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domingo, 2 de janeiro de 2011

Religião e Suicídio

Com a idade aprende-se muita coisa, até deixar de apreciar os dias festivos. Em pequeno julgava que eram a coisa mais natural do mundo, uma espécie de sorte que nos calhava de tempos a tempos, e sempre menos do que desejaria. Agora, confesso que sofro deste destempero há algum tempo.
A necessidade de encontrar explicações para tudo levou-me a inventar uma, sempre vale mais do que nenhuma, ou os dias festivos são demasiados artificiais, ou, então, sou eu que me tornei insensível ao natural. E se ambas estiverem corretas, tanto melhor, assim reparto as culpas.
Por esta altura, no ano passado, escrevi um pequeno texto sobre a solidão, o que faz todo o sentido, porque este tipo de dor de alma faz-se sentir com mais violência nas datas festivas. Também me recordo das circunstâncias em que a escrevi e da leitura de um artigo sobre suicídio, depressão e formas de prevenção.
É do conhecimento geral que as depressões se agravam nestes períodos. Sendo assim, não é de estranhar que uma das consequências, o suicídio, aumente. Para o efeito, nalguns países, existem planos de atuação para prevenir este problema. Sinceramente, sei que existe uma catrefada de planos de prevenção em Portugal, bem elaborados, verdadeiros exemplos de retórica académica, difíceis de igualar, para tudo e mais qualquer coisa, mas para o suicídio desconheço. Às tantas até deve haver, mas mesmo que haja, sabendo como somos e como andamos, o resultado deverá ser o mesmo, ineficiente.
As alterações sociais e económicas que estão a violentar os portugueses não serão inócuas em termos de saúde mental, longe disso, espera-se mesmo um agravamento substancial, a que não faltará um incremento de suicídios. Não quer isto dizer que somos um povo de suicidas, se bem que Unamuno nos tenha caracterizado como tal. “Portugal é um povo triste, e é-o até quando sorri. A sua literatura, incluindo a sua literatura cómica e jocosa, é uma literatura triste. Portugal é um povo de suicidas, talvez um povo suicida. A vida não tem para ele sentido transcendente. Desejam talvez viver, sim, mas para quê? Mais vale não viver.” Unamuno não era epidemiologista e, como tal, desconhecia que, até, nem nos matamos como outros povos. Mas agradeço-lhe a sua análise sobre nós, porque nos conhecia muito bem.
Quanto mais baixa for a integração social maior é o risco de suicídio. Durkheim, no século XIX, fez interessantes estudos nesta área e até demonstrou que as comunidades católicas se suicidavam menos do que as protestantes. Os seus estudos enfermavam de alguns vieses, porque foram feitos numa base ecológica, de análise de grupo, mas, agora, um interessante estudo epidemiológico efetuado na Suíça, numa base individual, demonstrou inequivocamente que as taxas de suicídio são substancialmente mais baixas entre os católicos do que nos protestantes e nos indivíduos sem filiação religiosa. Este fenómeno ocorre em todos os grupos etários, sendo muito mais intenso entre as pessoas mais idosas e nas mulheres, e, particularmente, no caso de suicídios assistidos. Todos os fatores que possam influenciar estes achados, de natureza educacional, económica, sexo e outros, foram devidamente ajustados, permitindo afirmar que a religião constitui uma força social muito importante na análise do modelo dos suicídios, sendo o catolicismo superior ao protestantismo e, naturalmente, aos não afiliados.
Apesar de não estar provada a teoria social de integração, a religião constitui uma importante força social, pelo que é muito provável que, entre nós, irá ocorrer, nos próximos tempos, um reforço e reativar do fenómeno religioso, ante as expectativas de miséria que já está a atingir muitos portugueses. Não sei se os nossos compatriotas irão, mesmo assim, partilhar da alegria inerentes a algumas festividades, mas se alguém os ajudar a controlar a depressão e o negrume do futuro, tudo bem. Resta saber até onde e quais as consequências, porque em matéria de religião há sempre vontade de ir mais longe ao impor certas ideias e princípios. O tempo se encarregará de esclarecer estes comportamentos.

5 comentários:

Bartolomeu disse...

