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sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Se cá nevasse, fazia-se cá ski

Os debates públicos não servem para legitimar decisões nem sequer para eleger os argumentos que as fundamentem. O que é na verdade um “amplo debate público”?, quando se dá por cumprido, por terminado, quem colige as conclusões, quem as valida, quem as selecciona? E depois, invoca-se o tal debte para explicar as decisões? Eu não sei, mas pode ser que haja quem saiba, pelo menos parece que há imensa gente. Não é preciso nenhuma “decisão” para que haja discussão na praça pública dos temas que nos interessem, havendo liberdade de reunião e de expressão cada um pode fazer e dizer o que quiser. Que me lembre, devem contar-se por várias centenas os “debates” organizados pelo país fora antes de todas as eleições, houve até a moda das conferências dirigidas à tão amada “sociedade civil”, cheias de reportagens na televisão e apresentações de conclusões de que, pelos vistos nunca mais ninguém se lembrou. Suponho que cada partido político deve ter uma vasta colecção de arquivos ao menos dos últimos, digamos, por economia, 10 anos, registos de apresentações, debates, estatísticas, peritos internacionais e comparações entre performances de países. Ou então deitaram-nas para o lixo, o que é uma pena pois pouparia muito tempo e muito palavreado inútil. E não deve ter havido nenhuma mesa redonda na televisão que, mesmo que o tema fosse a moda Verão Inverno em Itália, não acabasse a discutir as insuficiências do Estado. Se há tema que foi “debatido”publicamente ao longo dos anos, a propósito de tudo e de nada, por todo o bicho careta que há à face da terra, foi o da “reforma do estado”, da “dimensão do Estado”, da “desburocratização do Estado”, dos regimes de trabalho no Estado, das pensões, etc. Tenho uma vaga ideia, só para não cansar a memória, de ter havido emocionantes Praces, Pramecs, programas de convergência de pensões, sistemas retributivos, comissões e mais comissões de reformas, só para me ficar por aqui. Todas acompanhadas de copiosas discussões e debates públicos, milhares de horas de negociações, desembocando em dezenas ou centenas de diplomas legais, sucessivamente alterados depois de outros tantos debates ou apenas sumariamente decididos. Todos contestados e muito pouco aplicados ou avaliado o seu impacto real. Por isso espanta-me imenso que esse estafado dossier ainda cause um estremecimento de gula a todos os convocados para se pronunciarem sobre ele. Espanta-me imenso que continuem a pedir-se estudos sensacionais e que jornais, radios e televisões se cheguem à frente agarrando o tema, pois é claro que o tal debate público encherá, ainda e sempre, muitos dias (não resistirá muito mais) de palpites, análises e brilhantissimas conclusões que não serão seguidas, ó que maçada!, ou que seriam tomadas à letra e passadas à acção, embora nunca da exacta maneira e dimensão que se preconizava.E que em breve serão ignorados, até se iniciar o próximo debate público, como se nunca se tivesse antes tocado em tal vaca sagrada.
Para variar, podemos por exemplo fazer de conta que conseguimos redesenhar todo o País como ele devia ter sido desde D. Afonso Henriques, nunca tivemos analfabetos, sempre fomos de religião protestante, toda a gente contribuiu sempre com iguais salários para os sistemas de pensões durante o mesmo tempo, nunca houve rendas de casa congeladas durante décadas, a iniciativa privada floresceu e abriu caminho na saúde e na educação quando não havia praticamente nenhumas para uma população desprotegida, competiu com lisura, venceram os melhores por mérito próprio, sem as grilhetas de um Estado pesadão e ineficiente. Apagamos estas misérias do passado e não voltará a haver “interesses”, nem posições dominantes, nem corrupção, nem privilégios, nem sequer ineficiências. Vai tudo funcionar como um relógio suiço, nem um euro desperdiçado, nem um papelinho a mais, nem um sorriso a menos. Podemos fingir que somos a Suécia tal como a imaginamos, ou que o nosso SNS começou mesmo antes da 2ª guerra mundial, como o inglês, ou que nunca devíamos ter tido Forças Armadas, mas sim bancos, como a Suiça. Podemos muito bem analisar todas as estatísticas actuais de cada país e fazer um círculo à volta das que mais se destacam, queremos esta, aquela outra, metade daquela, queremos árvores frondosas no Alentejo, mar azul na Beira Interior e searas douradas à beira mar. Queremos casas novas, gente nova e gira, bem falante, educada, não queremos velhos, nem pobres, nem inúteis, haverá empresas prósperas e competitivas, emprego para todos, confiança, salários justos, margem de poupança. E pagaremos a dívida até ao último tostão, e mais que fosse. Aí sim, meus amigos, vamos ter um País a sério e nem será preciso Estado nenhum. É só debatermos. E, se cá nevasse, fazia-se cá ski.

