É perigosa esta inovação política à volta do papel do Presidente da República, insidiosamente avançada na antecipação de um debate que devia ter protagonistas reais e não expectativas de candidados.
Porquê esta súbita urgência de comentários, de cenários, de atribuição de intenções? Não há mais nada de importante para acompanhar e discutir? Claro que há, mas o sindroma da falta de esperança no que já se conhece impele a descortinar no horizonte uma possível solução, alguém que "tome conta disto" e faça o favor de nos proteger dos descalabros governativos.
E é exactamente isso que deve ser evitado. Quando Jorge Coelho (DN, 27 de Julho, "A Marca de Soares") diz sem pudor que "o que está em causa é um projecto para o País" e o modelo de desenvolvimento" para logo contrapor um Soares "solidário, mobilizador, que inspire confiança" a um Cavaco Silva que "não se importa de sacrificar os pobres e desempregados por uma meta estatistica" lê-se e não se acredita. É uma proposta de descredibilização deste e de qualquer outro Governo, é a teoria mais que enganosa de que cabe ao Presidente da República governar ou, pior ainda, governar na sombra, assumindo a responsabilidade pelo "modelo de desenvolvimento" ou pela capacidade que os Governos tenham de executar os seus Programas em coerência ou ao arrepio de tudo o que prometeram para ser eleitos.
Não estou a querer avaliar os quase-candidatos ou os candidatos que se julga que serão. O que me alarma é a ligeireza com que se assume que os Partidos já não são capazes de gerar Governos dignos desse nome, é preciso ter alguém suprapartidário, "que inspire confiança" (leia-se, ao contrário dos que governam) e que assuma de uma vez por todas as responsabilidades de dar ao país um rumo tranquilo, de preferência a contento de todos.
No meio desta confusão, já é difícil lembrarmo-nos do nosso sistema de governo, do efectivo papel institucional do Presidente da República e, finalmente, da responsabilidade do 1º Ministro e do Governo na execução das políticas aprovadas com o seu Programa. Não há substituições neste papel, e nada é mais grave do que os poderes mal assumidos e as campanhas enganosas, que conduzem ao descrédito e à indiferença dos eleitores. Ou o "Magistério de Influência" passou a ser uma 3ª via, sem contornos definidos, que ocupa o poder vazio de responsáveis?
3 comentários:
Também me tem impressionado o discurso pretensamente legitimador das candidaturas à Presidência da República no exacto sentido em que o expressa a Suzana neste seu post.
Ontem mesmo ouvi o actual Presidente da República dizer que finalmente se está a reconhecer a importância da Presidência da República. Estranhas palavras estas porque não consta que nos anos que levamos de sistema semi-presidencial, com as matizes que foi assumindo quer por via das revisões da Lei Fundamental quer por via do exercício concreto da função presidencial, se tenham desvalorizado os poderes do chefe do Estado, ou que algum dos cidadãos eleitos para esse alto cargo tenha deixado de os exercer.
Estranheza quando essas palavras são proferidas por alguém que, como Presidente da República, recentemente entendeu que os seus poderes iam ao ponto de dissolver um parlamento onde existia uma maioria clara e até aí homogénea, acto que praticou como resultado da avaliação que fez da performance de um governo que legitimamente e indiscutivelmente se apoiava nessa maioria.
Existe, pois, nesta confusa fase da vida politica, um novo equívoco. O de ver no Presidente da República não o garante do regular funcionamento das instituições democráticas que a Constituição diz que é, utilizando para tanto os mecanismos formais ou informais de influência ou exercendo os legítimos poderes de bloqueio (p.e. o veto), mas alguém que se assume como caução institucional de um certo e determinado projecto de governo.
Por isso não fazem para mim qualquer sentido quer os argumentos de quem vêem em Soares o garante da estabilidade porque solidário com a actual maioria e com a direcção que o Engº Sócrates imprime à governação (coisa que duvido, aliás, que seja verdadeira); quer as razões daqueles que vêem na sapiência económica e experiência governativa do Prof. Cavaco, os melhores argumentos, nesta conjuntura, para ver nele o melhor candidato.
Execelente análise de ambos...creio que foi tudo dito!
Só não consigo deixar de acrescentar que se o PR, como diz o Dr.J.Sampaio, só agora vê reconhecida a sua importância política é tão simplesmente devido aos sucessivos Governos (leia-se Governantes e políticos) de fraca qualidade que temos tido na última década...Assim cá contínuamos à espera que a noite de nevoeiro nos traga algo de melhor a cada eleição que passa!...Seja lá ela qual fôr!...
Mas estou muito curioso por ver o que os candidatos vão dizer sobre este tema.
A forma como entendem o papel de Presidente da República e como o tencionam desempenhar. Ainda por cima quando um é Cavaco e o outro Soares que sabem bem do que falam.
Deve ser dos debates políticos mais interessantes dos últimos anos.(Com muitas recordações da sua coabitação?)
Mas não posso deixar de lembrar os comentários entusiasmados de Cavaco sobre um Conferência de Líderes e Ex-Lideres internacionais em que o tema era o Presidencialismo. (Por alturas do Congresso de Barcelos)
Sobre Sampaio: falou angustiadamente de tudo e ninguém lhe ligou.
Não tem perdão a falta de espaço e de tempo para o PSD preparar a sucessão de Barroso, nem um permanente zigzag de critérios quer políticos quer formais.
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