Se compreendi bem o sentido do seu texto, Sr. Professor, é fundamental ao ser humano, para que consiga manter a sua parte emocional e mental, equilibradas, ter algo muito forte em que acreditar, o que o levará a manter-se confiante da necessidade da sua existência. Ouvi hoje, enquanto conduzia, o Senhor Melicias (padre) mencionar num programa de rádio, algo que todos nós sabemos, mas que na verdade, todos esquecemos, ou, fazemos até por esquecer. Referia-se o sacerdote à importância da palavra. E, não somente à palavra divina, mas, a toda e qualquer palavra proferida. Se pensarmos um pouco, chegamos à conclusão que efectivamente, qualquer palavra, por mais simples que seja, tem uma importância, talvez porque a cada uma, corresponde um significado. Talvez as palavras sejam acrónimos de algo maior, que somos incapazes de designar por uma única palavra, como por exemplo; água, ar, fogo e terra. Estes, sabemos que são os quatro elementos que sustentam a vida, tal como a conhecemos, digamos que são os quatro pilares de uma enorme construcção, uma construcção tão imensamente grande que, não conseguimos perceber para que serve.
;)
Bom, mas não foi inocentemente que "conduzi" a sua atenção, Senhor Professor, até estes quatro elementos. Foi sim, porque pensei serem um tema excelente para os tais "almanaques" de que "falámos" à dias. Poderia começar pela àgua e a importância que ela tem na nossa saúde, para além da evidência que é o facto de o nosso, ser maioritáriamente constituído por água.
;)

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Professor Massano Cardoso
Não sei se entendi bem a sua reflexão.
Penso que é fundamental que as pessoas encontrem um projecto de vida que sustente a sua existência. Será que basta apenas existir? Ou é necessário algo mais? Ter uma vida feliz é dar um sentido à existência. A felicidade não tem uma única definição. Pode ser encontrada de várias formas e por vários caminhos, incluindo o caminho da fé, em acreditar que a vida efémera é uma passagem para a vida eterna. Há uns dias falava com um amigo que me dizia que não queria acreditar que a vida pudesse acabar com a morte porque quer voltar a encontrar as pessoas, familiares e amigos, que nunca esquecerá, que amou, e que já partiram.

Massano Cardoso disse...

É muito simples, Margarida, o fator religioso permite evitar certos comportamentos de autodestruição, provavelmente porque as pessoas acreditam em algo, temem algo, desejam algo ou interpretam algo de forma diferente. No caso em concreto são menos praticantes do suicídio, quer reativo, quer assistido. Mas não ficam por aqui, também têm hábitos mais saudáveis e veja lá que, até, têm propensão para níveis de colesterol mais baixo. Há quem, meio a brincar, meio a sério, preconize uma missa semanal em vez de tomar uma estatina. Pessoalmente, prefiro esta última. Poderia falar um pouco mais sobre religião e saúde, porque há estudos muito interessantes a este propósito. Quanto às crenças das pessoas, isso é outra história. Limito-me a respeitá-las, e não a discuti-las, porque não são passíveis de um debate racional, como bem sabe.

Suzana Toscano disse...

Caro amigo, compreendo o que diz quando refere que estas épocas festivas acabam por ser um pouco angustiantes, não sei se será pelas expectativas que temos em relação a elas se por termos uma vida tão agitada que não dá tempo para reunir o entusiasmo que deveríamos sentir para estes dias em concreto. É uma espécie de concentrado quando nos apetecia saborear, depois arruma-se tudo e voltamos à rotina, vive-se hoje de repente e no entanto vive-se muito mais, fazem-se mil coisas e damos pouco atenção a todas elas. Será a idade que nos pede mais calma, que nos faz olhar com nostalgia o que ainda se está a viver? Não sei se a religião ajuda a encontrar força onde ela vai faltando mas deve ser um grande conforto acreditar e confiar que há Alguém que tem as respostas.

Tavares Moreira disse...

Mais uma bela reflexão, caro Massano Cardoso.
Também tendo a entender que, com o agudizar forte da crise, que a partir de 2011 se notará com crescente intensidade, o fenómeno religioso deverá conhecer um incremento apreciável.
A intensificação da crise - em duro e desconcertante contraste com os cenários ou visões optimistas que lhes foram prometidos pelos responsáveis políticos - deverá ser geradora de crescente cepticismo na capacidade dos homens, e do Estado, para gerar felicidade social.
As pessoas (o tal Povo), desiludidas com os homens,vão procurar conforto noutra fonte, vão em busca de Deus...não será?