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terça-feira, 23 de novembro de 2010

A invenção da matemática...

Acerca de uma semana escrevi um post "4 * 9 = 2 * 3 * 6" sobre a matemática, ou melhor, sobre a falta que tanto faz. O nosso Caro Zuricher sugeriu a possibilidade de em capítulos seguintes abordarmos a questão do interesse da aprendizagem da matemática nas perspectivas de desenvolvimento e potenciamento do investimento num país. Aqui estou a tentar dar um contributo.
Foi uma óptima sugestão, porque, com efeito, não podemos ignorar a importância da matemática em domínios que são fundamentais para a modernização e a competitividade. E aqui entra a inovação que continua a ser o problema principal da nossa economia. Sem inovação não há exportação e, como bem sabemos, precisamos de aumentar o peso do sector exportador no PIB.
Foram divulgados recentemente indicadores sobre a evolução do investimento em investigação e desenvolvimento (I&D) realizado pelas empresas portuguesas que apontam para um aumento de 10% em 2009 face a 2008, correspondente a 1,7% do PIB. Esta melhoria está concentrada nas grandes empresas, sendo que as empresas de serviços – sistemas de informação, telecomunicações e energia - respondem por 58% do total da despesa, seguidas pela indústria transformadora com 25% e o sector químico, farmacêutico e agro-alimentar com 17%.
Apesar destes resultados animadores, a verdade é que continuamos a ter níveis insuficientes de inovação. Há vários factores que, tanto quanto me é possível compreender, explicam esta situação, entre os quais estão as baixas qualificações das empresas e os reduzidos orçamentos destinados à I&D e falta de investigação aplicada, esta última pela falta de ligações entre as empresas e as universidades e pela desadequação dos modelos de parceria entre ambos os pólos, através dos quais é feita a transferência de conhecimento e tecnologia.
A superação destes factores implica que tenhamos, também, que fazer grandes progressos na preparação em matemática, já que as áreas científicas mais envolvidas na inovação são as áreas, nos diversos ramos, da economia, gestão, engenharia e medicina. São domínios que requerem uma forte componente de raciocínio lógico e abstracto, quantitativo e analítico.
Deveríamos, por isso, fazer um grande esforço no ensino da matemática, alargando a base dos nossos jovens com boa preparação para seguirem os seus estudos com êxito nas áreas científicas referidas.
O discurso político da inovação, da competitividade e da exportação deveria ter a montante idênticas preocupações, primando por acabar com o insucesso escolar da matemática e buscando contextos e metodologias de ensino que assegurem uma formação de bom nível nesta disciplina.
Curiosamente, uma das maiores inovações de todos os tempos foi, justamente, a invenção da matemática, enquanto linguagem lógica para expressar a ideia de quantidade e de relação entre quantidades. Sendo ela inovação é, também, ela própria fonte de inovação. Para quem a domina…

11 comentários:

Fartinho da Silva disse...

Cara Margarida,

Sem disciplina, responsabilidade e trabalho não há ensino de matemática. Como entre nós se continua a considerar que é possível aprender matemática sem disciplina, responsabilidade e trabalho, que em eduquês se costuma designar de actividades lúdico-dedutivas, lúdico-abstractas, inclusivas e democráticas, nem vale a pena ter esta discussão.

Afirmo que não vale a pena, porque, sejamos sinceros, alguém está verdadeiramente interessado numa verdadeira alteração do status quo?

Anónimo disse...

Cara Margarida, muito, muito obrigado por ter abordado a importância da matemática e de forma tão clara como o fez. A matemática é essencial ao progresso das sociedades, dos povos e dos países. Infelizmente continua a não se lhe dar a atenção devida.

A rematar relembro apenas que um dos itens presentes nos rankings que ordenam os países consoante a sua atractibilidade para o investimento é precisamente a qualidade do ensino da matemática e das ciências.

