Sou atraído pelos mesmos espaços, pelas mesmas figuras, pelas mesmas lembranças, pelos mesmos desejos, pelas mesmas aspirações e pelos mesmos medos. Não sei se tais atrações me acalmam ou provocam mais ansiedade. Não consigo descortinar nada que possa dar sentido a mais um dia da minha existência, mas tento, tento fugir e tento encontrar, mas nem fujo nem encontro. Limito-me a aceitar o que me aparece, não me resta outra alternativa, as nuvens são as mesmas, distorcidas e enegrecidas, as árvores são as mesmas, tristes e despidas, o ar, frio e choroso, é o mesmo de outras alturas, as faces das pessoas são as mesmas, inquietas, belas, feias e vazias, e eu sinto-me aprisionado neste estranho planeta sem sentido e sem rumo, escravo de leis que não sei para que servem, talvez para me atormentarem. Fujo e escondo-me na velha capela, roubo imagens a silenciosas figuras de madeira, perdidas, despidas, à espera de algo, um pouco semelhante ao que procuro, saber porque estão ali e porque é que as fizeram. Elas não sabem, eu também não. Deparei-me com uma Pietà e perdi o sentido do tempo, como sempre. Não consigo deixar de me emocionar perante tão dramático quadro. Busco uma há muito, mas não a encontrei ainda, limito-me a vê-las, a apreciá-las e a deixar-me cair nos seus braços, como se mãos protetoras me acariciassem. Olhei para o ar de sofrimento da mãe e a paz irradiante do corpo do filho morto. Quando olhei para as pálpebras fechadas para este mundo, senti algo nunca visto nas demais, havia luz, havia vida. Como é possível, pensei, que uma escultura seja capaz de transmitir luz, vida, paz, e, ao mesmo tempo, suavizar a dor. Está ali há séculos, só, tendo como companhia o silencioso e angustiante tempo, que fugiu quando apareci. Um momento diferente de outros momentos. Precisava ser atraído por um momento diferente....
4 comentários:
Tentei há pouco tempo atrás falar-lhe "da" Pietà. É única a pietá que encontrei, a qual, atraíu o meu olhar, de uma forma intensa e me levou a ter certeza ser ela a Pietà que procura, pois o meu pensamento, naquele momento, foi directamente para si.
Esta Pietà encontra-se exposta na igreja do Carmo, no Porto. O tamanho, aproxima-se do real mas, o conceito, o que ela representa é diametralmente oposto às tradicionais imagens, à de Miguel Ângelo e às de outros escultores e pintores.
Convido-o a admira-la e sobretudo, a compreendê-la e a interioriza-la.
Se estiver para isso, ofereço-lhe a minha companhia para a visita.
Eu lembro-me. Aceito a sua companhia com muito gosto.
Um abraço.
Enganei-me, ao referir a igreja do Carmo, próximo da Torre dos Clérigos.
A "nossa" Pietà, encontra-se na igreja do convento de Stª. Clara.
Depois da emenda feita, aguardo que o estimado Amigo, marque um dia para a visita.
Caro amigo, acho que aprendi consigo que o sentido da vida apreende-se em "series longas", assim no dia a dia não é nada fácil. Um momento melancólico também ajuda a repor as energias, sobretudo se encontra um espaço tão acolhedor para o espirito inquieto, um convite à oração sem palavras, a olhar a pietá.
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