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sábado, 20 de novembro de 2010

Dieta mediterrânica – Património cultural imaterial da humanidade?

Há dias li um editorial em que o autor começou com a seguinte frase: “O mundo está louco!" E está mesmo, mas não é preciso andar pelo mundo fora para testar essa afirmação, basta olhar para o que se anda a passar entre nós, no nosso micromundo, ou submundo se quiserem.
Abro o jornal semanário e vejo uma página dedicada a informar que a dieta mediterrânica passou a ser considerada como “património cultural imaterial da humanidade” após a UNESCO assim o ter decidido numa reunião no Quénia. Dieta mediterrânica como património da humanidade! Porquê? Porque comer verduras, usar azeite, comer peixinho, comer pouca carne, comer leguminosas e frutinha e comer tudo isto em família é razão para ser apodada de património mundial? Não, mas, também, porque quem faz dieta mediterrânica tem mais saúde, sofre menos doenças cardíacas. E acidentes vasculares cerebrais? Bom, passemos à frente. Lindo, belo! Mas será que os portugueses fazem dieta mediterrânica? Não é preciso recuar até ao século XIX, basta ir ao anterior, ao século XX, para ver como é que os portugueses se alimentavam. Será que já se esqueceram como é que comiam os portugueses? Mal, muito mal, comiam o que podiam e quando podiam. Aquilo a que chamam dieta mediterrânica seria praticado por muito poucos, os mais abastados, porque a maioria das pessoas passavam fome. E quem passa fome dificilmente consegue ser obeso, apanhar diabetes e morre mais cedo por outras doenças. Queriam que morressem de enfarte? Era o que mais faltava. Quando houve alguma melhoria do poder de compra, os portugueses deram asas à sua natural ânsia de matar a fome e comiam o que podiam e o que podiam passou a ser alimentos altamente energéticos e saborosos o que contribuiu para a crescente onda de obesidade e de diabetes. Passaram ao lado da dieta mediterrânica e mergulharam noutros tipos de alimentos que não têm nada a ver com aquilo que a nossa terra dava, sim, porque parece que já não dá. É quase tudo importado!
Não ignoro o valor alimentar dos tais alimentos que fazem parte do cabaz mediterrânico, ou de quaisquer outras dietas espalhadas por esse mundo fora, o que considero um pouco ridículo é dar-lhe este estatuto, precisamente num momento em que a “dieta mediterrânica” está muito longe do alcance de milhões de portugueses. Cresce dia para dia a fome. Uma realidade incontestável que faz estremecer qualquer responsável. Desempregados, velhos e crianças começam a passar fome. E que tal dizer-lhes que a “dieta mediterrânica” é património mundial? Não deveriam sentir-se orgulhosos desta conquista? Além do mais ficam, também, a saber que a sua saúde é a melhor de todas desde que pratiquem a dita dieta! Anedota, atrás de anedota. É preciso dizer que os tais benefícios relacionados com a dieta mediterrânica é, ou foi, devido mais à eterna pobreza mediterrânica do que a outras coisas. Sim, pobreza mediterrânica é uma realidade e aí está ela mais uma vez, em força como nunca.
Não seria melhor substituir dieta mediterrânica por pobreza mediterrânica, senão como património mundial, ao menos como “património cultural imaterial nacional”? É que para muita gente é mesmo imaterial...

6 comentários:

Tonibler disse...

Há uma ordem de monges ortodoxos qualquer em Creta, penso, que seguem a (real?) dieta mediterrânica de comerem umas coisinhas uma vez por dia (uns queijos frescos com verduras e leite, penso). E, segundo sei, foram considerados os mais saudáveis seres humanos do mundo (em média, claro) e acho que a maluqueira da dieta mediterrânica veio daí. Eu, por acaso, sigo-a (a dos componentes, não a das quantidades senão lá iam as 4 sessões desportivas da semana) e devo confessar que a taxa de más disposições foi bastante reduzida. As métricas do aparelho circulatório, essas, vou ver no fim do ano....pior não ficam!

Anónimo disse...

Caro Professor, já por várias vezes tem aludido nos seus posts aos benefícios de alguns alimentos e à publicidade enganosa que é feita por outros ao promoverem-se como benéficos para isto e para aquilo. Agora fala-se na dieta mediterrânica, às vezes fala-se noutras quaisquer.

Caro Professor, como pode um leigo total e absoluto como é o meu caso, saber o que é realmente bom e o que não é? Ou seja, onde quero chegar é aqui: no meio de tanto que se diz sobre os benefícios deste alimento e daquele, desta dieta e daquela, é dificilimo para leigos saber realmente o que comer e, por mim, acabo simplesmente por seguir a minha intuição e tentar comer o melhor possivel... na esperança de não fazer coisas erradas.

É dificil no meio de todas estas dietas e alimentos conseguirmos entender-nos...

Massano Cardoso disse...

