1. Nos últimos dias ficamos a conhecer significativos desenvolvimentos na importantíssima retórica da desculpabilização.
2. Estes desenvolvimentos envolvem uma dupla novidade: (i) terem sido lançados por destacados representantes da classe empresarial e (ii) terem por alvo a Snr.ª Merkel, Chanceler (Chancellor) do Governo Alemão, considerada responsável pela subida das taxas de juro da dívida pública portuguesa nos últimos 15 dias.
3. É obvio que uma crítica dirigida à Snrª Merkel, nos termos em que foi emitida, nunca poderia ter sido expressa pelos nossos dirigentes políticos, com receio de levarem um valente “puxão de orelhas” em próxima cimeira europeia, uma vez que a Senhora parece não gostar desse tipo de brincadeiras...
4. Assim avançaram as segundas linhas - neste caso na pessoa dos tais destacados dirigentes empresariais - substituindo-se aos políticos no exercício da indispensável retórica da desculpabilização e demonstrando assim estarem aptos a servir a Pátria nestes momentos mais difíceis, em que há que oferecer “o corpo às balas”...
5. Passando por cima dessas críticas, a Snr.ª Merkel veio ontem insistir na razão de ser das posições assumidas, afirmando, segundo a edição do F. Times de hoje, “não ser justo que os contribuintes europeus, em geral, sejam em exclusivo os financiadores de programas de assistência financeira a países altamente endividados”, numa referência clara à Grécia, Irlanda e Portugal, pelo menos...
6. Assim, a Snr.ª Merkel continua a entender que os credores privados (detentores de obrigações e outros títulos) dos países que, por excesso de endividamento, vierem a necessitar de assistência, deverão suportar uma parte dos custos de futuras reestruturações dessas dívidas, nomeadamente através de um desconto no valor nominal de tais dívidas...
7. Este entendimento, que deriva da crescente hostilidade da opinião pública alemã em relação aos países do Euro altamente endividados, causou, como é natural, um elevado desconforto no mercado das dívidas dos países mais endividados, induzindo vendas das mesmas e uma forte subida das taxas de juro que só a intervenção misericordiosa do BCE, ontem e hoje, permitiu atenuar...
8. Com a culpabilização da Snrª Merkel pela subida dos juros, ficamos pois a saber, mais uma vez, que Portugal nada tem a ver com esse assunto da subida dos juros e que esta Senhora se veio juntar ao grupo dos nossos inimigos de estimação, a saber: as agências de rating, os mercados, os americanos que atentam contra o Euro (sem conhecimento de Obama), os especuladores de casino...eu sei lá, são tantos que já nem têm conta...
9. Bem pregam o Presidente da República e o Governador do BdeP, que não vale de nada culpar os mercados (e a Snrª Merkel, por maioria de razão...), mas as necessidades da retórica da desculpabilização são muito mais fortes...é preciso, é vital encontrar culpados, os dirigentes nacionais só respondem pelo que correr bem...
16 comentários:
Caro Tavares Moreira, corrija-me por favor se estiver errado no meu pensamento.
A ideia que me dá é que o governo alemão pretende a todo o custo limitar o endividamento dos paises irresponsaveis. Para isto tentou o mecanismo europeu das sanções automáticas que esbarrou com as objecções que conhecemos. Não tendo esse tiro sido certeiro está agora a ir por outro lado, a responsabilização dos credores o que, na prática, garante que ninguém mais emprestará dinheiro a Portugal, Irlanda e Grécia o que tem o efeito de limitar realmente o endividamento destes países.
Estando o meu raciocínio correcto parece-me algo genial. Se os governos dos paises não sabem conter-se e ser poupados, então são obrigados a se-lo pelos mercados dado depararem-se com a mais forte das razões para não gastarem dinheiro à doida: não o terem!
Estarei certo?
Ah sim?!
A sô Dona Merkel, bloqueia-nos a concessão de crédito!?
Então já não lhe compro o BM que ía oferecer à minha mulher pelo Natal, nem o Porshe Cayene que ía oferecer ao meu filho, nem o Audi para o meu outro filho, nem o Mercedezito que ía comprar para mim, também já não lhe compro o televisor, nem a aparelhagem Hi-Fi, nem o telemóvel, nem... olhe, o sô Socrates que lhe compre os submarinos...
