Achei curiosa a notícia da ocupação do Teatro Rivoli, no Porto, iniciada ontem à noite, após a representação da peça “Curto-Circuito”, da Companhia “Teatro de Plástico”.
Ao que é noticiado, essa heróica iniciativa foi capitaneada pelo director da “Teatro de Plástico”, nela tendo participado actores da Companhia, convidados e algumas das (heróicas) pessoas que teriam assistido à representação, num total de 44 pessoas.
Esta ocupação é uma forma “simbólica” de protesto contra a decisão da Câmara do Porto de entregar a exploração do Teatro a uma entidade privada.
A Teatro de Plástico será, com certeza, uma das entidades que se sente em risco perante esse cenário de privatização da gestão.
Esse risco, muito provavelmente, consistirá na impossibilidade de continuar a utilizar o teatro “mais do que gratuitamente”.
“Mais do que gratuitamente”, significa a utilização das instalações sem custo, acrescendo o recebimento de um subsídio, pago pelo Estado e/ou Autarquia para a produção das peças de teatro apresentadas.
O que não posso dizer, porque não sei, é o número médio de espectadores nas peças levadas à cena pela “Teatro de Plástico” mas, de acordo com estatísticas há pouco tempo divulgadas acerca do nº de espectadores para produções artísticas semelhantes, deve ser muito baixo.
Se no número de aderentes à ocupação se incluem como é noticiado, artistas, convidados e espectadores (ainda que não todos, com certeza), o total de 44 sugere alguma coisa.
Qualquer comparação com os espectadores das peças produzidas por Filipe La Feria deve ser aterradora.
Bem sei que La Feria produz um teatro que não é verdadeira cultura, na opinião dos titulares da autêntica cultura, daquela que nós subsidiamos com os impostos (baixos, segundo Tonibler) que pagamos.
A verdadeira cultura teatral, segundo esses entendidos, é a subsidiada. A que se vende não pode ser cultura, a venda retira-lhe a autenticidade, conspurca-a.
Neste caso do Rivoli, a exploração directa do teatro pela Autarquia, de acordo com números divulgados pelo seu Presidente, Rui Rio, custa ao Estado 7.500 euros/dia, ou seja 2.737.500 euros/ano.
Segundo a mesma fonte, as receitas do Teatro, no modelo de exploração actual, cobrem 6% das despesas.
Não me parece que nas despesas estejam incluídas as amortizações do equipamento, que são custos embora não sejam despesas, bem como as grandes reparações que de N em N anos se impõem num equipamento com estas características.
Temos pois a ocupação do Rivoli, por um grupo de heróicos defensores da “cultura” mas bem pouco amigo dos heróicos contribuintes.
Pareceu-me pouco feliz a reacção da Ministra da Cultura, com uma posição muito ambígua, não condenando a ocupação, oferecendo-se para mediar o “conflito” e limitando-se a dizer “ O que é preciso é salvaguardar o interesse público, uma vez que se trata de um equipamento pertencente a uma entidade pública”.
O que será que a Senhora Ministra entenderá por interesse público:
O interesse em manter o Rivoli com o modelo de utilização actual, generosamente pago pelos contribuintes?
Ou o interesse dos contribuintes, que reclama que situações destas sejam urgentemente corrigidas?
E será que o verdadeiro conflito é com a Autarquia? Não será mais com os contribuintes?
4 comentários:
Permita-me que subscreva quase na íntegra a sua análise. Duas pequenas reticências/dúvidas:
1.A cultura teatral, a tal que não se vende, é cultura, ou é sempre cultura? Pois é, tenho ainda muitas dúvidas. Na maioria dos casos é uma forma "patrocinada" para dar que fazer ( o que lhes apetece!) a meio dúzia de amigos e a quem faltou talento para captar plateias; (ressalvo algumas, poucas, honrosas excepções)
2. A ministra da Cultura não teve uma posição ambígua. Ela foi muito clara, imiscuindo-se, de imediato, numa àrea que é da responsabilidade municipal, a quem cabe resolver o problema. Que moverá a ministra? Olhem que podem não ser apenas preocupações culturais, ou politico-partidárias. Ele há amizades que vêm de longe...sabe-se lá!
Concordando, com muitas reticências, com algumas das questões que levanta tenho que realçar dois pontos.
Os números e a politica cultural.
Os números, infelizmente, são aquilo que fazemos deles. E os números apresentados são, não os números do custo do Rivoli, mas sim os custos da estrutura Culturporto, que além da gestão do Rivoli, era também responsável pela animação da cidade. Esvaziada dessa função, que passou para recém-criada Porto-Lazer, a Culturporto manteve os custos. Ou seja o Sr. Presidente duplicou custos. Esvaziou de funções, mas não de despesas, uma estrutura e criou uma nova. Também cortou drasticamente as verbas para programação e nunca redefiniu a estrutura que para uma lógica de programação própria tinha sido dimensionada. Erros de gestão, conscientes ou inconscientes, e que agora permitem uma demagogia de números.
Não há em Portugal politica cultural. Há um tapar permanente de buracos com a magreza dos orçamentos, seja no governo central, seja no autárquico. O Rivoli é o único instrumento de politica cultural de que a cidade dispõem. Abandona-lo, ainda por cima mantendo alguns custos, é comprometer o futuro, não o futuro dos agentes culturais, mas sim da cidade, não em termos de anos mas de décadas. As cidades têm que ser pensadas. E é isso que falta,
Parece que alguém "puxou as orelhas" à sra ministra e esta recuou...isto é, já disse que não falará com os ocupantes!
Já está melhor. Só não sei se já está bem...
Caro Rui Vasco,
Se este blog teve alguma contribuição, ainda que remota (manda a modéstia) para a decisão da Snra Ministra, ficamos satisfeitos.
Aquela ideia de mediar um conflito em que uma das partes era um pequeno grupo de reclamantes de subsídios - ocupando ilegìtimamente um espaço que não lhes pertence - e a outra "apenas" a multidão de contribuintes cada vez mais sofredores, tinha mesmo muito pouco jeito.
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