No regresso, achei por bem parar na cidade vizinha, onde almoçámos. Não houve tempo para dar uma volta e ver alguns aspetos que há muito desejo contemplar. Não faz mal, talvez haja uma nova oportunidade. Em seguida, quiseram dar uma vista de olhos ao simpático centro comercial, não pus qualquer objeção, já tinha visto uma livraria e várias bancadas de livros no átrio a preços convidativos. Um deles chamou-me a atenção, a "Metamorfose de Efigénia", de Miguel Urbano Rodrigues. Gosto da palavra metamorfose, a lembrar outras obras com o mesmo título e a recordar os tempos em que acompanhava a evolução dos peixes cabeçudos a transformarem-se em rãs. Como era possível acontecer aquilo, pensava eu em miúdo. Uma coisa tão estranha, um ser com uma determinada forma a transformar-se noutra. Não havia coisa mais sedutora.
Abro o livro e começo a ler a pequena novela e concluí que já a tinha lido, mas não sei onde pararia o livro, nalgum caixote, com toda a certeza. Como vi que as "coisas" estavam para demorar, a neta andava entretida no parque mesmo ao lado, deu-me para adquirir a obra novamente. Vai fazer parte daquele lote em duplicado. No fundo uma distinção ao autor da obra, e mais uma vez passei um atestado de desorganização à minha pessoa. Deixá-lo. Sentei-me tranquilamente e li o texto. Admirável, sem dúvida. A natureza é muito complexa e inebriante por vezes.
Às páginas tantas, o autor descreve um diálogo com o seu colega da redação, o Maurício, marido da Efigénia, que, repentinamente, mudou o seu comportamento sexual de uma indiferença absoluta até uma atividade vulcânica, verdadeiramente demolidora, e que fazia confusão ao especialista em tudo o era arte cavalar. Maurício, que queria ajuda do autor para encontrar uma explicação, debitou outros aspetos da sua vida, nomeadamente alguns relacionados com os filhos. Tinha uma tal paixão por cavalos a ponto de a transferir para os nomes deles, o mais velho foi batizado com o nome de João Violento, o mais novo recebeu a graça de Fernão Sublime e a menina a de Maria Loquita. Violento e Sublime foram dois cavalos excecionais e a Loquita tinha sido uma égua argentina ganhadora de importantes prémios.
No Brasil a atribuição de nomes não obedece a quaisquer normas e é muito frequente coisas inusitadas e verdadeiramente fantasiosas. Atribuir nomes de cavalos e éguas aos filhos não é muito normal, mas parece que não incomodam muito os sul-americanos. Ri-me desta passagem, porque comecei a lembrar-me de alguns nomes que andam por aí e que, quer queiram quer não, marcam profundamente a personalidade dos titulares. Do pouco que já li, tudo aponta para algumas influências nada discipiendas quanto à futura personalidade do proprietário, devido à força intrínseca do nome, à poesia e ao simbolismo do mesmo e ao conhecimento e identificação da personalidade de pessoas apodadas da mesma forma, enfim, pode ser tudo uma balela, mas não é de excluir algum "poder". Alguns nomes causam arrepios, outros, simples, cheios de poesia, transmitem alegria, pelo que é preciso ter algum cuidado na escolha, evitando atribuir nomes estrambólicos que possam causar algum mal-estar futuro. No caso em apreço, o do Maurício, que atribuiu nomes equinos aos filhos, espero que não comece a fazer moda. O que está em moda é, por enquanto, o contrário, atribuir nomes de humanos aos animais. Uma espécie de antropomorfização? Um qualquer desejo de metamorfosear os animais de estimação em seres humanos? Não sei. Seria bom aprofundar este tema. Conheço muita gentinha que dá nomes de pessoas a gatos, a cães e a outros animais. Dispenso-me de os enumerar porque são do conhecimento geral. O que eu nunca tinha ouvido foi o meu nome ser atribuído a um cão. Há poucas semanas, num domingo soalheiro, de manhã, estava numa esplanada, quando comecei a ouvir uma senhora a gritar incessantemente: - Cuidado, Salvador. Salvador anda para aqui. Estás a ouvir, Salvador. Salvador para a esquerda, Salvador para a direita. Intrigado, tentei ver o que é que se estava a passar, até que vislumbrei uma quarentona atrás de um cão, novo, penso que era um labrador, irrequieto e muito brincalhão, tentando obrigá-lo a sentar-se a seu lado na mesa da esplanada. Virei-me para a senhora, e para confirmar o que estava a ouvir, perguntei-lhe: - Desculpe, como é que se chama o cão? - Salvador. - Salvador!? Por que é que lhe pôs esse nome, é que eu chamo-me, também, Salvador. Respondeu-me, ato contínuo: - Porque gosto! É muito maluco, nunca está quieto. - Pois é, deve ser uma das facetas dos Salvadores, retorqui. Ainda estive tentado a perguntar-lhe como é que se chamava, pelo sim pelo não até poderia ser uma boa ideia, caso um dia viesse a ter uma nova cadela, mas, como não estou interessado em ter mais cães, fiquei calado, às tantas, pela forma como a senhora falava, ainda a bicha poderia metamorfosear-se na dita, o que não seria propriamente muito agradável...
3 comentários:
;)))
A sua estória com a dona do "salvador" trouxe-me à memória, uma amigo do meu tempo de rapaz. Estaríamos pelo final dos anos 70, princípio dos 80, quando tínhamos algum dinheiro extra, íamos a uma loja na baixa os "Profírios" comprar gangas. Nessa época, as ruas da baixa eram "um mar de gente". Então esse meu amigo, que era um descarado de primeira apanha, divertia-se a praticar umas "graças" em público. Uma delas era fingir-se aleijado e atravessar as passadeiras de peões, arrastando uma perna, quando o semáforo se encontrava verde para os carros. O tipo encenava a coisa com tal realismo, que os condutores paravam e esperavam que ele atravessasse. Ao chegar ao passeio oposto, retomava a marcha normal e ria-se até mais não por ter feito toda aquela gente acreditar que era côxo e por os ter feito esperar.
Outra das suas graças preferidas consistia em, em plena rua do Ouro, ou Augusta, voltar-se para a multidão e gritar: Ó palerma!
Muitas pessoas voltavam-se e então ele com a maior lata dizia-lhes: desculpem, mas só chamei um.
Recebia em troca umas meias-palavras e uns sorrisos amarelos, enquanto o resto do grupo que o acompanhava, fingia que não o conhecia de lado nenhum.
Caro Professor Massano Cardoso
Há livros que lemos duas, três ou mais vezes. A primeira leitura deixa-nos por veses marcas tão fortes que nunca esquecemos. É curioso verificar que com a idade e a experiência o mesmo livro nos suscita leituras diferentes.
A propósito de nomes, nem de propósito. Hoje de manhã estive a tomar um café num jardim aqui perto de casa. O dia esteve bonito, com uma tempertaura amena. Ao meu lado estava um cão chamado Joaquim, o dono era também Joaquim. Confesso que fiquei admirada, pois não me lembraria de tal coisa.
Hoje ouvi a notícia de que uma italiana deixou a sua fortuna à gata!, uma mansão em Roma e mais umas economias consideráveis no banco. Enfim, há fenómenos de transferência de afectos que fariam todo o sentido entre pessoas mas que são orientados para animais, talvez esses sejam fiéis incondicionais, não desiludam, tenho uma amiga que dizia que o único que lhe fazia uma festa quando ela chegava sem levar nada era o cão, os filhos e o marido continuavam a fazer o que estavam a fazer e nem levantavam cabeça.
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