11 comentários:

Anónimo disse...

Desde que adquiri consciência cívica vivi acompanhado de duas locuções: crise e reforma do Estado. Debate-se a crise, as suas raízes, as soluções. Boa parte do tempo fala-se das crises, palpita-se, "acha-se" que... Por vezes também se debate. Raramente retiramos consequências.
O mesmo se diga da reforma do Estado. Apesar de quase todos coincidirem no diagnóstico, o debate sobre a transformação da res publica tem também ele sido inconsequente por falta do consenso político mínimo para mudar o que é essencial mudar. Porquê? Posso ser injusto mas há muito que penso que, pese embora o debate, na hora da verdade prevalecem os interesses dos principais atores a quem assusta um novo paradigma de sociedade política e uma nova Administração Pública. Sim, refiro-me aos partidos políticos, sobretudo aos que, coincidindo nos diagnósticos e nas convicções sobre o que há a fazer, se revelam alérgicos a pactos de regime que algumas medidas (as verdadeiramente importantes) pressupõem.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Suzana
Excelente "reportagem" histórica. Seria bom, desta vez, fazermos um debate a sério. É extraordinário como nos deixámos chegar até aqui. O parecer técnico do FMI não será desta vez mais um diagnóstico, estudo, parecer ou relatório, este é para levar a sério porque temos os credores à porta. Levá-lo a sério não significa aceitar de cruz o cardápio de cortes proposto.

Bartolomeu disse...

Apesar de tudo, prefiro fazer de conta que somos a Suécia. Parece-me o mais auspicioso delírio.
Se cá nevasse... sim, teríamos mais condições para fingir, mas, na verdade, cá não neva em abubdância suficiente para que nos imaginemos Suecos, também não chove o suficiente para nos acharmos Indianos, nem faz tanto calor que nos possamos considerar africanos. Conclui-se sem necessidade de recorrer a um debate com a participação de técnicos do Instituto de Meteorologia, que cá não neva, não chove e não estia em doses suficientes para que nos consideremos seja o que for.
Hoje de manhã, enquanto viajava no carro, a caminho de Lisboa, comentava com a minha mulher, o efeito eo impacto que teria a extinção imediata dos 3 ramos das forças armadas. Respondeu-me ela de imediato: isso originava logo um golpe de estado, uma revolução como a de 25 de Abril.
E acho que ela tem toda a razão. Nunca teremos mudanças no nosso país, quer a nível social, político ou religioso, enquanto se mantiverem os 3 ramos das forças armadas.
E porquÊ?!
Porque do mesmo modo que cá não neva o suficiente, não chove demasiado e não estia até derreter, também não temos a necessária consciência cívica, que nos conduza à situação dos povos nordicos.
Ou seja; neva pouco, o que faz com que esbocemos somente umas escorregadelas em cima de umas tábuas mal amanhadas; chove pouco, o que ocasiona periodos de seca; estia moderadamente, insuficiente para que os cérebros entrem em ebulição, para mais, nunca falta a cerveja geladinha sempre que ocalor aperta um pouco.

