Para que não haja dúvidas, desde já esclareço que tenho mantido relações profissionais, embora esporádicas, com a Associação Nacional de Farmácias (ANF).
Essa circunstância deu-me a possibilidade de acompanhar, com alguma atenção, as eleições que se efectuaram neste fim-de-semana e que deram a vitória, ao que parece por mais de 70% dos votos, ao seu Presidente, Dr. João Cordeiro, que dirige a Associação há cerca de 30 (!) anos.
O processo que conduziu a estas eleições foi algo conturbado, em especial pela clara interferência governamental protagonizada pelo actual Ministro da Saúde, que fez tudo o que podia para desalojar João Cordeiro da Presidência da Associação.
Tudo começou na tomada de posse do Governo, em Março de 2005, quando o 1ºMinistro, no seudiscurso elegeu o fim do “monopólio” das farmácias como um dos grandes desígnios do seu Governo, como se o sector da distribuição de medicamentos constituísse o problema maior da concorrência em Portugal.
Seguiu-se um período de debate, por vezes aceso, em que ficou patente o antagonismo entre o Ministro e o Presidente da ANF.
A ofensiva continuou com a introdução na Lei Orçamental de 2006 de uma artigo (8º) estritamente dirigido a impedir a intervenção directa da ANF como garante do recebimento, pelas farmácias associadas, das comparticipações devidas por diversas entidades (com relevo para a ADSE) na venda de medicamentos comparticipados.
Num passado não muito distante, esses pagamentos eram feitos com enormes atrasos, o que causava graves problemas de tesouraria a muitas farmácias.
A ANF resolveu há alguns anos esse problema, através da negociação com o Ministério da Saúde, no tempo da Ministra Maria de Belém, de uma linha de crédito especial, assegurando às farmácias associadas o recebimento num prazo certo e cobrando das farmácias uma comissão por esse serviço.
Prosseguiu a ofensiva com o anúncio recente da criação de um fundo, a alimentar por verbas do Cap. 60 do Ministério das Finanças, destinado exclusivamente a garantir o pagamento às farmácias das comparticipações devidas na venda de medicamentos.
Esta ideia da criação de um Fundo de garantia pareceu-me um tanto bizarra pois, no essencial, consiste no Estado prestar uma garantia a si próprio, a dívidas que devem ser pagas por verbas orçamentais.
Justifica-se criar um fundo, alimentado por verbas orçamentais, para garantir o pagamento de dívidas que devem ser pagas igualmente por verbas orçamentais (transferências para ADSE)?
Mais recentemente, já muito próximo do acto eleitoral, apareceu o anúncio da criação de farmácias hospitalares, para funcionar 24 horas por dia, embora ainda não saiba muito bem que regime, se de propriedade pública, se em concessão.
Ao longo deste tempo, um cronista no Diário Económico, com notável regularidade, publicava textos hostis à Direcção da ANF e favoráveis ao candidato da oposição.
Em resumo, parece-me evidente que o resultado das eleições tem uma leitura política: mais do que uma vitória de João Cordeiro e uma derrota do seu opositor, constituíram uma derrota – e pesada - para a estratégia de afrontamento seguida pelo Ministro da Saúde.
1 comentário:
Pois, caro Tavares Moreira, aquilo que me parece da sua descrição é que o grande derrotado continuo a ser eu.
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