Não tenho qualquer problema em acordar cedo. O que me preocupa é dormir pouco com receio de, ao longo do dia, ficar curto de ideias. Ultimamente, tenho-me levantado não com as galinhas, mas antes de o galo começar a cantar.
O facto de chegar algum tempo antes da hora da responsabilidade permite-me ler um pouco, duas a três páginas de um bom livro, que me sabe a mel e, também, ver as pessoas a desembrulharem-se do casulo da noite, alguns com dificuldade visível, basta olhar para as suas faces, fácies da madrugada, inexpressivas, olhos embaciados, pensamentos opiáceos, marcha um pouco atáxica; deixa-me testemunhar a agonia do silêncio noturno e reparar em alguns efeitos dos filhos da noite. Foi o que aconteceu na manhã do dia das eleições para a Ordem dos Médicos. Atendendo às minhas responsabilidades tive de estar presente. Tudo em conformidade para mais uma manifestação cívica. As urnas vazias foram prontamente fechadas, deliciando-me com o crepitar e a liquefação do lacre a pingar sobre os respetivos atavios e a chancela a mergulhar no líquido vermelho, criando o selo da inviolabilidade, algo a fazer recordar histórias do antigamente, quando o lacre era usado tanto em documentos oficiais como em cartas de amor.
Antes de ter subido a escadaria, verifiquei que a paragem do autocarro em frente tinha o vidro lateral partido. No chão milhares de pedaços de vidro reluziam sob o efeito da luz do novo dia. Aproximei-me do montículo e, no meio, uma pedra era testemunha do ato selvagem. Ao lado, um pequeno ramo de uma planta com algumas folhas a coroá-lo, mais parecia uma flor lançada sobre uma campa. Dois momentos e dois significados na mesma madrugada.
O ato de vandalismo, um entre muitos que a cidade vem registando nos últimos tempos, constitui uma atitude lamentável de alguém incapaz de respeitar as regras de convívio social e o património coletivo. O que terá passado pela cabeça do energúmeno? Estaria sóbrio? Estaria bêbado? Fosse qual fosse o seu estado mental, ainda deveria ter alguma perceção do erro que estaria a cometer. É impossível não ter tido essa sensação. Às tantas não terá sido a primeira vez. Será que consegue aperceber-se do seu papel na sociedade? Será que tem emoções de amor, de caridade, de paixão, de ternura e não só de violência? Gostava de saber. Também gostava de saber como se comporta em caso de dor, de isolamento e de amor, entre outros.
Depois de ter dado início ao ato eleitoral, fui trabalhar todo o dia, sem conseguir esquecer os dois momentos que contrastavam em absoluto. Manifestação cívica de vários cidadãos que têm como objetivo dar o seu melhor para o desenvolvimento da sociedade a par da destruição selvática e gratuita de um representante de outra forma de ver e participar na sociedade. Ambos de origem humana. Sempre foi assim, poderão argumentar, talvez, mas não deixo de me questionar sobre o porquê de continuarmos a assistir a esta dicotomia.
Ao fim do dia, pelas vinte horas, e depois de um rápido cantar, “parabéns a você”, à neta mais nova, estava no meu posto de responsabilidade para o encerramento do ato. Tinha chegado o momento de colocar nas urnas os votos por correspondência. Tantos, meu Deus! Não me recordo a que horas foram todos colocados nas urnas. Finda esta tarefa, procedeu-se à contagem e depois à divulgação dos resultados. Meia dúzia de palavras finais para os vencedores e ala que se faz tarde, já passava da 1:30. Ao descer as escadas, cansado, calculei as horas que iria dormir, poucas. As noites curtas aborrecem-me, porque encurtam as ideias durante o dia. Noite fria, noite a despovoar-se, noite a convidar os amantes das pedradas, ainda olhei para o lado e reparei que o lugar do vidro estilhaçado já estava limpo, alguém terá cumprido com a sua missão, mas nada impede que, de manhã, noutro local, uma pedra seja novamente testemunha de um energúmeno, que se entreteve a desfazer o trabalho de outros.
O que sentirão os vândalos perante a destruição, a dor, o sofrimento e o amor?
O facto de chegar algum tempo antes da hora da responsabilidade permite-me ler um pouco, duas a três páginas de um bom livro, que me sabe a mel e, também, ver as pessoas a desembrulharem-se do casulo da noite, alguns com dificuldade visível, basta olhar para as suas faces, fácies da madrugada, inexpressivas, olhos embaciados, pensamentos opiáceos, marcha um pouco atáxica; deixa-me testemunhar a agonia do silêncio noturno e reparar em alguns efeitos dos filhos da noite. Foi o que aconteceu na manhã do dia das eleições para a Ordem dos Médicos. Atendendo às minhas responsabilidades tive de estar presente. Tudo em conformidade para mais uma manifestação cívica. As urnas vazias foram prontamente fechadas, deliciando-me com o crepitar e a liquefação do lacre a pingar sobre os respetivos atavios e a chancela a mergulhar no líquido vermelho, criando o selo da inviolabilidade, algo a fazer recordar histórias do antigamente, quando o lacre era usado tanto em documentos oficiais como em cartas de amor.
