1.Assistimos ontem e hoje a uma generalizada manifestação de forte indignação, por parte de inúmeros titulares de cargos públicos, de empresários (sobretudo do sector financeiro como seria de esperar), de “opinion makers” da moda e de muitas “forças vivas”, motivada pela descida do rating da dívida pública portuguesa, em 4 “notches”, divulgada na 3ª Feira pela agência de notação Moody’s.
2.Tentei encontrar reacções mais sensatas e realistas e só encontrei três: a de Vítor Bento, no blogue da Sedes e as de Brandão de Brito e Pinho Cardão no 4R. Devo acrescentar que considero muito contido, no meio do coro de lamentações que se ouviu, o comentário do PM - que se limitou a dizer que sentiu esta notícia como “um murro no estômago” – e concordo que o caso não é para menos.
3.Adianto que não é meu propósito comentar a já ultra comentada notícia, embora confesse que não me revejo no coro de lamentações que acabamos de testemunhar, considero-o mesmo um mau sinal em relação às imensas dificuldades que nos aguardam e que requerem “nervos de aço” em vez de reacções, algumas bem infantis, de indignação.
4.Vou antes evocar as reacções oficiais que no antigo regime eram frequentes, sempre que na ONU em algum outro fórum internacional Portugal era alvo de ataques normalmente associados ao problema ultramarino ou ao carácter autocrático do regime.
5.Quando esses ataques eram mais violentos, era uso da época (estou a falar dos anos 50 e 60) promover manifestações de desagravo, juntando muitos milhares de pessoas, a Mocidade Portuguesa, a Legião, muitas forças vivas bem encadernadas e embandeiradas, contando com a presença do Presidente do Conselho, Dr. Oliveira Salazar.
6.Julgo que ontem estivemos muito perto de assistir (ou será que ainda vamos assistir?) à convocação de uma grande manifestação de desagravo à moda antiga, contando certamente com discursos inflamados contra as agências de rating, um deles do PGR a prometer “mão pesada” da justiça contra estes bárbaros americanos, etc...
7.Noutra vertente, começam a tornar-se cada vez mais frequentes e insistentes as mensagens, provenientes dos mais diversos quadrantes empresariais (e tb políticos), recomendando a preferência por produtos nacionais como forma de ajudar a resolver os nossos problemas económicos.
8.Estas mensagens trazem-me também à memória os noticiários da velha Emissora Nacional, nos anos 50 e 60, que algumas vezes por semana eram complementados por notícias económicas, lidas pelo inesquecível Fernando Pessa, e terminavam sempre com a frase “e prefira sempre os produtos nacionais”!
9.Passaram 50 anos ou mais, tomamos opções fundamentais de abertura ao exterior, aceitamos como grande vitória a integração num grande espaço económico que é a União Europeia, antes Mercado Comum Europeu, prescindimos da política monetária aderindo ao Euro, também como uma grande vitória...
10.E agora, com as fronteiras económicas completamente escancaradas, em que os produtos que consumimos vêm das mais diversas partes do mundo, voltamos a dizer “e prefira sempre os produtos nacionais”...
11.Vamos voltando ao passado...o que virá a seguir?
9 comentários:
A seguir...caro Dr. Tavares Moreira, só poderá vir para o estado, aquilo que já chegou ha algum tempo para um enorme número de portugueses, que, ou por inconsciência, vaidade, ou inocência, aceitaram os empréstimos fáceis que os bancos lhes ofereciam, atingindo um bolo de encargos, largamente superior ao dos auferimentos. A falência!
A menos que toda a gente se convença que para sobreviver, vai ser preciso produzir, economizar, reduzir ao máximo as importações e distribuir com a máxima justiça, tanto os sacrifícios, como os benefícios.
Eu só gostava de perguntar a todos os indignados se aquilo que estão a dizer é que a segurança social portuguesa devia meter o dinheiro em obrigações altamente rentáveis sem risco, como as Gregas. Afinal, se não têm o risco que as agências de rating dizem e se têm uma taxa implícita de 20%, ou coisa do género, então porque é que não havemos de viver uma reforma à conta da incompetência criminosa das agências?
Caro Tavares Moreira,
Pela 1ª vez subscrevo na íntegra um post seu. Muito bem!
Caro Tavares Moreira,
Nunca vi nenhum jornalista perguntar aos coristas da lamentação se estariam prontos para emprestarem/investirem as suas poupanças na Câmara de Lisboa ou na CP.
Será que alguém no seu perfeito juízo e podendo emprestar dinheiro em milhares de opções diferentes o iria fazer logo a Portugal?
É tão simples quanto isto.
Cumprimentos,
Paulo
PS: Alguns lamentadores estão bem conscientes do que o meu amigo escreve, mas como sabe as funções (semi-)públicas têm os seus ossos do ofício. Fazer coro com a cretinice indígena, mesmo que pontualmente, é um deles...
Se bem me lembro, a frase do saudoso Fernando Pessa, na sua pronúncia inconfundível, era: "Ajude-se a si mesmo preferindo sempre os artigos nacionais!". Há dias li algures a notícia de que as autoridades da Catalunha recomendavam que os catalães consumissem de preferência os produtos locais, evitando, por exemplo, beber vinho da Rioja, mas sim vinho catalão. Claro que há exageros, mas sempre desconfiei da repugnância absoluta pelo proteccionismo. Afinal, um pouco de proteccionismo, apenas um pouquinho, talvez seja aceitável.
Bem lembrado, caro Tavares Moreira, bem lembrado. E obrigado pela menção.
Em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão! É assim a vida antes de se declarar falência...
Caro Bartolomeu,
Sua receita para prevenir a falência está muito certa, só tem um óbice, na minha análise: não sei como é que se reduz ao máximo as importações enquanto houver rendimento disponível que não corresponda a produção efectiva - concretizando enquanto o Estado (nas suas múltiplas versões) e a miríade de empresas que parasitam na sua órbita continuarem a distribuir rendimento em contrapartida de...nenhum ou quase nenhum valor produzido...
Poderá o meu Amigo ajudar-me a ultrapassar esta dificuldade?
Caro Tonibler,
Dou-lhe toda a razão e interrogo-me sobre o que andam a fazer os gestores financeiros da Segurança Social que já deveriam ter convertido a carteira de aplicações, a 100%, para títulos da dívida pública portuguesa, grega e irlandesa, consequindo maximizar o rendimento e sem qualquer risco...
Mandem às malvas as agências de rating e abram os olhos!
Caro Wegie,
Ainda bem, eu sabia que este dia haveria de chegar!
Caro Paulo,
Certamente, os críticos das agências de rating, para serem coerentes, deveriam dizer: eu vou investir em títulos da dívida portuguesa a 10 anos todas as minhas poupanças...aí, sim, eu acreditaria na sua sinceridade, até isso acontecer tenho naturais dúvidas...
Caro Freire de Andrade,
Óptima achega, a frase de Fernando Pessa era mesmo assim! Obrigado pelo contributo!
Quanto ao conceito "um pouco de proteccionismo", confesso-lhe a minha dificuldade em assimilar!
Caro Pinho Cardão,
Não tens de quê, é uma questão de justiça somente!
Caro Fartinho da Silva,
Neste caso será, se me permite, "casa onde não há pão, todos se indignam com a Moody's mas ninguém ousa investir em dívida pública portuguesa"!
Concorda?
Caro Tavares Moreira,
Concordo em absoluto!
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