Viajar por Portugal é o melhor que me pode acontecer. Sair de casa sem destino definido e encontrar locais adormecidos é a melhor oração para quem tem necessidade de acalmar o coração. Encontro tudo, por vezes até demais. Encanto atrás de encanto, sedução atrás de sedução e, sobretudo, muita fonte de inspiração. É tão fácil. Basta andar e de repente desviar para locais inesperados. Depois é só esperar, e encontro.
Entrei em ruelas que eram mais apropriadas para carros de bois, e devem ter sido eles que desenharam aqueles caminhos. No meio de pedregulhos desnudados apareceram à minha frente duas perdizes. Descaradas, não se desviaram um milímetro. Caminharam à frente do carro sem medo. Eu abrandei e fui atrás delas. Belas, encantadoras, frescas e provocantes. A certa altura, talvez cansadas da minha presença, saíram delicadamente do carreiro e embrenharam-se nas moitas. Sorri. Continuei a andar e fiquei deslumbrado com os afloramentos rochosos e o odor de um passado rico e cheio de histórias. Tudo mergulhado num silêncio humano delicioso. Até o meu velho amigo, o rio Mondego, corria feliz e puro como convém a quem não vê e não necessita de seres humanos. Uma velha ponte, rude, mas com um escudo nacional, impôs-se pela beleza e nobreza das suas funções a que não era alheio a delicadeza de um delicado cruzeiro. Tudo perdido no meio do mistério. Senti-me em casa. Os odores eram os mesmos, as imagens já as tinha guardado, o sol aquecia da mesma maneira e o silêncio devorava-me cheio de prazer. Há locais que não são estranhos, são locais onde a imaginação já viveu, amou e morreu. Todo o percurso estava cheio de mistérios, muitos, velhos como o mundo e novos como os meus sentimentos. São locais sagrados que teimam em desaparecer. São locais que gostam de falar. Basta estar atento ao vento, à luz, à sombra e, sobretudo, às pedras que guardam no seu ventre o gérmen da vida e da felicidade. Basta tocar-lhes para sentir o que guardam, o que viram e ouviram. É fácil ouvir e falar com as pedras, mais fácil e compreensível do que lidar com os humanos. São sinceras, são ricas e sabem poesia. Eu sei falar com as pedras. Eu sei como elas guardam os nossos sentimentos. Guardam-nos porque é a forma que têm de se alimentar e justificar a sua existência. Os seus ventres vazios, escavados e sombrios continuam a abrigar as almas de corpos que ali foram depositados. Sabem tratar com respeito e amor as almas perdidas que por ali andam e encantam quem sabe falar com elas.
1 comentário:
Faltam as fotos para que (eu) possa confirmar se a minha imaginação está perto destas descrições. Gosto de acompanhar os passeios de quem os descreve tão bem.
Abraço
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