Receber uma prenda é um sinal de respeito, de amor, de atenção ou de agradecimento. Quem o faz, faz por gosto e impregna o objeto com sentimentos, emoções e recordações.
Olho-o e vejo uma paisagem que faz parte do meu imaginário. Recordo, ou julgo recordar, a primeira vez que vi aquele espaço. Foi há muitos anos, era pequeno, muito pequeno, mas fiquei com uma vaga ideia do local que, depois, ao longo do tempo, se foi transformando em belos quadros, cheios de vida, de cor, de brilho, de sons e de cheiros. Sempre que passava naquele local ficava deslumbrado pela sua beleza em que pontuavam barcos, sobretudo coloridas traineiras. A azáfama dos pescadores, a vozearia de aves boçais, loucas nos seus propósitos, o tremelicar de lingotes de prata debaixo da água a revelar como se transformam raios de sol em brilhantes espelhos, aliados a um odor único capaz de inebriar o mais sensível dos humanos, provocavam-me estranhas emoções a ponto de querer ficar tempos infinitos naquele espaço. Tudo me seduzia naquele lugar. Pedia para ir até lá e ficava absorto com as formas sensuais das traineiras. Parecia que tinham anquinhas, prontas para bailar e rodopiar no mar calmo. Quando a maré vazava, adormeciam de lado como se fossem animais cansados de tanto lidar. A água começava a subir e elas, meio adormecidas, acabavam por estremecer e sair daquele estranho sono ficando direitas e cheias de vida. Gostava tanto de as ver a endireitar-se ao som do barulho das águas e do cheiro do perfume das algas. Um cheiro subtil que me persegue desde então.
Um dia, como gostava daqueles barcos, deram-me uma pequena traineira de lata, verde, vermelha e amarela. Brinquei muitas vezes com ela, no tanque da minha casa, nos carreiros feitos pelas carroças dos bois nos terrenos encharcados em frente da fábrica ou na ribeira que corria aos pés da cozinha da minha avó. Adorava a minha traineira de lata, verde, vermelha e amarela, igualzinha às que via na doca, quando ia à praia. Trocava o incómodo das areias e o espumar de um mar assustador pela beleza daquele espaço. Pedia para ir para lá. Depois, mais tarde, já não pedia para ir. Ia sozinho. Ficava, durante muito tempo, a ver aquele quadro de sons, luz, efeitos, cheiros e azáfama dos animais, humanos e voadores.
Recebi a prenda anunciada. Entregaram-me a meio da tarde. Saí tarde, já de noite. Sabia que o mar não estava longe, não o via nem o ouvia, mas, subitamente, debaixo de intensa chuva, senti o perfume da maresia a inundar-me os sentidos. Fiquei na dúvida se o perfume vinha do mar ou do meu quadro. Voltei a olhá-lo e vi um dos mais belos espaços que perduram na minha mente e que agora se materializou numa delicada aguarela. Olho e não encontro a minha traineira de latão, verde, vermelha e amarela. Não faz mal, saiu, foi passear, bambaleando-se sensualmente, à procura do seu amor. A minha traineira, verde, vermelha e amarela é muito bela e agora já sabe que pode voltar. A minha aguarela está à espera dela...
Olho-o e vejo uma paisagem que faz parte do meu imaginário. Recordo, ou julgo recordar, a primeira vez que vi aquele espaço. Foi há muitos anos, era pequeno, muito pequeno, mas fiquei com uma vaga ideia do local que, depois, ao longo do tempo, se foi transformando em belos quadros, cheios de vida, de cor, de brilho, de sons e de cheiros. Sempre que passava naquele local ficava deslumbrado pela sua beleza em que pontuavam barcos, sobretudo coloridas traineiras. A azáfama dos pescadores, a vozearia de aves boçais, loucas nos seus propósitos, o tremelicar de lingotes de prata debaixo da água a revelar como se transformam raios de sol em brilhantes espelhos, aliados a um odor único capaz de inebriar o mais sensível dos humanos, provocavam-me estranhas emoções a ponto de querer ficar tempos infinitos naquele espaço. Tudo me seduzia naquele lugar. Pedia para ir até lá e ficava absorto com as formas sensuais das traineiras. Parecia que tinham anquinhas, prontas para bailar e rodopiar no mar calmo. Quando a maré vazava, adormeciam de lado como se fossem animais cansados de tanto lidar. A água começava a subir e elas, meio adormecidas, acabavam por estremecer e sair daquele estranho sono ficando direitas e cheias de vida. Gostava tanto de as ver a endireitar-se ao som do barulho das águas e do cheiro do perfume das algas. Um cheiro subtil que me persegue desde então.
Um dia, como gostava daqueles barcos, deram-me uma pequena traineira de lata, verde, vermelha e amarela. Brinquei muitas vezes com ela, no tanque da minha casa, nos carreiros feitos pelas carroças dos bois nos terrenos encharcados em frente da fábrica ou na ribeira que corria aos pés da cozinha da minha avó. Adorava a minha traineira de lata, verde, vermelha e amarela, igualzinha às que via na doca, quando ia à praia. Trocava o incómodo das areias e o espumar de um mar assustador pela beleza daquele espaço. Pedia para ir para lá. Depois, mais tarde, já não pedia para ir. Ia sozinho. Ficava, durante muito tempo, a ver aquele quadro de sons, luz, efeitos, cheiros e azáfama dos animais, humanos e voadores.
Recebi a prenda anunciada. Entregaram-me a meio da tarde. Saí tarde, já de noite. Sabia que o mar não estava longe, não o via nem o ouvia, mas, subitamente, debaixo de intensa chuva, senti o perfume da maresia a inundar-me os sentidos. Fiquei na dúvida se o perfume vinha do mar ou do meu quadro. Voltei a olhá-lo e vi um dos mais belos espaços que perduram na minha mente e que agora se materializou numa delicada aguarela. Olho e não encontro a minha traineira de latão, verde, vermelha e amarela. Não faz mal, saiu, foi passear, bambaleando-se sensualmente, à procura do seu amor. A minha traineira, verde, vermelha e amarela é muito bela e agora já sabe que pode voltar. A minha aguarela está à espera dela...
1 comentário:
A descrição pormenorizada transmite tanta emoção, tantos sentimentos, que até eu gostaria de conhecer esse lugar e todas as traineiras que adormecem nesse mar...
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