Lembro-me de algumas histórias ocorridas com cães, umas agradáveis e outras nem por isso. Em pequeno fugia como o diabo da cruz quando os via. Assustavam-me muito quando ladravam e quando me fitavam calados. No primeiro caso interpretava como um sinal de hostilidade e no segundo como uma ameaça iminente de ser atacado. Fugia. Sabe-se lá o que é que estariam a pensar de mim. Para comprovar as minhas preocupações, um cãozito rafeiro, Piloto de seu nome, lembrou-se um dia, à calada, de ferrar a sua bocarra no meu traseiro. Estava a acenar, no final de uma tarde de verão, ao comboio rápido das sete. Sacana. Doeu que se fartou e, depois, o mercurocromo fez o resto. Dois dias de rabo alçado. Se tinha medo com mais medo fiquei. Mais tarde, o Pinóquio, quem sabe se a reencarnação do anterior, nunca me chateou, nunca me ladrou, mas era um animal esquisito, sofria de satiríase à enésima potência. Chegava a desaparecer dias seguidos. Quando perguntava por ele ao dono, respondia-me, "foi às gajas". Passados uns tempos aparecia todo escanzelado, não se sabe se do trabalho ou das lutas com outros cães. Nunca tive problemas com ele. Outros chegaram a arreganhar os dentes, alguns ainda tiveram o desplante de me perseguir durante um bom bocado, enfim, peripécias com cães nunca me faltaram. Até que um dia fui "obrigado" a tratar de um cão. Verão, praia, estudante de medicina, um cão ao atravessar indevidamente a rua foi atropelado. O carro continuou na sua marcha e o pobre animal gania que nem um desalmado. Aproximei-me acompanhado de um puto de dez a onze anos, que me avisava constantemente para não lhe mexer, mas o sofrimento incomodava-me e fiz uma tentativa. O cão deixa de ladrar, vira-me os olhos como que a implorar ajuda, abre a boca e com a língua começa a lamber-me. Disse ao puto para ir arranjar pedaços de roupa velha e uns bocados de madeira. Regressou passado pouco tempo, e eu fiz, pela primeira vez, uma tala, sabendo que não iria servir muito ao animal. Deixou-me fazer tudo. Como tinha que ir apanhar a boleia para Coimbra, solicitei ao miúdo que lhe desse de comer e de beber. Fiz-lhe uma última festa e ele agradeceu-me com uma generosa lambidela. Foi a primeira vez que me aproximei de um cão. Mais tarde, muito mais tarde, deixei-me cair na tentação de adquirir um animal, os filhos têm esse condão. A primeira cadelita nem quinze dias durou, estava doente. Tive que a substituir por uma Cocker Spaniel, louca até dizer basta, que, durante mais de dezoito anos, fez as nossas delícias apesar de muitos sustos por causa de doenças. Morreu de velhice, doente, alquebrada, mas com "dignidade" canina.
Não há muito, depois dos muitos casos de ataques, alguns mortais, provocados por certas raças, nomeadamente "pitbull", estava deitado a desfrutar uma bela tarde de verão na albufeira da Aguieira, deserta, senti um estranho bafo no lado esquerdo do meu pescoço. Abro os olhos e vejo o focinho maciço de um pitbull a tirar as medidas às minhas jugulares. Senti um baque, tentei manter o sangue frio, não me mexi, não o olhei, tentei ver pelos cantos dos olhos, e através dos dedos dos pés, onde estariam os donos, pois àquela hora não havia ninguém. O acelerar do coração era mais do que evidente, o tipo não saía daquela estranha posição, até que vislumbrei duas mulheres e um homem à beira da água. Não se viravam, estavam longe e caso fosse atacado não deveriam chegar a tempo. Estou tramado. Até que, de repente, o dono, talvez sentindo, telepaticamente, a minha angústia, começou a chamar o "chien". O animal era francês. O gajo ainda hesitou, até que, perante a insistência do dono, se foi embora, não sem antes lançar mais do que uma vez um olhar muito esquisito. Ainda estive disposto a barafustar com aqueles turistas, mas como já tinha tido a minha dose, deixei-me relaxar novamente na toalha, agora com o respeitável e sempre útil canivete suíço, de razoáveis dimensões, totalmente desembainhado na minha mão direita.
Continuo a ter medo dos cães, sobretudo de alguns, mas também tenho medo da forma como certos seres humanos os tratam, uns muito mal e outros "bem" de mais, humanizando-os de uma forma que nunca consegui entender. Ultimamente chego a ler a este propósito coisas que pensava que só se podiam aplicar a nós, como, "ainda não foram julgados", "ainda não foram condenados", "não está provada a sua culpabilidade", mas ainda não li coisas como "trânsito em julgado" ou "recurso para qualquer instância judicial superior". Não tarda e ainda vão criar algum tribunal constitucional canino.
Tenho medo de cães, gosto deles e defendo-os se for preciso, mas cão é cão e homem é homem, nada de humanizá-los porque podemos correr o risco de ainda começarmos a "ladrar" e, até, a "morder"...
