… E, enfim, repetiu-se a história a que, infelizmente, desde 2002 já estamos habituados: devido à descoberta de um “buraco” nas contas públicas herdado superior ao previsto, lá vem mais austeridade – para além de toda a que já está prevista no acordo de assistência financeira assinado por Portugal com BCE/CE/FMI. Foi assim com Durão Barroso em 2002; depois com Sócrates em 2005; novamente com Sócrates em 2010 (sendo que, aqui, o protagonista foi, ele próprio, o responsável governativo pelo “buraco” atingido); ainda com Sócrates já em 2011 (no chamado “PEC-4”) e nas mesmas circunstâncias; finalmente, agora, com Passos Coelho. Em todas as ocasiões, uma característica em comum: a austeridade foi apresentada com detalhe mais ou menos acrescido do lado do aumento da receita (isto é, do aumento de impostos) e de forma muito vaga do lado da despesa. No caso que agora mais nos importa, soubemos, na semana passada, que este ano todos os rendimentos sujeitos a englobamento em sede de IRS (como salários e pensões) serão tributados extraordinariamente por um valor equiva-lente a 50% do subsídio de Natal na parcela acima do salário mínimo nacional (EUR 485 mensais). Uma medida que renderá, de acordo com as contas do Governo, um valor em redor de EUR 800 milhões, que será mais pormenorizada nas semanas que se seguem, e que foi tomada porque o INE revelou, também na semana passada, uma execução orçamental na óptica da contabilidade nacional (a que importa para Bruxelas) bem pior do que o esperado: a transposição, para o conjunto do ano, do resultado do primeiro trimestre, indicia um desvio de mais de EUR 2 mil milhões (para pior) face ao objectivo definido no acordo firmado com quem nos irá acudir financeiramente (BCE/CE/FMI). O montante em falta será encontrado cortando na despesa – depois de efectuada uma revisão completa nos gastos públicos no prazo de 3 meses. Por outras palavras, se o aumento extraordinário de impostos ocorrerá no IRS, já o corte na despesa pública ocorrerá… na despesa pública.
Como o leitor que segue os meus escritos bem sabe, e as minhas intervenções em diversos fóruns ao longo do tempo têm demonstrado, não só (i) sou um fervoroso adepto da competitividade fiscal (para o que impostos cada vez mais elevados em nada contribuem, muito pelo contrário, como o nosso País tristemente testemunha…), como (ii) não defendo a redução do défice público feita maioritariamente à custa do aumento de impostos, e (iii) tenho sido muito crítico relativamente a esta forma de agir. Por-que se os aumentos de impostos têm sido bem identificados e definidos, e todos sentimos no bolso uma pressão fiscal acrescida pouco tempo depois, a imprecisão dos anúncios na despesa pública têm levado a que, em geral, os cortes pouco tenham sido sentidos na prática, sobretudo nos gastos correntes. Resultado: a receita não tem subido como se antecipava (naturalmente, porque impostos cada vez mais altos prejudicam a actividade económica e estimulam a fraude e a evasão fiscais) e a despesa tem continuado a crescer – logo, o famoso défice público nunca desceu como tinha sido previsto. É assim que temos vindo a liquidar a nossa economia – ao mesmo tempo que não resolvemos o problema orçamental.
Há, contudo, desta vez, uma diferença fundamental para as ocasiões anteriores: Portugal encontra-se numa situação em que não pode mesmo falhar as metas do acordo que foi assumido – porque se tal viesse a suceder (e longe vá o agoiro!...), ou (i) a dose de austeridade seria (ainda mais) reforçada (e veja-se o estado caótico a que chegou a Grécia), ou (ii) seria a bancarrota, o descalabro, a inexistência de recursos para os nossos compromissos (incluindo o pagamento de salários e pensões), porque as tranches do empréstimo negociado não nos seriam enviadas.
Neste contexto, a opção do Governo de apresentar, mal iniciou funções, uma medida como esta – de natureza excepcional, a vigorar apenas em 2011 – destina-se, em minha opinião, a inspirar confiança na comunidade internacional e a querer descolar Portugal da Grécia no cumprimento das metas estabe-lecidas. E sabe-se (até pelo passado...) que as medidas que atingem a despesa demoram sempre mais tempo a tornar-se efectivas – com excepção de cortes de salários e prestações sociais regulares – do que as que levam a um aumento da receita, mais céleres a produzir efeitos. Ora, mais de metade do ano já lá vai...