É que a quantidade de gente a comer da teta da Sra Merkel (figurativo, claro, embora desagradável...) é tão grande que a lista de culpados abstractos não vai acabar. E enquanto houver culpados abstractos, não há culpados concretos e, não havendo culpados concretos, não há nada a fazer...
Caro Zuricher,
É mais ou menos isso, não tenho nada que corrigir nesse raciocínio.
Não fora o BCE e a coisa estaria a esta hora muito preta...
Mas BCE significa, em última análise...o contribuinte europeu, daí que tb os teutónicos tenham já manifestado o seu desagrado em relação à generosidade do BCE.
BCE que está funcionando mais ou menos como uma mútua dos altamente endividados e dos menos ou nada endividados, transferindo destes para aqueles...
Caro Bartolomeu,
Não diga isso tão abertamente, não apenas porque a Snrª Merkel ficará triste - isso até é o menos - mas sobretudo pelo novo site criado pela PGR para gáudio dos delatores profissionais ou obssessivos!
Caro Paulo,
É quase exactamente como explica, com a diferença de que a taxa anunciada como resultado de cada leilão é a taxa média ponderada das propostas aceites e não a última taxa.
Os leilões de dívida seguem o método "holandês", começando como refere pelas taxas mais baixas até ser atingida a chamada taxa de corte - que é a taxa mais alta aceite em cada leilão.
Caro Tonibler,
Os culpados concretos somos nós, o chamado "mexilhão" que tudo paga sem refilar - ou só refila em "fora" (plural de forum)pacíficos e civilizados como o 4R.
Daí que pareça, lhe pareç, só existirem culpados abstractos...a abstracção tem exactamente a ver com o exercício continuado, persistente, verdadeiramente obssessivo da retórica da desculpabilização...
E "nós" damos-lhes na realidade muito mais crédito do que se supõe...por exemplo quando pomos todos no mesmo "saco", os que prevaricam e os que não prevaricam...
Não ha problema, caro Dr. Tavares Moreira, porque o dinheiro com que tenciono pagar as aquisições(zitas), é tão virtual, quanto a recuperação económica que o Sr. Sócrates e o Sr. Teixeira, conseguem imaginar...
Caro Tavares Moreira,
Claro que somos os culpados concretos. Mas se "não formos", não temos nada a fazer que é, basicamente, a mesma coisa que se for a Merkel. Assumirmos que somos nós os culpados seria fantástico, mas isso não vai acontecer. E se somos nós os culpados, não percebo quem vamos tirar do saco que não seja...
Arriscando que se estaria a referir ao autocolante que os prevaricadores trazem ao peito para os separar, não tenho essa visão, caro Tavares Moreira. Estou certo que não é um autocolante que consegue travar os Vitalinos da vida ou conseguirá trava-los. Por isso, sim, os autocolantes estão todos no mesmo saco como, infelizmente, estarei a recordar-lhe aqui, no forum pacífico, se o próximo governo não tiver o autocolante do FMI.
Caro Tavares Moreira
Algumas pequenas achegas ao post:
a) A prisão por dívidas que eu me recorde, terminou, no mundo ocidental há, pelo menos 120 anos; por outro lado, com a revolução françesa terminou, definitivamente, a figura dos servos da gleba; há mais de 60 anos que terminou a responsabilidade ilimitada dos banqueiros; por último, a peça O Mercador de Veneza" analisa, entre outros temas a questão da obrigação desproporcionada; convenhamos que executar a garantia dada como penhor: uma libra de carne, é demasiado.
b) No mundo e na história da dívida soberana, o incumprimento é usual; como os países, em princípio, não desaparecem, não se corre o perigo de ver destruído toda a dívida, isto é, nunca existe perda total, como sucede, ou pode suceder com as falências. Nesse sentido, trocamos o risco de uma perda parcial, pelo risco de uma perda total; convenhamos que, a partir do momento que comprámos a dívida, não podemos invocar que não lemos as letras miúdas do contrato.
c) A Sra Merkle apenas reflecte, nos seus comentários algumas das conclusões/factos que enumero em a) e b). Nesse sentido é o porta voz do capitalismo renano com as virtudes e dos defeitos que possui. O que me espanta é ouvir representantes (lídimos!!??) do nosso capitalismo local que, é, na prática, uma versão pobre do capitalismo renano, usar uma linguagem própria do capitalismo anglo saxónico que não praticam e, em certos casos, abominam.
Há momentos em que me interrogo se é possível inculcar/inocular alguma dose do sentido do ridículo, pelo menos nas nossas elites....