Tonibler

A associação entre a alimentação e aterosclerose que esteve e está na base da teoria nutricional teve os seus defensores e também os seus apóstatas. Ancel Keys, o homem da ração K da segunda guerra mundial, acabou por ser o defensor da dieta mediterrânica pretendendo-se desta forma encontrar as explicações paras as divergências observadas na altura entre os povos mediterrânicos e nórdicos e anglo-saxónicos. Curiosamente o homem viveu muitas décadas.
A American Heart Association convidou, em 1957, vários cientistas para avaliar a teoria nutricional tendo concluído que as preferências alimentares não eram preditivas do nível de colesterol nem do subsequente risco de doença coronária.
A teoria nutrcional tinha e tem alguns pontos fracos: não explicava o aumento exponencial de 1920 a 1950 das doenças cardiovasculares. Neste período não houve modificações substanciais nos hábitos alimentares norte-americanos. Os hábitos alimentares de militares em 1880 eram semelhantes. De facto, um dos pontos fracos da teoria nutricional assenta em não haver correspondência entre a mortalidade e as modificações dietéticas (gorduras). Durante as décadas de quarenta e cinquenta do século XX o acréscimo de doença cardíaca foi de vinte vezes mais e não foi acompanhado por um aumento significativo do consumo de gordura!
James Le Fanu escreveu um livro interessante: The Rise and Fall of Modern Medicine. Nesta obra o autor demonstra que a partir dos princípios da década de oitenta, as DCV estavam em declínio (universal, todas as idades, grupos étnicos, vários países) sem se acompanhar de mudanças significativas dos estilos de vida.! Mesmo entre nós, a partir do finais da década de setenta a mortalidade cardiovascular tem vindo a diminuir de uma forma muito significativa e em contrapartida os denominados fatores de risco continuam em crescendo, nomeadamente a obesidade, a diabetes e hipercolesterolemia, embora se tenha verificado uma estabilização dos hipertensos, que são de facto “menos” hipertensos” e de se ter observado uma redução do consumo do tabaco nos homens. Esta tentativa linear de tentar associar estilos de vida e eventos cardiovasculares comporta riscos de apreciação. Muito haveria a debater este assunto que constitui uma das minhas preocupações, mas não queria deixar de realçar certas formas de manipulação para o consumo de determinados alimentos, e sempre com um fachada científica. Podíamos abordar o vinho, o chá, a cerveja, o chocolate, o café, e muito mais. Tudo o que é fonte de negócio é para explorar e se associarmos Saúde então tudo se torna mais fácil.
Quanto aos mosteiros presumo que deverão ser os de Metéora, inacessívelis ou então os de Monte Athos. Deveriam ser monges bem magrinhos, ao contrários dos “nossos”, gordinhos que nem uns abades, que deviam fazer tudo menos dieta mediterrânica. Pois não!

Massano Cardoso disse...

Zuricher
Para ser sintético, visto que dissertei demasiado por causa do Tonibler, só lhe posso afirmar que todos os alimentos são bons. Repito, todos sem exceção. O seu mau uso, em termos quantitativos ou em combinação uns com outros, ou devido a intolerância por parte do consumidor é que poderá provocar problemas. Gostaria a este propósito de dizer o seguinte: não aceito, em nenhuma circunstância que se fale de alguns alimentos como “lixo”. Ainda há dias, num daqueles debates, Prós e Contras, uma colega minha falou de “lixo alimentar” para caracterizar certos produtos, uma tradução de junk food. Sinceramente, eu que não sou violento, ou penso que não sou, deu-me vontade de lhe pregar um “estalo” (simbolicamente, claro). Com que autoridade se pode afirmar que um determinado produto é lixo? Não tem. O problema de certos tipos de alimentos está no seu uso constante ou excessivo. Nestas circunstâncias podem provocar certas doenças, mas é como tudo na vida, quando se abusa sofremos as consequências, mas quando somos comedidos obtemos vantagens, logo, o bom-senso, a diversidade e evitar excessos são as verdadeiras medidas dietéticas, tirando casos específicos de algumas patologias, como é óbvio. Por isso siga a sua “intuição” temperada com algumas regras básicas. E estará no bom caminho.

Suzana Toscano disse...

Caro Professor, esse seeu conselho é que devia ser proposto para património mundial, mas ai lá se iam uns negócios por água abaixo e as receitas da publicidade também. Por mim, graças à emigração jovem que atingiu o meu núcleo familiar, vou exportando receitas mediterrânicas para a Europa, o grão com bacalhau é um sucesso (guisado, e não apenas cozido) e a feijoada também, o problema é que também tenho que fornecer os produtos, é um dinheirão em pacotinhos que vão pelo correio :)

Pinho Cardão disse...

Na sequência do que diz a Suzana, junto eu também alguma coisa.
Tive um filho a fazer o Erasmus em Viena de Áustria. Entre as várias qualidades que tem, está a de safar-se muito bem na cozinha.
Pois, entre outros pratos "mediterrânicos", as suas feijoadas eram um sucesso por lá, entre os colegas das várias nacionalidades. Esgotado o reportório, começou a pedir à mãe algumas outras receitas. E o que é facto é que alguns colegas dos EUA, de outros países e até um com cara de chinês já passaram cá por casa a provar designadamente a feijoada.
Entretanto, é a Itália que exporta as "pizzas"...e nós, nem o bife à Portugália!...
Mas será o bife dieta mediterrânica?