Há dias a comunicação social de Coimbra noticiou o novo projeto de regulamento destinado a proteger o ambiente e os cidadãos dos cães. Li, mas fiquei acabrunhado, confesso. No fundo, os principais argumentos assentam no perigo para a saúde e segurança dos seres humanos assim como permitir e estes a fruição de espaços lúdicos sem os inconvenientes inerentes às atividades caninas. Para não ser tudo contra os animais, e tudo a favor dos humanos, foi previsto alguns guetos para canídeos para não cercear o “direito” à liberdade dentro do espaço urbano.
Já me perguntaram se os cães podem provocar ou transmitir doenças aos seres humanos; digo que sim, mas, desde que sejam respeitadas algumas regras e condutas, não corremos riscos de maior, nem de perto nem de longe se compararmos com os riscos de doenças que os humanos transmitem entre si ou quando não respeitam comportamentos minimamente saudáveis. Logo, é fácil de concluir que, pelo lado da saúde, o argumento major cai ao primeiro sopro. Quanto à segurança não é muito agradável ser abocanhado, sobretudo pelos mais furiosos e indisciplinados. Falo com conhecimento de causa, porque o meu traseiro foi alvo, em miúdo, da atenção de um atrevidote, e nem falo do susto que uma dia apanhei ao abrir os olhos, estava deitado a gozar as delícias de uma tarde de verão junto à albufeira, quando vi o focinho de um pit bull a roçar o meu nariz. Os donos, franceses, passeavam junto da linha de água e não se aperceberam do desvario do animal. Pensei: estou tramado, este gajo pode ser muito perigoso e vai dar-me cabo do canastro. Não me mexi, esperando que os donos o chamassem. Afinal também há perfeitas bestas além Pirenéus!
Tive uma cadela durante mais de dezoito anos. Morreu velhinha. Foi uma fonte de alegrias, de algumas preocupações e protagonista de muitas historietas. O seu papel como elemento integrador e participante na formação dos miúdos foi inquestionável. Os jovens que crescem com os cães tornam-se mais saudáveis e solidários. Não tenho como objetivo dissertar sobre as vantagens destes convívios, porque são evidentes.
As limitações que querem impor aos animais de Coimbra preocupam-me. Reconheço que muitos circulam pela cidade sem cuidado, lançando dejetos a torto e a direito, e andam sem trela, mas a aprovação de certas regras não são compreensíveis. Se compararmos os efeitos das atividades caninas com as atividades humanas, podemos concluir que muitas das últimas são mais graves. Por exemplo, os canídeos não são responsáveis pelas práticas de sujar as paredes, nem tão pouco pelas garrafas e lixo comercial com os quais tropeçamos nas ruas, também não são responsáveis pela anarquia do estacionamento das viaturas, nem pela destruição dos equipamentos sociais, veja-se o Parque Verde, a ponte pedonal, o jardim da Sereia, nem pelos assaltos às residências ou pelo cheiro a mijo nalgumas zonas da cidade, isto só para ilustrar alguns fenómenos urbanos. A atenção das autoridades do município deve-se centrar nos seres humanos, os quais têm de cumprir com as regras, a bem ou a mal. No caso vertente, os donos de canídeos que não as cumprirem deverão ser punidos exemplarmente, quanto aos respeitadores, os tais, poucos, que limpam a merdinha dos animais, cidadãos exemplares, não posso deixar de testemunhar o meu público apreço, esperando que a cidade disponibilize meios para melhorar a higiene pública.
Para terminar, não resisto a recomendar um livrinho de Louis de Bernières, “O Cão Vermelho”. Li-o em dois simpáticos “latidos”. O livro conta a história do mais famoso cão australiano imortalizado em bronze. A minha cadela, que não tinha as capacidades do Cão Vermelho, nem tendência para as longas viagens e estadias fora de casa, nem protagonizou histórias relevantes, partilhava de algumas características com o famoso “Cão do Noroeste” australiano, lançava uns flatos, intensos e malcheirosos, capazes de intervalar uma guerra, no fundo mais um incómodo do que um problema de saúde pública! Atendendo a que estes animais já deram muito aos seres humanos, e irão continuar a dar, não seria despiciendo se fosse erigido uma pequena estátua, num espaço público (não interdito a canídeos!), como forma de testemunhar o nosso agradecimento e apreço a tão simpático companheiro.
A minha última observação prende-se com certos cidadãos de Coimbra, espero que não sejam muitos, mas que existem, existem; alguns não gostam de árvores, outros não gostam de cães, há os que não gostam de outros seres humanos, mas o mais preocupante são os que não gostam de si próprios.
Coimbra é uma cidade esquisita (em surdina...)!
8 comentários:
Os proprietários, dos cães, parecem perús inchados, a andar na rua com a sua propriedade, um cão de marca. Para eles, é igual, um cão, um mercedes, um audi. Se o cão, fica doente, rua. O homem, já passa mal, para ter dinheiro para o combustivel, para parecer.