Estamos, pois, em presença de uma rotura em relação ao comportamento do Executivo anterior – que correu sempre atrás do prejuízo, apresentando medidas com largo atraso em relação ao que era exigido (recorda-se o leitor do sucedido ao longo de 2010?...) e, em geral, sob pressão internacional (leia-se, BCE, CE, Alemanha). O que, por si só, já me parece um avanço notável.
No entanto, é muito importante precisar – e rapidamente – as áreas em que será cortada a despesa pública. Algo que, desta vez, e ao contrário do sucedido no passado, não pode deixar de ser feito, nem pode falhar. Porque só assim os Portugueses aceitarão o aumento extraordinário do IRS agora decidido e perceberão que a mudança chegou realmente. Por mim, acredito que é assim que vai acontecer. Venham lá, agora, as notícias do lado da despesa, sff.
Nota: Este texto foi publicado no Jornal de Negócios em Julho 05, 2011.
6 comentários:
Poije (aka "Pois" escrito com base no novo acordo ortográfico, porque sim)...*Suspiros*
Dr. MF, não me leve a mal, mas não poderia escrever qualquer coisita assim... menos deprimente?
Não é que não concorde com o que escreve, concordo. Mas já viu que se está a falar do descalabro económico, para aí, desde o início do ano? (estou a ser generosa).
Ainda agora, no telejornal, noticiaram que a agência não-sei-quantas cortou o rating de Portugal... mudei de canal porque já não há paciência para aturar nem os tipos das notícias, nem os tipos das agências de rating (que me deixam a distinta sensação de que nos estão a manipular).
Nós já sabemos que estamos numa situação complicada e é importante estar a par dos buracos que vão surgindo (que devem ser imensos e ainda a procissão vai no adro), mas que tal passar a falar de empreendedorismo? Ideias que ponham as pessoas a mexer, a pensar em querer fazer coisas para sairmos desta "depressão"? Bem sei que não é a sua obrigação, mas ajudava.
Se vão emagrecer o Estado (e acho bem que o façam) também é conveniente começar a "trabalhar" a atitude das pessoas, a propor alternativas e encorajá-las a sair do comodismo (até porque vão ter de sair quer queiram, quer não).
É que assim isto já parece o desembarque na Normandia... morre tudo na praia!
"precisar – e rapidamente – as áreas em que será cortada a despesa pública"
Absolutamente.
Como por ex:
Vendendo a RTP;
Abolindo a maioria das Fundaçoes,
suspendendo, com pré aviso de tres meses:
contribuiçoes à Fundaçao Mário Soares;
à Exposiçao Berardo no CCB.
Caro Bmonteiro,
Pois isso seria um bom começo. Eu não consigo perceber porque é que o Estado tem de meter o nariz nessas coisas todas, quando essas instituições podem - perfeitamente - procurar mecenas, patrocinadores e fazer angariações de fundos.
Que contribua para a investigação científica em alguns sectores, concordo, mas substituir-se aos privados em áreas que não são prioritárias é que eu não entendo.
Os mecenas, cara Anthrax, aparecem em época de eleições, para oferecer verbas aos candidatos com fortes hipoteses de ganhar. E geralmente, cada mecenas "investe" em mais que um candidato. Depois, se um deles for eleito, lá estará o mecenas a cobrar o seu investimento, em forma de favores.
Agora que um grande número de fundações e de institutos existe somente para sacar dinheiro do orçamento, sem produzir algo mais que não seja a rendazinha do seu presidente, geralmente um ex-político e dos que o rodeiam... disso não tenhamos a menor dúvida.
1. Creio que existe um equívoco. O indicador que deveria ser tido em conta era o do % da despesa pública relativamente ao PIB.Porque esse é que é verdadeiramente estrutural e é esse que os Mercados têm em conta.
2. A reacção da Modys tão mal compreendida por cá perceber-se-ia bem
3. De facto um imposto extraordinário não mexe na despesa e baixa o PIB. Ou seja a nossa capacidade de gerar dinheiro para pagar as dividas diminui.
António Alvim
Meu caro Bartolomeu,
Estou eu aqui a pedir um bocadinho optimismo e "ZÁS! Toma lá um balducho de águita fria que é pra acordares".
Caro reformista,
Estou eu aqui a pensar... que isso resolvia-se mesmo bem era com uma máquina impressora de última geração.
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