Número total de visualizações de páginas

terça-feira, 12 de dezembro de 2006

Por 15,5 €...

Aquele anúncio é uma vergonha.
Um homem chega a casa do trabalho e vai chamando pela mulher, ou pelo filho, ou vai ao quarto da filha à procura dela. Os detalhes da casa são de conforto, com o pormenor dos ursinhos abandonados na cama da filha. Nas três ou quatro versões do anúncio, o homem lê com estupefacção os bilhetinhos secos a comunicarem que o deixaram por outro melhor ou seja, por outra pessoa que não se importava de pagar 15,5 € para lhes dar a felicidade insubstituivel de terem mais canais de televisão à escolha.
Não sei se o anúncio aumentou as vendas, mas é no mínimo de muito mau gosto. Digo no mínimo porque admito que, desastradamente, alguém tenha julgado que havia ali algum sentido de humor, uma espécie de paródia falhado da sociedade de consumo no seu melhor. Mas, lá diz o ditado, com a verdade me enganas, e como o humor é mesmo muito subtil(??) e as imagens são muito directas, a verdade é que pais e filhos se trocam por um prato de lentilhas várias vezes ao dia, na rádio e na televisão, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Há sentidos de humor que dão vontade de chorar. De dó.

9 comentários:

Bartolomeu disse...

Longe vai o tempo em que as mães compunham o vestuário dos filhos e os penteávam, para receber o pai que chegava ao final do dia. Longe vai o tempo em que os filhos aguardávam a chegada do pai, com um entusiásmo todos os dias renovado. Longe vai o tempo em que nos rostos se estampáva a alegria do reencontro. É verdade também que muito amiude os pais chegavam com um pequeno presentinho, ou um doce, mas mesmo não sendo o caso, a alegria era verdadeira. Longe vai o tempo em que o pai ao chegar, beijava carinhosamente a mãe e afagava os filhos com ternura. Era a hora de esquecer por uns minutos as brincadeiras e receber o conforto do amor. Seguia-se a refeição, que habitualmente decorria num ambiente de partilha, das acções que decorreram durante o dia. Era a vontada de partilhar os acontecimentos, as brincadeiras e as ocorrências na sala de aulas, que projectavam o crescimento que se tinha orgulho em demonstrar e que tanto alegrava os progenitores, que iam condimentando com os seus conselhos, aprovações e chamadas de atenção. Seguia-se o serão, curto para os mais pequenos, mas sempre preenchidos de interessantes conversas, histórias, acontecimentos passados, mas que tinham ficado guardos na memória com saudade e por alguma acaso sabia bem recordar.

Anónimo disse...

Completamente de acordo, Suzana.
O anúncio em causa não é só de mau gosto. Apela ao pior, à troca da estabilidade familiar por prazer de ter um produto.
Temo porém que a técnica publicitária resulte. Na publicidade, como nos media em geral, quanto pior, melhor. É o que está a vender. O apelo a valores e a princípios deixou de render e o resultado revoltante é este que a Suzana bem retrata.
As agências de publicidade concorrem entre elas para obterem o prémio do anúncio mais estúpido e mais cabotino. Entre eles está aquele em que se fala de porcos que voam e bancos (instituições financeiras) que não voam.
Dá vontade de rejeitar liminarmente esses produtos.

Anónimo disse...

Totalmente de acordo.

Tiago Mendonça disse...

O anuncio é de facto, repudiante. Induz certo tipo de comportamentos, nos jovens, e nas próprias relações conjugais, que são, absolutamente, lastimáveis. Por outro lado, remete ainda, para uma descaracterização do padrão familiar, subtraindo-se os tradicionais e valiosos serões em família, pela televisão em cada quarto, sintonizada, quase sempre em canais menos próprios, conducente a uma cada vez menor ligação entre as pessoas do proprio agregado familiar e um isolamento social. Muito bem visto, Dra. Suzana Toscano.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Cara Suzana,
Hoje numa conversa alargada com algumas pessoas ligadas ao marketing, alguém dizia que a publicidade é cada vez mais orientada não para satisfazer necessidades – julgava eu – mas antes para criar vontade, no sentido de induzir uma afirmação do “querer”, individualista e independente.
Explicaram que é este o marketing que vende.
Explorar a tal "vontade" pelos vistos não tem limites de espécie alguma. Moralidade, ética, responsabilidade, valores, são coisas que pelos vistos não interessam.
Pelos vistos é o preço da "liberdade". Será esta a liberdade que queremos?

RuiVasco disse...