Lute-se para dar-se aos jovens formação sólida, muito sólida, em matemática que está aí uma das bases para o futuro. Mas esqueça-se o "eduquês" tão bem ilustrado pelo Fartinho da Silva.

Obrigado por este post tão cheio de conteúdo! :)

depatasproar disse...

Quando temos jornalistas -- supostamente da área económica -- a referir que, com o aumento de um serviço público de 2,2%, e o IVA a passar de 21% para 23%, o aumento será de 4,2%, estamos conversados...

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Fartinho da Silva
Acho que vê o assunto com muito realismo e pragmatismo. Aprecio muito a sua frontalidade. Parece-me, contudo, que está a ser muito negativista.
Há muitas pessoas que tem consciência dos problemas. Tem havido muitas e variadas manifestações de preocupação. À medida que vamos sentindo os efeitos das opções políticas erradas que foram feitas vai havendo mais consciência da necessidade de mudarmos. É uma esperança.

Caro Zuricher
Muito obrigada pelas suas simpáticas palavras. Foi um gosto fazer este post. Foi uma oportuniddae de arrumar um pouco melhor as ideias. Pensar e escrever também tem esta vantagem.
Sem dúvida que o "eduquês" nos tem feito muito mal. Não há como negar os resultados. Estão bem à vista de todos. Agora, tem que haver vontade política para mudar as coisas. Esta vontade deve ser condicionada, no bom sentido, claro está, pela sociedade civil, pelas empresas, universitários, investigadores e pessoas com preparação e conhecimento da realidade. É um dever cívico.

Caro depatasproar
Os media poderiam ajudar, mas lamentavelmente o que continua a dar, em poucas palavras, é o disse que disse e que não disse… E quanto à literacia jornalística ela é o reflexo do País, como tudo, aliás.

Tonibler disse...

Cara Margarida,

Só para dar uma "pequena" achega àquilo que são os animadores resultados do investimento em inovação e às lacunas dos orçamentos resultantes da minha experiência.

Não há aumento visível do orçamento das empresas em I&D. É falso. O que há desde há uns anos é um inquérito à investigação nas empresas e há crédito fiscal destinado aos gastos nessa investigação. Portanto, quem pede crédito fiscal para essa actividade (que não seria necessário, se não houvesse impostos a mais) contribui para o aumento do investimento. Ou seja, não houve um aumento significativo do investimento em I&D, houve declaração desse investimento (que algum será, outro não, claro).

O estado português suga metade da riqueza do país que estoira a montar calhau, em advogados ricos e consultoras estrangeiras. Tudo o que seja investir em inovação fora deste cenário parece-me pateta. Claro que há uns otários que ainda acreditam que vão fazer uma empresa que conseguirá vender lá fora o que cá dentro terá como alvo a outra metade da riqueza do país, mas isso deverá ser uma coisa cada vez mais rara.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Tonibler
As achegas são sempre úteis.
Os indicadores relativos a 2009 que menciono no texto dizem respeito a despesa, independentemente da origem do seu financiamento. Podemos efectivamente discutir as políticas públicas de incentivo à investigação e desenvolvimento, incluindo a função fiscal.
Com efeito, a despesa em Portugal em I&D em % do PIB tem vindo a crescer como se pode verificar pelos dados obtidos no Pordata, havendo ainda um diferencial negativo em relação à média da UE27. Por outro lado, as dotações orçamentais públicas para I&D em % do PIB mantém-se estáveis nos últimos anos em relação à média da UE27 - 0,7% do PIB - enquanto Portugal está ligeiramente acima, com 1,1% do PIB em 2009 (dados do Pordata). Constata-se, portanto, que os países europeus consagram nos orçamentos públicos dotações para o I&D.
Mas mais importante do que a despesa em I&D, é saber qual o proveito obtido desse esforço de investimento quando comparado com os nossos parceiros europeus. Ora, o que se verifica é que Portugal retira menor proveito. O Pordata mostra que estamos na cauda da Europa em número, por exemplo, de patentes concedidas. Conclui-se, portanto, que temos ineficiências no processo de transferência de conhecimento e tecnologia. Ou seja, o nível de investimento não está devidamente rendibilizado. É, aliás, um mal comum a outros sectores.
Ninguém lhe tira a razão, Caro Tonibler, o Estado gasta mais do que deve no que não deve e o estado a que chegámos disso não deixa dúvidas.