7 comentários:
Actualmente, coabito com uma cadela filha de uma labradora e de um pit-bull. A minha mulher ama a bicha e a bicha retribui-lhe em companhia e dedicação. Mas fora de casa tenho mais 3 cadelas e dois cães. Desde à muitos anos que tenho cães de diferentes raças, um deles, pastor alemão. A experiência de anos a criar e educar os cães que tenho tido, ensinou-me que os animais com que partilhamos o espaço em que vivemos, possuem características próprias dos animais que são e que, devemos educa-los no sentido de serem obedientes. A par desse treino, e porque os animais devem ser nossos amigos, devemos também preocupar-nos em potenciar-lhes esse sentido, brincando com eles, acarinhando-os, ensinando-os, demonstrando-lhes amizade e respeito, exindo-lhes o mesmo.
Depois de estes preâmbulos se estabelecerem, uma relação entre um humano e um animal, pode ser algo bastante gratificante e até certo ponto, terapêutico.
Ah!!!
Tive tambem um Cocker Spaniel gigante, dourado, mau como as cobras. Um dia, mordeu a mão do meu filho mais novo. Rasgou-lhe a carne na polpa da palma, junto ao polegar. Assim que o incidente aconteceu, peguei-lhe pelo gasganete, levantei-o à altura dos meus olhos e disse-lhe, olhos nos olhos: se voltas a repetir a graça, deixas de fazer parte do mundo dos vivos. Depois poisei-o no chão, e lá foi ele, de mansinho, deitar-se atrás do sofá.
Mas percebeu perfeitamente o que lhe disse, porque não voltou a morder. Depois fui com o miudo ao hospital e fiquei a saber que as mordeduras de cão não são suturadas.
Tive também uma cadela Tekle, que foi de longe, de todos, a que mais gostei. Era espertíssima, meiguíssima e ao mesmo tempo independente. Possuia uma personalidade muito vincada, era uma perfeita senhora do seu nariz.
Quando fôr velhinho, se lá chegar, vou querer ter novamente uma cadela, ou um cão desta raça, para me ajudar a passar os últimos anos mais distraído.
;)
Caro Professor, ele há coincidencias... Escreveu este seu post hoje (entendo-lhe o sentido, note, mas o que mais me marcou foi o principio) e precisamente hoje saí esbaforido do veterinário da minha cadela. Fui lá para uma visita de rotina, vacinas e como mudei de casa, também para lhe mudar a morada no chip, um passaporte novo (mudei de comunidade autonómica e estas coisas em Espanha são muito complicadas), enfim, burocracias. Estávamos nisto eu e o veterinário e aparece uma senhora aí dos seus 30s anos, com um cão nos braços, algo mal tratado, e disse que o tinha apanhado na estrada, ainda vivo, ter-lhe-ia morrido no caminho.
Não sou de perder a calma mas realmente cães são o meu ponto mais fraco. Foi demais para mim e ainda por cima a minha cadela queria aproximar-se do bichinho morto. Eu levantei-me, disse ao veterinário que ia dar uma volta e voltava mais tarde. Nem me lembrei que deixei o meu DNI em cima da secretária dele, que não lhe paguei, nada. Levantei-me e saí porta fora. Impressionou-me tanto... :-(
Concordo plenamente que animais são animais, pessoas são pessoas. E, aliás, tem sido dessa forma que a minha tem sido educada. Ela sabe perfeitamente qual é o seu lugar e é feliz assim. É teimosa mas basta um tom de voz mais ríspido para lhe acabar a teimosia. Faz parte da minha vida ao ponto de que nem quero pensar como será quando ela morrer.
Ahh, para que conste! Mais tarde, claro, voltei ao veterinário para terminarmos o que estávamos a fazer antes da interrupção.
Esse episodio do pitbull a medir-lhe as carótidas dá calafrios...!Acho que só quem nunca teve um cão é que não percebe até que ponto se estabelece uma afeição mútua entre um cão e os seus donos, nem sempre pacífica ou linear, depende das "personalidades" respectivas. EM casa dos meus pais tivémos um casal de fox terriers, ele brigão e arisco mas inteligente que fazia impressão, acho que nos adivinhava o pensamento, ela boazinha, uma verdadeira sedutora, mas incapaz de ladrar a um estranho. Morreram os dois muito velhinhos, já nós todas tínhamos saído de casa, e o cão, até morrer, sempre teve uma ciumeira desgraçada dos nossos filhos, não lhes mordia mas disputava com eles o nosso colo, os miminhos todos, tinhamos que lhe dar mais atenção do que o costume senão ficava a latir a um canto, muito desgostoso. Mas o Massano tem razão, nem todos os cães são de fiar, alguns metem medo, tal como as pessoas, verdade se diga.
Eu gosto muito de cães a ponto de não ter coragem de ter um fechado em casa. Se tivesse um quintal...
Caro Luis Moreira, nem todas as raças de cães são aptas a estar num quintal. Dando-lhe um exemplo duma raça grande, os boxers, são infelicissimos se os deixa num quintal. São cães de familia e que querem estar em casa com a familia na sala, querem sentir-se parte da familia. Num quintal são infelicissimos e, de qualquer forma, mesmo tendo-o, não lhe ligam muito se a familia estiver dentro de casa.
Isso sim, têm imensas necessidades de exercicio e requerem imenso a esse nivel. Não são cães para qualquer dono, isso de todo. Em tempos li por aí pela internet com uma certa piada que ter um boxer era ter um emprego a tempo inteiro. Mas isto não é, de todo, sinónimo de que possam estar num quintal.
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