Senti-me com vontade de opinar logo que li este post da querida bloguista Suzana que muito respeito! Não o fiz. Por dúvidas várias. Eu, nunca faria aquele spot! Mas é dificil saber onde acabam e começam a realidade dos factos,ou os factos da realidade! Baralhação, eu sei! Um spot é um facto, criado, trazido à realidade, com determinado objectivo! Numa sociedade, a tal realiade, de mercado aberto, de livre concorrência, de convite á criatividade, do desafio ao investimento privado, ao empreeendedorismo, ao desafio, ao risco, etc...- o que estamos a habituados a ouvir! E aí há que saber os riscos que se correm! "Sol na eira e chuva no nabal", é dificil! Parece-me que o spot está realmente nos limites! Mas será ele o problema? É pelo spot que a estabilidade, conceito, cultivo do espírito familiar se vai vai degradar? Não será mais pelos nossos comportamentos pessoais, entre-portas, que tal se estimula? Não estaremos com esta preocupação, a "deslocalizar", como agora se usa dizer, a essência da questão? Ou a endossar a terceiros responsabilidades que não queremos assumir? Não será o spot fruto dos nossos proprios comportamentos e das nossas responsabilidades e portanto nós os responsáveis da "falta de ética, moralidade, valores, que pelos vistos não interessam"?
Perdoem-me a dissonância dos comentários de pessoas que cada dia mais respeito, mas julgo que, por vezes, reagimos com precipitação e da forma mais facil, para as nossas consciências!
Agarrando na frase de Moura Viva - "um espelhar da sociedade está ali retratado"! Se assim é não visemos o spot, mas façamos uma autocritica, a cada um de nós, a sociedade!

Suzana Toscano disse...

Caros comentadores, caro RuiVasco, a publicidade induz comportamentos, daí a sua força e a sua importância. Leva-nos a comprar, a recusar, a viajar, etc.E cria modas, ou seja, transforma em atitudes globais aquilo que antes era residual, ou desconhecido ou até criticável por escandaloso. Uma das vantagens intrínsecas da publicidade é conseguir banalizar o que antes era restrito, alargar mercado, em suma. A mensagem é geralmente "todos fazem, e tu? Ainda não?O que estás à espera?" Daí que tenha que se olhar a publicidade com um sentido muito mais exigente do que o da legitimidade de quem quer vender um produto, os fins não podem justificar os meios, nem aqui nem noutras matérias. É verdade que no caso concreto se estará "apenas" a retratar um tipo de sociedade ou seja, o mal já lá está e é isso que é explorado. Mas será só isso? Eu acho que se vai muito mais longe, está-se a querer fazer acreditar que aquele é um comportamento "que todos têm", desde a mulher à empregada, que o que é estranho é que o pai tenha andado distraído e não tivesse tido tempo para a avaliar um descontentamento tão óbvio por não terem ainda o produto tão barato.De modo que se legitima assim a atitude de base e apresenta-se como "marginal" ou "justamente castigado" o infeliz que não comprou o amor da família, como lhe competia, de acordo com a mensagem implícita.É esta normalização de atitudes profundamente erradas que me choca, neste como noutros anúncios. A publicidade não tem que ser moralizadora, admito perfeitamente, aliás a sua eficácia depende exactamente de conseguir explorar as mentalidades instaladas, mas que tem um efeito potenciador desses hábitos, isso tem, por isso não podemos aceitar que ultrapasse os limites mínimos do que é aceitavel. Por alguma razão se proibe a publicidade ao tabaco ou se fazem campanhas contra a condução perigosa. É porque isso muda os comportamentos. Este anúncio, como outros, também pode mudar, ou agravar, para pior,o mercantilismo das relações pessoais, tocando no núcleo essencial que deve ser a solidariedade dentro da família. Se o pai não tem dinheiro que chegue...abandona-se, pois então!, e ainda é ele que fica mal visto perante os amigos dos filhos, que os acolhem de braços abertos numa mensagem mais que explícita de apoio à sua revolta. Não acho que se deva censurar ou proibir, o que creio é que temos que ter o espírito crítico bem desperto para podermos perceber porque é que em certos hábitos ou atitudes nos afastamos cada vez mais do que devia ser...

RuiVasco disse...

Concordo consigo como é evidente, na essência das questões. Porém, há um questão inicial e que nos deve fazer pensar - " o ovo ou a galinha? quem surgiu primeiro?" Eu não sei a resposta!
Os publicitários, exploram as fragilidades da sociedade, as nossas fragilidades, para as explorar e vender!...O aproveitamento da falta de tempo e de atneção dos pais, aproveitada no spot, é resultado daquilo que todos nós constatamos e aceitamos que acontece, nesta sociedade competitiva que criamos. E de que a Suzana fala num post mais recente! A publicidade aproveita esses canais de fragilidade para os seus objectivos! Percebo-a no seu comentario, mas duvido que possamos endossar a responsabiliadde para a forma de um mero spot! Que é diferente de proibir publicidade a produtos manifestamente prejudiciais á saúde, como tabaco. Aí é uma questão objetiva de conteudo ( memso assim duvido que a proibição reduza o consumo, mas admito) No spot em causa falamos da forma...que aproveita um conteudo que somos nós, cada familia, cada comportamento, de pai e mãe, lhes fornece, "gratuitamente"! E o meu comentario é exactamente no sentido da sua ultima reflexão- " proibir e censurar, não resolve"! Tentemos ter "espirito critico desperto para perceber"...onde erramos, para que o spot seja possivel!

Suzana Toscano disse...

Caro RuiVasco, a sua perspectiva é muito mais exigente que a minha,eu acho que essa fraqueza não deve ser explorada e o RuiVasco acha que ela não deve existir!Tem razão, claro, é por isso que eu também acho que proibir esses anúncios seria errado. Pelo menos já deu oportunidade a que se reflectisse um pouco sobre a realidade que expõe...