Verifico com alguma frequência distorções preocupantes na utilização da ciência. Os "não cientistas" já perceberam que é relativamente fácil, e economicamente rentável, o mau uso e abuso da mesma. Em termos práticos pretendem apenas faturar à custa da "ciência". O que eu não consigo compreender são as atitudes de investigadores que enveredam pelos mesmos caminhos dos ditos "não cientistas" usando e abusando de certos conceitos para fins mais do que duvidosos.
Vender o futuro e hipotecar o presente está na ordem do dia. Vejamos como se cozinha algo do género. Em primeiro lugar demonstra-se que o fenómeno é real, em seguida prova-se que as consequências são potencialmente negativas e depois oferecem-se soluções, pelo menos teoricamente. No fundo estão criadas as condições para uma área de negócio.
Leio que estão em saldo espermogramas na Universidade de Aveiro! Só me faltava esta.
Vamos à história. Tudo aponta para uma diminuição da espermatogénese nos últimos decénios. Há quem aponte para uma redução de cinquenta por cento do número de espermatozoides perante o que se observava há meio século. Pode ser que assim seja, sendo responsabilizados por tal a exposição a muitas noxas ambientais.
Para acautelar o futuro, em termos de fertilidade, os alunos são "convidados" a saber como andam os seus "cabeçudos" quer na forma quer em número. É simples e rápido obter uma amostra mas têm de pagar a análise, que passou de setenta euros para trinta. Um grande desconto.
Esta notícia, ou campanha, que quer "prevenir" complicações futuras de eventual infertilidade, tem que causar alguma apreensão entre os rapazes para se sentirem "obrigados" a fazer o espermograma. Se não se sentirem ansiosos não irão realizar o exame.
Sabe-se que uma pequena percentagem de homens tem dificuldades na produção de espermatozoides. Será que com esta medida irão reverter a situação? Tenho algumas dúvidas. Se um jovem ficar a saber que tem azoospermia, ou qualquer outra anomalia quantitativa ou qualitativa não irá ficar perturbado? Não se sentirá diminuído? Não poderá provocar conflitos com a namorada? Não poderá impedir um relacionamento guilhotinando laços de amor? Não será melhor deixar que a natureza siga o seu curso? Mais tarde, caso se verifique estar perante uma situação de infertilidade, então, deverão ser utilizados os meios mais convenientes. Mas a notícia não fica por aqui, os investigadores propõem o congelamento do sémen de forma a ser utilizado no futuro caso haja necessidade, porque, como cada vez se procria mais tarde, o risco de diminuição da fertilidade é uma realidade. É por isso que alguns industriais da ciência começaram, lá fora, a criar condições para bancos de gâmetas femininos com este propósito, adiamento da maternidade. A dificuldade de a mulher engravidar aumenta quase que "exponencialmente" com a passagem do tempo a partir de certa idade, mas, no tocante ao homem, as coisas não são semelhantes, basta repetir o velho ditado, "homem velho e mulher nova fazem filhos até à cova".
No fundo, nesta história, existe uma manipulação e um convite a certas práticas, no pressuposto de que é necessário, e até mesmo prudente, fazer seguros de "fertilidade". Nunca se sabe o dia de amanhã e como a ciência prevê e oferece soluções para alguns casos, que podem naturalmente ocorrer, vai "obrigar" a maioria a despender trinta euros, preço de saldo, contra os setenta iniciais, para saber como está a fábrica em termos de produção e qualidade de espermatozoides.
Não tarda e vamos ter bancos de tudo e mais alguma coisa a troco de vantagens futuras para fazer faces a eventuais situações, mas para isso é indispensável criar ambientes de ansiedade na maior parte da população. Sem esse estado de espírito não se consegue grande coisa. O uso e abuso da velhinha frase "mais vale prevenir do que remediar" parece-me exagerado nalgumas situações, nomeadamente nesta. Uma política e aposta na prevenção da infertilidade deveria ser feita nos jovens em termos de redução do consumo de bebidas alcoólicas, do não consumo de drogas e de tabaco e evitar a exposição a muitas substâncias químicas que nos cercam, medidas que teriam efeitos muito positivos na produção e saúde dos cabeçudos e sempre se pouparia trinta euros, muita ansiedade e muito mais coisas...
1 comentário:
Caro Professor:
Não são só os Bancos que vendem derivativos "tóxicos"...
A informação, as universidades, empresas etc, etc também o fazem em grande escala. Qualquer dia, quando se fizer um balanço, ainda se verá que os Bancos são uns aprendizes nesta matéria...
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