João Baptista Pico disse...

E lá voltamos ao mesmo, apesar do que escreveu com tanta veemência Toscana, caso aceitássemos a proposta feita pelo 2º comentário ( Margarida): "(...)Seria bom, desta vez, fazermos um debate a sério. É extraordinário como nos deixámos chegar até aqui. O parecer técnico do FMI não será desta vez mais um diagnóstico, estudo, parecer ou relatório, este é para levar a sério porque temos os credores à porta. Levá-lo a sério não significa aceitar de cruz o cardápio de cortes proposto. " Com que então vamos lá debater tudo outra vez e daqui a 40 anos, aonde é que já estaremos...?! É que o Relatório do FMI nem precisa já que façamos sequer, UM DESENHO!!! É TUDO CERTINHO E DIREITINHO!!!

Agitador disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Agitador disse...

Drª Suzana,

Lindo post!!

Faltou explicitar que criamos edificios jurídicos que tranquilizam as nossas consciências OU TALVEZ NÃO e que justificam a existência de reformas de 5.000€ ao lado de 300€. 40 anos a solidariedade verbalizada!! é uma vergonha!! neste caso justifica-se um levantamento popular. Mas dos idosos ninguém quer saber!

Luis Moreira disse...

E se nos mexessemos em vez de nos queixarmos :http://bandalargablogue.blogs.sapo.pt/108293.html

Bmonteiro disse...

Words...words...words...
Está a suceder com o MDN: Conceito Estratégico...(25 sumidades excelentíssimas)
«Uma das particularidades portuguesas: o gosto da pequena polícia, a que mantém relações sentimentais como povo. A sua arte de bisbilhotar, de procurar por trás, de inventar razões e causas, a um tempo teima de funcionário e regressão à inteligência infantil. Ou bem que os portugueses não fazem nada, ou bem que vão até ao último pormenor e, chegados aí, largam tudo como de costume (196)
Cada cinquenta anos, o país sonha ser a primeira sociedade liberal avançada do mundo. Cada cinquenta anos, o libertário volta à superfície. Procura-se então um banqueiro ou um professor de economia capaz de casar meio século de bordel com O Espírito das Leis (223)
“O quinto império”
Dominique de Roux (1977, Paris)

jotaC disse...

"(...) quando se dá por cumprido, por terminado, quem colige as conclusões, quem as valida, quem as selecciona? E depois, invoca-se o tal debte para explicar as decisões? Eu não sei, mas pode ser que haja quem saiba, pelo menos parece que há imensa gente.(...)"

Absolutamente pertinente esta questão...

Suzana Toscano disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Suzana Toscano disse...

Caro Ferreira de Almeida, para haver pactos de regime, ou simples consensos duradouros, é preciso confiança entre os interlocutores, não pode um andar desconfiado do que o outro pretende, não pode o outro estar à espreita para atacar. Não adianta pactos de papel, o que adiantaria, e muito, seria a determinação de conduzir o país da forma menos penosa para todos,com acordo e decisões pensadas nas suas diferentes abordagens.
Caro Bartolomeu, também não sou assim tão pessimista, o nosso País progrediu muito e fizemos coisas bem feitas, até em pouco tempo para o que outros fizeram, assim não as deitemos a perder à mesma velocidade!
Caro João Batista Pico, um cardápio é isso mesmo, um cardápio, há que escolher o que é possível, o que é melhor e o que tem que ser melhor pensado.
Caro Agitador, duvido muito que seja uma aritmética assim tão simples, os números que refere representam realidades completamente diferentes, ou quer aplicar o mesmo princípio aos salários, às poupanças, etc? Esse tipo de raciocínios só dificultam que as coisas se façam com justiça e equilíbrio, é preciso ter cautela.
Caro Bmonteiro, é uma caricatura, mas terá o seu fundo de verdade, só não me parece que sejamos assim tão originais...
Caro jotac, e, no entanto, é uma pergunta bem simples!