Adoro lendas e mitos, pela poesia, beleza e simbolismo que encerram. Considero as mais perfeitas criações humanas, estimulam os sentidos, preenchem o vazio da existência e acalentam esperança.
Há muito que andava para ler "O Milhão", considerado como um dos documentos mais notáveis da humanidade, livro que relata as viagens de Marco Polo. Escrito há mais de setecentos anos, enche as medidas de qualquer um, pela forma, pelo conteúdo, pelas histórias e descrições relatadas, muitas consideradas fantasiosas, a ponto de, no limiar da morte, os amigos, receosos pela sua alma, rogaram-lhe que se retratasse; Marco Polo declarou: "Só contei a verdade, e apenas metade do que vi.”
Das muitas histórias que me marcaram, destaco uma, a dos reis magos. Os reis partiram de Sava, cidade persa, onde acabaram por ser sepultados. Diz Marco que deve ser verdade, porque a três dias de viagem existe um castelo de adoradores de fogo. Há uma razão para que os reis magos adorassem o fogo. Em tempos, partiram para "adorar um profeta acabado de nascer e levaram-lhe presentes, ouro, incenso e mirra, para saberem se esse profeta era Deus, rei da terra ou mago". Se o profeta pegasse em incenso seria Deus, se pegasse em ouro seria rei da terra e se pegasse em mirra seria um mago.
Quando chegaram ao local, onde tinha nascido o Menino, o mais novo dos três foi sozinho vê-Lo e ficou surpreendido porque tinha a sua idade e estava vestido como ele. Em seguida entrou o segundo rei mago e verificou que o profeta tinha a sua idade e estava vestido como ele. Por fim, o mais velho dos três entrou e ficou também assombrado ao ver alguém da sua idade e vestido como ele. Reuniram-se e contaram, maravilhados, o que tinha acontecido a cada um. Então, decidiram os três entrar ao mesmo tempo e ficaram novamente maravilhados porque encontraram um menino com três dias de idade. Ajoelharam-se e ofereceram ouro, incenso e mirra. O Menino aceitou as ofertas e retribuiu-lhes com um pequeno cofre fechado. Os reis Magos regressaram a Sava. No caminho, curiosos, abriram o cofre e encontraram uma pedra. Ficaram surpreendidos e não perceberam o porquê daquela oferta, vinda de alguém que era simultaneamente Deus, rei terreno e mago, porque o Menino tinha aceitado as três prendas. Não conseguindo compreender o significado da pedra - deviam ser firmes e constantes na sua fé -, lançaram-na a um poço. Assim que o fizeram, "um fogo ardente baixou do céu e caiu no poço onde tinham lançado a pedra". Surpreendidos e arrependidos com o lançamento da pedra ao poço, apanharam o fogo para levá-lo até aos seus países, onde o colocaram em templos, adorando-o como se fora um Deus. Sava, Ava e Gasalaca eram as cidades dos três reis magos. Contou Marco Polo.
Confesso que as imagens dos três reis magos sempre me fascinaram, devido à obscuridade das suas origens, ao significado das prendas ofertadas ao Menino, ou, então, inconscientemente, associava-os, desde muito pequeno, ao gesto das ofertas natalícias, embora acreditasse que fosse o Menino Jesus o responsável por tão generoso gesto natalício, interrompido abruptamente num Natal por uma safada, a quem ainda hoje não consigo perdoar.
Quem não gosta de receber prendas? Eu gosto, muito. Não espero receber ouro, incenso ou mirra, apesar de não ser difícil obtê-los hoje em dia, mas ponho-me a pensar se devemos lançar fora as pedras que nos oferecem, são muitas as que nos caem em cima, mas devemos guardá-las, talvez possamos dar-lhe forma e conhecer o seu verdadeiro significado e, caso as lancemos a um poço, há sempre a possibilidade de um fogo nos aparecer para aquecer a alma.
No próximo Natal, não vou esquecer a história dos três reis magos contada por Marco Polo há mais de setecentos anos.
Disse o viajante à hora da morte: "Só contei a verdade, e apenas metade do que vi". Eu só contei a verdade e apenas metade do que senti...
3 comentários:
como eu beneficio com as leituras do Prof Massano!... Mto obrigada.
Devia ser asustador, à época, ouvir falar de tantas maravilhas e perigos que nem se imaginavam que existissem, outros mundos dentro de um mundo que parecia tão pequeno e que afinal continuava e se desdobrava em tanta diversidade. Hoje estamos mais disponíveis para ouvir relatos de viagens fantásticas, o mundo tornou-se tão pequenos que já procuramos Marte, ondeé que já vai a Lua...!
Da cuidada expressão literária, humana e até sobrenatural do seu texto, permito-me destacar o primeiro parágrafo...é daquelas frases que merecem registo e recordação pela suave mensagem que nos transmite, caro Professor!
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