Em Portugal a questão da auto-responsabilidade política é tema recorrente. Voltou agora, a propósito do caso, gravíssimo, das falhas nos sistemas de informação do eleitor, impedindo muitos cidadãos de exercer o direito maior em democracia.
Com excepção, que me lembre, de dois casos, não se conhecem nestes quase 37 anos de democracia, políticos que, perante falhas graves a eles imputáveis ou de responsabilidade de altos funcionários ou outros políticos deles dependentes, tenham retirado consequências e entregue os mandatos. Pode aliás afirmar-se que se estabeleceu entre nós um costume, uma cultura alérgica à responsabilidade dos governantes por actos e omissões de governo.
O caso do ministro Rui Pereira é paradigmático. Mesmo sem conclusões do inquérito, o que se conhece aponta para uma omissão de tal forma grave que, respondendo o ministro perante os cidadãos, deveria ter renunciado ao cargo antes de alguém exigir que o fizesse. Não foi assim. E salvo milagre, não acontecerá nada a Rui Pereira por sua iniciativa. O apego ao poder, o penacho, a vaidade prevalecerão sobre os valores que lá fora, com naturalidade, levam a que o governante saiba quando não tem condições para exercer a função, quando cessou a confiança em si, e entrega a pasta. Os próprios consideram esse gesto como um imperativo de natural depuração da democracia. Os próprios sentem que não são ministros, estão ministros, expressão que alguém um dia – e bem – usou.
O Dr. Rui Pereira é a pessoa que, dias após a sua investidura como juiz do Tribunal Constitucional, não viu problema em demonstrar por actos que a neutralidade e imparcialidade do juiz constitucional é uma impostura (sendo eventualmente injusto para alguns dos seus episódicos colegas), aceitando então demitir-se para integrar um governo de partido. Não admira, pois, que hoje não veja quaisquer razões para considerar que está a mais.
Uma nota final. O Sr. Ministro da Presidência veio declarar, com ar grave, que este caso deve ser encarado com seriedade. Não posso estar mais de acordo. Pena é que assim não pense o seu colega de governo Rui Pereira.
6 comentários:
http://www.agenciafinanceira.iol.pt/economia/contatos-publicos-ajuste-directo-socrates-governo-contratos-internet/1229069-1730.html
e esta ?
então agora é por ajuste direto às escancaras ?
como é que é ??????????????
Vcs perceberam o erro na palavra contato onde deveria estar contrato no endereço da notícia ? porque será ? fumo? tags erradas ?prostituição barata na comunicação social .
Caro Ferreira de Almeida:
A tomada de responsabilidade pelo Ministro em casos graves como o presente, mesmo que no mesmo não tenha culpa directa (o que se desconhece), é uma exigência do bom funcionamento das instituições, mormente serviços públicos. Porque constitui um aviso e uma poderosa chamada de atenção a todos os responsáveis, a todos os níveis, sobre a competência e zelo que se exige no desempenho da função.
Claro que, neste clima de desleixo e deixa correr, em que o serviço público é encarado como um mero lugar de benesses e de remuneração impossível de atingir noutras funções, ninguém, Ministro ou Secretário de Estado, se vai responsabilizar. No fim, a culpa é do cidadão.
E tem, de facto, alguma, muita talvez: a de os ter eleito.
De acordo, Pinho Cardão.
A falta de exigência dos cidadãos em relação aos governantes e destes em relação a si próprios é afinal a herdeira neste regime da quase ausência de responsabilidade politica no tempo da antiga senhora. Só que, nesse tempo, os cidadãos não tinham voz. Hoje, mesmo que a usem, dirigem-na a políticos surdos ou convenientemente autistas.
Meus Caros,
O poder corrompe, e aqui nem se trata de dinheiro, é poder pelo poder. Um perigo.
A saída de Rui Pereira do TC é pior que um membro do CA da ERSE ir para o CA da EDP ou da GALP.
Não existe o mais leve pudor, nem a noção de que às elites cabe dar o exemplo.
Cumprimentos,
Paulo
Caro Paulo
Uma precisão. A ERSE tem um regime de incompatibilidades à entrada e à saída para os membros do CA. É, no entanto, uma ilha no oceano. Com efeito, após o termo das suas funções, os membros do CA estão impedidos pelo período de dois anos de desempenhar qualquer função ou prestar qualquer serviço às empresas dos sectores regulados, entre as quais estão a EDP e a GALP. E também não pode ser nomeado para o CA quem seja ou tenha sido membro dos corpos gerentes das empresas dos sectores regulados nos últimos dois anos.
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