1. Entre muitas outras afirmações generosamente afastadas da realidade proferidas pelo PM durante o debate orçamental, uma houve que deve merecer atenção pelo avançado estado de levitação que denuncia: “a subida dos juros da dívida não tem nada a ver com Portugal”...
2. Dei comigo a pensar: se a subida dos juros não tem nada a ver com Portugal...então parece lógico que Portugal tb não tem nada a ver com essa subida dos juros...
3. Deveremos assim concluir que o facto de termos de pagar juros mais altos pela dívida pública que precisamos aflitivamente de colocar - não tem nada a ver connosco?...obviamente que não...
3. E o facto desses juros mais altos nos serem exigidos por investidores de cujas poupanças não podemos prescindir para financiar despesas - nomeadamente as improdutivas que tanto prezamos - tem alguma coisa a ver connosco? É claro que não...
4. E o facto de os credores exigirem juros mais elevados por terem a noção de que constituímos um risco maior - também não tem a ver connosco? Obvio que não...
5. E o Governo ter demonstrado, com especial gravidade nestes últimos dois anos, manifesta incapacidade para conter o crescimento insustentável da despesa pública, determinando um rápido aumento do endividamento ao exterior e o consequente aumento do risco e dos juros - tem a ver connosco? Claro que não...
7. E os enormes desequilíbrios acumulados pela economia portuguesa, que destruíram grande parte do seu potencial de crescimento, tornando-a anémica e sem capacidade de reacção às melhorias da conjuntura externa e agravaram a noção do risco para os credores que por isso exigem juros mais altos - será que têm qualquer coisa a ver connosco? É claro como água que não...
8. Finalmente (e para não alongar muito esta listagem de factores que, explicando a subida dos juros, nos são inteiramente alheios), o facto de não ser possível uma correcção significativa do défice público sem uma contracção da economia, tornando muito mais exigente o processo de consolidação orçamental, nem mesmo isso, que certamente é percebido pelos credores externos e faz agravar os juros - tem qq coisa a ver connosco...mas que disparate, claro que não!
8. Em suma, nada mas mesmo nada neste processo de agravamento dos juros tem a ver connosco - basta-nos pois ter a lucidez suficiente para negar a evidência e com isso continuarmos felizes...
12 comentários:
Creio que o termo técnico (sem ironia...) é dissociação cognitiva. Bem, comportamento esquizofrénico também não estaria mal.
O ilusionismo, o populismo, a demagogia e o sofismo são propriedades dos seres que nos tentam animar todos os dias... que seres são esses? São aqueles afirmaram que:
1. A crise não afectaria Portugal;
2. Seríamos o primeiro país a sair da crise;
3. Os grandes projectos eram "absolutamente fundamentais;
4. Estavam a fazer as "reformas absolutamente essenciais";
5. Não aumentariam impostos, porque "não queriam afundar a economia";
6. Não desceriam salários, porque tal "não era necessário".
Quando ouvi um desses seres numa entrevista concedida, pela segunda vez em poucos meses a um canal de televisão onde nunca tinha posto os pés (será que isto tem alguma coisa a ver com o facto de se ter terminado com o Jornal de Sexta-Feira?), afirmar "Não precisamos da ajuda do FMI", pensei para os meus botões: "Bom, parece que a sua vinda está para breve"...!
Caro Eduardo F.
Embora muito menos (ou nada) técnico, creio que esfumação cognitiva tb não estaria mal...
Caro Fartinho da Silva,
Exacto, tenho a noção de que o "ser" ou ente que menciona estará a funcionar mais ou menos como um barómetro social invertido/avariado - dá a indicação sistematicamente errada/oposta do acontecimento que se segue...
As causas? Podem ser muitas, mas é possível que o ódio à realidade seja uma das mais relevantes...
Então? Não sabíamos já que estávamos sobre ataque dos especuladores da economia de casino e sujeitos à ditadura das agências de rating? Claro que a culpa não é nossa....
Caro Tavares Moreira
Para além do emagrecimento forçado que a classe política vais sofrer, terá, igualmente, um emagrecimento por força da incapacidade técnica para enfrentar a crise.
Devo confessar que esperava que este segundo emagrecimento sucedesse lá mais para finais de 2011; parece-me que me irei enganar quanto à data.
O episódio que serve de comentário é ilustrativo da incapacidade a que me refiro.
Para além dos motivos que aponta, os juros sobem porque os credores internacionais começam a ficar assustados com um comportamento que (como escreve Eduardo F) manifesta dissociação cognitiva acentuada.
Como pode um credor estar descansado com um PM que, além de ter uma interpretação curiosa da realidade, não informa os cidadãos do estado em que nos encontramos?
Neste momento já não podemos ter um discurso para "dentro" e outro para "fora". Isto de saberem e lerem português é uma chatice...
Assim, ainda nos "enrascamos" mais
Cumprimentos
joão
Com efeito, caro Tonibler, a prodigiosa frase que serve de título ao Post e que tem o efeito mágico de nos "isolar" das nefastas consequências das subidas de juros - em frustração, evidentemente - é ao mesmo tempo uma denúncia, corajosa e vanguardista, dos ataques dessa horda selvagem dos mercados, das agências de rating e da economia de casino...
Caro João,
A respeito deste mesmo tema, ainda hoje um dos responsáveis das Finanças declarava, em tom que já nos é familiar, que as taxas de juro para Portugal são excessivas ou exageradas...
Só não percebo, depois de ouvir esta declaração, porque motivo o MdasF/IGCP continua a ir ao mercado colocar dívida quando sabe que está excessivamente cara...
E mais, qual o motivo pelo qual o Governo mantém a obsessão de liquidar os Certificados de Aforro, que o obriga a levantar fundos a juros que ele próprio considera excessivamente elevados...
São estas incongruências que nos deitam a perder...
Parece que os especuladores ao serviço da economia de casino agora chegaram ao descaramento de não quererem emprestar-nos dinheiro... O descaramento a que chegaram os opositores do estado social!
http://www.ionline.pt/conteudo/86991-ja-nao-ha-bancos-estrangeiros-nos-leiloes-divida-portuguesa
Sobre a dissociação cognitiva...
São tantos factos inegáveis
que alguns pretendem esconder
em atitudes intragáveis
tão difíceis de compreender.
O mundo não pára de mudar,
uma mudança tão constante,
prosseguindo esse afundar
de um regime diletante.
Bem observado, caro Tonibler, estes barbaros do norte (por oposição aos "nambam jin" ou barbaros do sul, nome por que os portugueses se tornaram conhecidos no Japão quando lá aportaram) não têm o mínimo respeito pelo Estado Scoial que os nossos gloriosos dirigentes construiram, pedra a pedra, naquilo que tem sido a grande epopeia financeira do século XX/XXI!
Há que lhes dar caça, sem descanso nem quartel - começando, obviamente, por os acusar de especuladores, salafrários, iconoclastas do Estado Social!
Caro M. Brás,
Com a devida vénia, no último verso da 2ª quadra também não ficaria mal "de um regime agonizante"!
Que lhe parece?
Caro Dr. Tavares Moreira,
Parece-me que fica muito bem, de facto.
Óptimo, caro M. Brás, de rsto diletante e agonizante aprsentam-se como conceitos muito afins: o diletantismo exacerbado dos seus agentes conduz o regime a uma situação de agonia!
O grande problema é que a agonia do regime atinge os cidadãos com particular intensidade, quando por uma questão de justiça deveria restringir-se, circunscrever-se, aos ditos agentes que a causaram...
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