queixa já que desfrutam de múltiplas e agradáveis fragrâncias distribuídas de várias formas, muitas das quais são do conhecimento geral. Mas parece que a necessidade de gozar os seus efeitos está a ganhar novas formas, tais como a publicidade-olfactiva ou o seu uso em locais públicos, restaurantes, lojas, supermercados e repartições públicas. Fragrâncias exóticas vão começar a inundar a cidade de Lisboa. Algumas têm efeitos especiais: estimulam o consumo, tranquilizam e obrigam a voltar ao local, enfim, os objectivos são modificar o comportamento ou estimular o consumo.
É grande a variedade de produtos: fragrâncias de café, chocolate, bambu, pimenta e até de melão, só para citar algumas. Os promotores, segundo a notícia, já estão a negociar com dois bancos para colocarem fragrâncias capazes de fazer perder a noção de tempo nas filas de espera! Não sei se as repartições de finanças não passarão a utilizar substâncias capazes de tranquilizar os contribuintes e até "convidá-los" para se deslocarem mais vezes a tão interessantes santuários. Quanto ao ministro da saúde, poderia utilizar fragrâncias tipo repelente (mas que cheirassem bem!), nos serviços de saúde.
A aposta está lançada, enquanto uns narizes irão continuar a usufruir do odor da pobreza, outros irão gozar com múltiplas e funcionais fragrâncias.
Parafraseando Llosa, “viver na sujidade não só enferma o corpo mas também o espírito”. Mas viver na “limpeza” pode ser um sinal de doença do espírito e quem sabe se não enferma o corpo…
Não querendo entrar em pormenores evolutivos, alguns dos quais são bastante interessantes, gostaria de fazer uma análise comparativa entre uma interessante crónica e uma notícia recente. O denominador comum é o odor.
A crónica é da autoria de Mário Vargas Llosa com o título “O Odor da Pobreza” publicada no El País. O escritor recorda que, durante uma viajem, parou, no meio de uma pampa, no alto da cordilheira, num posto policial, solicitando ao oficial que lhe indicasse os lavabos. Lá lhe apontou o sítio que não era mais do que “um miserável curral onde pairavam nuvens de moscas além de um cheiro vertiginoso”. A partir desta recordação, aliada à leitura de um extenso relatório das Nações Unidas sobre a pobreza e a crise mundial da água, o autor analisa de forma superior as condições de vida de grande parte da população mundial, que vive na miséria, sem condições mínimas de abastecimento de água, sem esboço de saneamento, adoecendo e morrendo como tordos, sobretudo as crianças.
De facto, a pobreza tem cheiro, um cheiro a pestilência, mais pestilento do que aquele que sentiu nos lavabos perdidos no alto da cordilheira.
Se a pobreza tem odor pestilento, algumas sociedades não têm razão de queixa já que desfrutam de múltiplas e agradáveis fragrâncias distribuídas de várias formas, muitas das quais são do conhecimento geral. Mas parece que a necessidade de gozar os seus efeitos está a ganhar novas formas, tais como a publicidade-olfactiva ou o seu uso em locais públicos, restaurantes, lojas, supermercados e repartições públicas. Fragrâncias exóticas vão começar a inundar a cidade de Lisboa. Algumas têm efeitos especiais: estimulam o consumo, tranquilizam e obrigam a voltar ao local, enfim, os objectivos são modificar o comportamento ou estimular o consumo.
É grande a variedade de produtos: fragrâncias de café, chocolate, bambu, pimenta e até de melão, só para citar algumas. Os promotores, segundo a notícia, já estão a negociar com dois bancos para colocarem fragrâncias capazes de fazer perder a noção de tempo nas filas de espera! Não sei se as repartições de finanças não passarão a utilizar substâncias capazes de tranquilizar os contribuintes e até "convidá-los" para se deslocarem mais vezes a tão interessantes santuários. Quanto ao ministro da saúde, poderia utilizar fragrâncias tipo repelente (mas que cheirassem bem!), nos serviços de saúde.
A aposta está lançada, enquanto uns narizes irão continuar a usufruir do odor da pobreza, outros irão gozar com múltiplas e funcionais fragrâncias.
Parafraseando Llosa, “viver na sujidade não só enferma o corpo mas também o espírito”. Mas viver na “limpeza” pode ser um sinal de doença do espírito e quem sabe se não enferma o corpo…
2 comentários:
Professor Massano Cardoso,
Que bela ideia...Palpita-me que vai ser um negócio promissor.
Basta pensarmos na infindável lista de crises e problemas, para imaginarmos a panóplia de fragrâncias, aromas e perfumes que irão impregnar as nossas vidas e invadir todo o espaço público.
Ficaremos bem adormecidos e amolecidos, como convém, esquecendo as promessas que nos fazem mas que tardam em acontecer, apagando tristezas e desilusões.
Esperemos que uma tal "propaganda" seja contratada mediante concurso público, garantindo assim que esta "revolução" odorosa será feita ao mais baixo preço e nas melhores condições de mercado.
A propósito de odores e do modo como eles integram e se associam à nossa percepção das coisas recomendo a leitura de "O Perfume" de Patrick Süskind, em que o protagonista é dotado de um olfacto apuradissimo que o atormenta, ao mesmo tempo que ele próprio é destituído de odor... Um livro notável que agora está aí no cinema, mas este eu não vi, acho que é difícil que transmita as "sensações" que o livro nos dá.
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