Antes de ter subido a escadaria, verifiquei que a paragem do autocarro em frente tinha o vidro lateral partido. No chão milhares de pedaços de vidro reluziam sob o efeito da luz do novo dia. Aproximei-me do montículo e, no meio, uma pedra era testemunha do ato selvagem. Ao lado, um pequeno ramo de uma planta com algumas folhas a coroá-lo, mais parecia uma flor lançada sobre uma campa. Dois momentos e dois significados na mesma madrugada.
O ato de vandalismo, um entre muitos que a cidade vem registando nos últimos tempos, constitui uma atitude lamentável de alguém incapaz de respeitar as regras de convívio social e o património coletivo. O que terá passado pela cabeça do energúmeno? Estaria sóbrio? Estaria bêbado? Fosse qual fosse o seu estado mental, ainda deveria ter alguma perceção do erro que estaria a cometer. É impossível não ter tido essa sensação. Às tantas não terá sido a primeira vez. Será que consegue aperceber-se do seu papel na sociedade? Será que tem emoções de amor, de caridade, de paixão, de ternura e não só de violência? Gostava de saber. Também gostava de saber como se comporta em caso de dor, de isolamento e de amor, entre outros.
Depois de ter dado início ao ato eleitoral, fui trabalhar todo o dia, sem conseguir esquecer os dois momentos que contrastavam em absoluto. Manifestação cívica de vários cidadãos que têm como objetivo dar o seu melhor para o desenvolvimento da sociedade a par da destruição selvática e gratuita de um representante de outra forma de ver e participar na sociedade. Ambos de origem humana. Sempre foi assim, poderão argumentar, talvez, mas não deixo de me questionar sobre o porquê de continuarmos a assistir a esta dicotomia.
Ao fim do dia, pelas vinte horas, e depois de um rápido cantar, “parabéns a você”, à neta mais nova, estava no meu posto de responsabilidade para o encerramento do ato. Tinha chegado o momento de colocar nas urnas os votos por correspondência. Tantos, meu Deus! Não me recordo a que horas foram todos colocados nas urnas. Finda esta tarefa, procedeu-se à contagem e depois à divulgação dos resultados. Meia dúzia de palavras finais para os vencedores e ala que se faz tarde, já passava da 1:30. Ao descer as escadas, cansado, calculei as horas que iria dormir, poucas. As noites curtas aborrecem-me, porque encurtam as ideias durante o dia. Noite fria, noite a despovoar-se, noite a convidar os amantes das pedradas, ainda olhei para o lado e reparei que o lugar do vidro estilhaçado já estava limpo, alguém terá cumprido com a sua missão, mas nada impede que, de manhã, noutro local, uma pedra seja novamente testemunha de um energúmeno, que se entreteve a desfazer o trabalho de outros.
O que sentirão os vândalos perante a destruição, a dor, o sofrimento e o amor?
3 comentários:
Primeiríssimamente; os meus parabéns à netinha e ao carinhoso avô.
O assunto do vidro partido, lembra-me os versos do tema de Pedro Abrunhosa, «Quem me leva os meus fantasmas», especialmente aquele que diz: "Aquele era o tempo, em que homens negavam o que outros erguiam" (http://www.youtube.com/watch?v=sqK7Ys155j4)
Tenho a sensação, que muitos homens sente a necessidade premente de derrubar aquilo que outros ergueram. Uns, porque estão convencidos que construir de novo, é a forma mais dinâmica de a sociedade se renovar. Outros, porque simplesmente, sentem uma força indómita que os compele a criar, mesmo que as suas criações, sejam de inferior qualidade ou préstimo, que as criadas anteriormente por outros homens. Outros ainda pela necessidade básica de destruír indiscriminadamente tudo o que encontram pela frente.
Apesar da revolta e desagrado que sentimos, ao assistir a cenas como a que o caro Professor aqui descreve, não sei sinceramente, até que ponto, é possível enquadrar pessoas que cometem estes actos nos estereótipos que determinam a ausência de qualquer sentimento.
Suponho que esses actos de vandalismo são praticados, na maioria, por jovens. Jovens que não têm nada para fazer. Não estudam, não trabalham. É uma forma de passar o tempo. E com tantas centenas de milhares de jovens desempregos, essas situações vão acontecer com muito mais frequência. A destruição é outra fonte de prazer. Triste!
mais prazer, ainda, porque não se é responsabilizado. Quando apanhado, o que é raro,o energúmeno, em questão, passa logo a doente, a marginalizado, a fruto da sociadade decadente,a problematico, enfim, essa conversa que a "justiça" arranjou, para não julgar eses fulanos, o que ainda, num futuro próximo, poderá dar mais um voto.
Claro que os pais, não querem saber o tipo de individuo que andam a criar, fruto de uma queca de ocasião, o estado que resolva.
Ficariam, era, ofendidos, se lhes fossem pedir o dinheiro para pagar o que o marginalzinho partiu, e que era obrigação, deles, pagar.
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