Os domingos permitem fugir às rotinas e aos compromissos. Cada vez mais uso e abuso dos domingos fugindo da depressão típica que costuma atingir muitos da parte da tarde. Depressão por depressão já chega a que a semana frequentemente me oferece.
De manhã vi um pouco de televisão. Saltitei canais e deparei-me com um reportagem sobre Nicolas Winton, que, em 1939, teve de alterar as suas férias a pedido de um amigo. Acabou por ir até à Checoslováquia. Conseguiu, após muitos contactos, retirar 669 crianças salvando-as das garras nazis. O comboio que deveria partir no dia 1 de setembro não saiu do país, pois foi o dia da declaração de guerra. Nunca se soube o que lhes aconteceu.
Um herói? Sim, um herói desconhecido. Só ao fim de cinquenta anos a mulher descobriu fotografias, telegramas e outros documentos sobre este período da sua vida. O jornalista, ao interrogá-lo, perguntou por que razão manteve segredo deste gesto humanitário. Winton, que ainda é vivo, e já ultrapassou os cem anos, respondeu: - Eu nunca mantive segredo nenhum, nunca ninguém me perguntou! Deliciosa tirada a revelar a sua personalidade, simples, mais do que humana, quase que me apetecia dizer, verdadeiramente divina. Fiquei magnetizado pela sua maneira de ser e registei várias passagens, entre as quais a seguinte: - Falamos demasiado do passado, o que interessa é o presente e o futuro. Sorri. Compreendi o seu alcance.
Durante a viagem não me saiu da cabeça a entrevista de Winton. Nem a serra de Montemuro, nem as belezas urbanas, paisagísticas e humanas conseguiram apagar o som e as sensações do seu pensamento.
Tantas voltas dou que acabo por ir onde sempre quis. Encontro coisas sem premeditação. Elas aparecem sem dar conta. Vi a tabuleta, Mosteiro de Paços de Sousa, e embiquei na sua direção. Lembrei-me de Egas Moniz. Sabia que estava naquele local. Ao chegar senti uma certa angústia, não por causa da tranquilidade e dos cuidados do local e do próprio mosteiro. Fiquei com a sensação de que estaria fechado, aliás é muito comum esbarrar em monumentos cerrados a sete chaves. Neste caso concreto, "Rota do Românico", vi dezenas e dezenas de placas a anunciar uma zona e um património que vale a pena ver. Só tenho pena de muitos monumentos não serem passíveis de fruição por quem gosta de beber cultura e a história de um povo. No entanto, na torre, um diligente e muito simpático funcionário, explicou-me que tinha muito gosto em mostrar-me o túmulo e o interior da igreja do mosteiro, mas, infelizmente, não tinha a chave. - O padre não a deixa. Para poder entrar no templo é preciso pedir a chave ao pároco, mas não sabe se nesse dia estará ou não disposto a isso. Pela conversa fiquei sem dúvidas sobre o dito "dono" ou zelador da igreja. Abstenho-me de escrever o nome que lhe chamei. No entanto, o culto e simpático funcionário mostrou-me, virtualmente, tudo sobre o mosteiro e o túmulo de Egas Moniz. Afinal são dois túmulos e a forma como descreveu a "linguagem" das pedras foi extraordinariamente rica. Recordou que os monges beneditinos consideravam o túmulo exagerado, "próprio de um gigante". - Gigante? Filho de gigante... - Gigante é! Riu-se, porque já sabia que era de Coimbra, onde está o túmulo do Afonso Henriques. Depois, conversámos sobre as "lendas", ou não, da fundação da nacionalidade e a ida de Egas Moniz com a família a Toledo, que está tão bem representada no seu túmulo, assim como a saída da sua boca, no último suspiro, de uma criança. Enfim, não dei por perdido o dia e sobretudo por "ter falado no passado". Não falei demais, tentei ver o presente com base num passado que me foi recusado ver. Neste caso, ao contrário do que disse Winton, "falamos demasiado do passado, o que interessa é o presente e o futuro", penso que o humanista concordaria plenamente, é preciso ver o passado para poder compreender o presente, mas quando este nos é negado...
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