Tonibler disse...

Mas eu não digo que o gasto do estado em I&D é muito ou pouco. Até acho que é tão pequeno que dificilmente os ganhos em know how que trazem não os compensam completamente. Há uma série de pessoas que estão a sair para o mercado de trabalho ultra-qualificadas nestes projectos e, por isso, o investimento até deve ser bom no fim do dia.

O número de patentes já não será uma métrica muito importante em termos de I&D. Duvido que a Microsoft ou a SAP tenham uma patente em seu nome, por exemplo.

Mais grave que a forma como se direcciona o investimento é mesmo a forma como a economia é direccionada que é o que acaba por condicionar as decisões de desenvolvimento.

Suzana Toscano disse...

Margarida, sem tirar qualquer mérito e interesse do seu post,que é muito oportuno e claro, os números não podem ser lidos sem que se decifre também a realidade que retratam. Uma percentagem que aumenta, por exemplo, não quer dizer que os factos em si sejm diferentes mas sim que passaram a ser considerados de outro modo para que a matemática funcione.O caro Tonibler aponta uma explicação para esse aumento de investimento privado em investigação, e é um facto que passou a haver um tratamento fiscal que levou a que as empresas considerassem essas despesas, muitas que já faziam, como sendo de investigação. Se estavam malclassificadas antes ou se estão mal agora não sei, mas se a base de análise mudou e, por consequência a percentagem que a retrata, isso não quer dizer que a realidade em si tenha mudado. Terá pelo menos a vantagem de passarmos a dar mais importância a essa percentagem, a ver como cresce a partir da mudança da base de incidência e então poderemos confiar na matemática que a exprime.

Anónimo disse...

Cara Suzana, o que acaba de nos dizer é também saber matemática. Não basta saber trabalhar com os números. Antes disso é preciso saber o que eles significam e em muitos casos qual a metodologia usada para os alcançar. Só após se saber exactamente o que um dado número representa é que podemos trabalha-lo em conjunto com outros por forma a obter outros valores com a certeza de que os resultados obtidos correspondem exactamente ao que pretendíamos.

Infelizmente usa-se e abusa-se (e é precisamente o caso que o Tonibler nos trouxe) destas falhas para brincar com os números. Altera-se num dado ano a metodologia de cálculo de determinado item e apresentam-se os valores correspondentes a esse ano e ao anterior sem ter harmonizado o valor do primeiro à nova metodologia adoptada. Faz-se um brilharete, claro. Mas é uma vitória de Pirro porque a variação desses dois números, na realidade, não existe.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Suzana
Dizer-se que a despesa aumenta em investigação ou em outra qualquer variável não é de facto suficiente. Sem dúvida, que devemos ter em conta alterações contabilísticas ou de classificação e de outo tipo, por exemplo políticas de incentivos fiscais, para melhor compreendermos os resultados ou alterações de resultados. Os resultados em I&D devem também ser analisados à luz do que se passa em ooutros países. Se os compararmos com os números europeus, incluindo o investimento realizado e o proveito obtido, rapidamente percebemos que não estamos bem. A matemática, bem aplicada, também nos ajuda a relativizar e a compreender resultados. No caso em concreto, está claro que fazemos pior.
Como diz o Caro Zuricher, usa-se e abusa-se das "falhas". Somos, aliás, useiros e vezeiros em "aldrabices" numéricas, estatísticas, contabilísticas e orçamentais para maquiar ou forçar resultados.

Suzana Toscano disse...

Caros Zuricher e Margarida, se calhar é a confiar que ninguém perceba nadade matemática que se apresentam certos resultados como se fossem axiomas...