Cumprimentos
joão
Isso é o que lhe parece, caro Bartolomeu...para os delatores obsessivos, tanto faz que o dinheiro seja virtual como real...
Leia sobre o tema, se a isso estiver disposto, o engraçado artigo do VPV na edição do Público de hoje...está lá tudo!
Caro Tonibler,
Coma culpa da Snra. Merkel posso eu bem...a minha - ou seja a que me é imputada forçadamente, pela via dos impostos - é que me custa bastante a suportar até porque sinto nada ter contribuido, bem pelo contrário, para a miserável situação em que nos encontramos...
Quanto aos prevaricadores - os incumbentes - coloca-los no mesmo saco que aqueles que se lhes opõem, independentemente das simpatias que estes últimos nos mereçam, equivale a branquear todas as suas asneiradas.
Coisa que eles, evidentemente, agradecem...
Tem razão, caro João, a retórica de representantes do capitalismo local exibe por vezes uma confrangedora vertente de vacuidade sonora...
No caso vertente, a indigência do conteúdo - mesmo que se trate de uma sonoridade emitida a pedido - aproxima-se do umbral da obscenidade...
Caro Tavares Moreira,
Com a culpa da Merkel podemos todos bem, por isso é que metemos a culpa nela. E a asneira é nossa, dos que votam. Eu não votei neles, mas nem a minha mulher consegui convencer a não votar neles (revogar o direito de voto às mulheres ajudava...). E o meu caro, não votou no PSD, aquele que aprovou o orçamento? Então?!? Sabe o que se diz dos prevaricadores que ficam à porta...
Caro Paulo,
Uma coisa é a taxa de juro fixa que o título de dívida vence, outra coisa é a taxa de rendimento (yield) oferecida a quem comprar esse título no mercado.
Essas taxas só serão iguais se o título for transaccionado por um preço igual ao valor nominal.
Se o título for adquirido a preço inferior ao valor nominal, o investidor terá uma taxa de rendimento superior à taxa de juro fixa do título.
Se o preço de compra for superior ao nominal, a taxa de rendimento será inferior à taxa fixa do títuloSe não fui claro, agradeço que diga, com franqueza.
Caro Tonibler,
Estava longe de imaginar as limitações da sua magistratura de influência intra-muros...
Quanto ao cerne da questão, meu caro, eu não atribuo à aprovação do OE/2011 poderes mágicos (e retroactivos) de influência sobre os erros graves acumulados na gestão das finanças públicas ao longo dos últimos anos...
Caro Tavares Moreira,
Todos pensamos que iremos ser mais influentes que acabamos por ser...
Entre os erros, coloca os submarinos, mais as fantásticas "tecnologias" adquiridas pela administração interna, mais o Euro 2004, o metro do Porto, mais?... meu caro, antes da dívida do país já os autocolantes estão repletos de dívidas para pagar e estes são o reflexo da sociedade que tem. Uns dão golpes no trânsito, outros nas facturas e outros são mais eficientes, juntam-se a partidos, e dão-nos no país todo. E, até agora, ainda não vi nenhum partido que os conseguisse travar. Quando o PSD chegar ao governo verá como eles bóiam e vêm logo à tona.
Claro que a Senhora Merkel tem toda a razão, por muito que isso nos possa molestar. Por que raio de razão um contribuinte português teria que pagar os desmandos orçamentais da Grécia e a reforma dos gregos aos 55 anos? Por que raio de razão um contribuinte holandês teria que pagar a ruinosa política orçamental portuguesa?
E não é a taxa de juro que, no final, mede o risco de crédito? Os credores de Portugal incorporam esse risco no valor da taxa de juro. Por isso, o que a Srª Merkel diz é o mais natural possível. E o que já acontece. Se os credores correm riscos, fazem-se pagar. Naturalmente.
Caro Tonibler,
Infinitamente mais grave do que os episódios indubitavelmente despesistas que relata, foi a gigantesca farsa orçamental de 2005montada sobre uma suposta certificação técnica viciada por grave conflito de interesses, a qual marcou o início de um quinquénio de gastos sem controlo nem sentido que nos conduziram ao pantanal financeiro do qual teremos imensamente dificuldade em sair...vivos!
É isso mesmo, caro Pinho Cradão...sem tirar nem por!
caro Paulo,
Ora ainda bem, seja bem vindo ao mundo da dívida pública portuguesa - e outra tb, porque não?
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