Uns imbecis.
Os nossos amados bichos companheiros, dão-nos tudo, são dignos e leais.
Quem maltrata os animais, deveria ser exemplarmente punido.
Caro Professor:
Pois já que fala dos simpáticos bichos, aqui deixo aos nossos leitores um livro extraordinário sobre os ditos: O Cão de Sócrates (edição Esfera dos Livros). Um cão extraordinário, que relata na primeira pessoa todo o governo de Sócrates. E as relações como 1º Ministro. Com dias excelentes e dias amargos. No Gabinete, quando não havia recepções, encontros ou entrevistas, entretinha-se a roer o Diário da República sem qualquer reparo do dono. O pior foi quando um dia roeu inadvertidamente o diploma da licenciatura de Sócrates...Bem, o cão começou a pensar em encontrar outro dono...
Vale a pena ler!
No tosco reino de Lagutrop
Onde tudo gira ao contrário
A razão é sempre torpe
No que toca ao ideário
Trocam o justo pelo injusto
Só para marcar posição
Inaugura-se um arbusto
E manda-se pr'o canil, o cão
Porque cão, é bicho imundo
Não se monda, nem se rega
Se virmos, bem lá no fundo,
Da sociedade, merece nega.
Lagutrop, Lagutrop, meu cantinho especial
És um espelho, sem reflexo
Um problema complexo
Preces-te com o meu Portugal
Caro Professor, nota-se em Portugal uma certa e subtil ofensiva contra os cães. É cada vez mais comum haver parques e jardins nos quais os municipios impedem a presença de cães. Por acaso não sei se as câmaras têm competência para o fazer mas o certo é que o fazem. E mais algumas pequenas coisas. Na CP, por exemplo, há anos larguissimos (ao ponto que não sei, mesmo, desde quando portanto serão décadas) que os cães sempre viajaram com trela, açaimo e meio bilhete de 2a classe. Posteriormente, isto há uns 5 anos talvez, passaram a pagar meio bilhete da classe em que viajavam, versão que durou um par de anos sendo substituída pela actual, bilhete inteiro da classe em que viaja o dono e, desde 2008, estando vedado o transporte aos cães das raças potencialmente perigosas (por decreto).
São pequenas coisas, subtis, que mostram um desejo de afastar os cães do convivio citadino.
Que diferença em relação aos países do Norte da Europa onde o convivio com animais é estimulado ao mesmo tempo que se definem as regras de convivencia entre animais e humanos que qualquer dono de animal tem que cumprir, ou seja, estimula-se a existencia de cães em convivio com os humanos obrigando-se os humanos a educar correctamente os seus amigos caninos por forma a não haver problemas.
Posso porém dizer-lhe que em Espanha não há também um grande apego aos animais. Onde está a grande diferença é que Espanha está a fazer o caminho inverso a Portugal havendo cada vez maior consciencia do valor dos animais e usando-se meios para melhorar a convivencia entre animais e humanos onde antes havia um simples afastar dos cães. Mencionou o apanhar da caquinha. No municipio de Madrid (já vi em mais sitios mas este, claro, é o que melhor conheço) há saquinhos gratuitos por todos os lados. Várias papeleiras daquelas que estão penduradas nos postes de iluminação pública têm, de lado, uma ranhura onde estão os sacos. É só chegar e tirar... embora quando se está num sitio da cidade que não se conhece isto crie a situação caricata de ir pela rua olhando para as papeleiras do lixo em busca da que os tem. Mas muitas têm, talvez 10% de todas as papeleiras da cidade, o que, dada a quantidade de papeleiras que existem por todos os lados em Madrid significa que há sempre alguma por perto com eles. Ao mesmo tempo se não se apanhar a multa é de 150 a 300€... E é efectivamente aplicada.
Uma correcção a algo em que apenas reparei depois de ler. O pagamento de bilhete inteiro da classe em que viaja o passageiro apenas se aplica nos comboios Alfa e IC. Nos regionais pagam meio bilhete (é classe única) e nos suburbanos de Lisboa, pagavam meio bilhete, tendo sido abolido o bilhete de cão em 1 de Janeiro deste ano. Nos suburbanos do Porto pagam bilhete inteiro.
Em Portugal, e não só, pelo que leio e ouço, vai-se assistindo a uma progressiva tentativa de asseptização da sociedade. As "perseguições" aos fumadores são um bom exemplo. Em Inglaterra já se fala de proibir o fumo (de tabaco) ao ar livre.
Eu vejo essas legislações anti-canídeas na mesma linha. Holier than thou.
E o comentário do amigo Zuricher, logo logo desde cedo, fez-me lembrar o "First they came for the communists..."
Será que o regulamentador excelentíssimo teria em mente estes cães a que se refere a música...
Nós humanos comportamo-nos como animais e depois exigimos que os animais se comportam como humanos. Não será que os papéis estão invertidos???
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