1.Num interessantíssimo artigo, publicado na edição do F. Times de 5 do corrente, o bem conhecido Martin Wolf mostrava de forma muito clara que a Grécia – seguramente -, Portugal e a Irlanda muito provavelmente, nunca mais terão condições para começar a reduzir a dívida pública que acumularam até hoje, ficando sujeitos a um processo de crescimento indefinido dessa dívida até um dia em que o “default” se tornará inevitável – apenas uma questão de tempo, mais ano menos ano.
2.Wolf concluía que sem um alívio considerável do serviço da dívida - seja por (i) uma significativa redução dos juros a pagar, (ii) uma redução do montante da dívida ou (iii) uma combinação das duas coisas - a Zona Euro nunca mais conseguirá resolver a situação destes países “aflitos”, cuja única alternativa seria, no limite, o abandono do Euro...
3....Provavelmente no meio de uma tempestade susceptível de colocar em risco a continuidade do modelo da moeda única e por arrastamento a estabilidade do sistema financeiro europeu (“risco sistémico” como está na moda chamar-lhe).
4.E parece que é por esse caminho de “debt relief” que, apesar das enormes hesitações dos países mais solventes do norte da Europa, o processo de renegociação do novo pacote de ajuda à Grécia está sendo orientado, falando-se de uma combinação de (i) “default” selectivo/reestruturação, (ii) redução dos juros a pagar e (iii) extensão considerável do prazo de reembolso da dívida.
5.O elemento aparentemente mais complexo neste pacote é o “default” selectivo, conceito que ainda está por esclarecer mas que ao que tudo indica incluirá uma perda efectiva (“haircut”) por parte de titulares privados e públicos da dívida pública grega.
6.Chamo-lhe mais complexo porque ainda não existe uma avaliação perceptível do “modus faciendi” deste “default” nem das consequências que daí poderão advir para os outros países “aflitos” – e não só pois, como já se viu, também a Itália e a Espanha não se encontram livres de perigo – por força do contágio de uma solução para a Grécia cuja consistência não convença os mercados/investidores.
7.Mas os problemas não acabam aí pois também se vai colocar a questão do “moral hazard”, ou seja de saber se os países beneficiados por um “debt relief”, ao sentirem o alívio da pressão que sobre eles existe hoje, não irão descansar e relaxar a aplicação das duras medidas de saneamento orçamental e de transformação estrutural a que se comprometeram.
8.Trata-se de uma velha questão, a que os países mais solventes do norte da Europa são particularmente sensíveis – e com boas razões, refira-se - pelo que estou muito curioso para saber qual será a nova condicionalidade a colocar, caso o “debt relief” venha a ser acolhido, para obstar ao “moral hazard” e garantir que os programas de austeridade e de correcção estrutural nos países “aflitos”são mesmo para cumprir, não sendo admitido qualquer relaxamento...
9.Estamos a iniciar uma semana meio “louca” na Europa, com a Cimeira europeia convocada já para a próxima 5ª Feira e tanta coisa por definir...
10.E, nas circunstâncias actuais, a pior decisão dessa Cimeira até pode ser...nada decidir.
4 comentários:
Pelo que me foi dado a conhecer da proposta de "default" grega, aquilo é o que se chama nos meios mais sofisticados de "roubalheira das antigas", ao qual não falta todos os ingredientes da crise do subprime, nomeadamente a securitização da dívida em veículos especiais que emitem em várias tranches e aquilo que é óbvio do "selectivo" que é "vamos seleccionar uns credores especiais e mandar às urtigas todos os pobres que eventualmente tenham dinheiro nisto". A proposta europeia é uma perfeita vigarice, uma roubalheira aos credores menores, uma burrada sem precedentes.
Não percebo a razão pela qual o tal comentador diz que não é possível aos países do Sul pagar a dívida, mas isso começa a ser comum entre os comentadores britânicos para quem o euro sempre foi a expressão terrena do demo e a quem devia ser perguntado o que é que a desvalorização da libra em mais de 40% face ao euro lhes mudou o que quer que fosse na vida corrente.
Caro Tavares Moreira
O EURO substituiu a especulção cambiária pela especulação dos títulos de dívida pública. O aumento da integração financeira é o passo necessário para se eliminar a especulação.
Naturalmente que a maior integraçao financeira comporta um custo, um conjunto novo de deveres e, porque se trata de dinheiro, uma "igualdade" na proporção dos compromissos assumidos.
É isto que se está (vai) a discutir, liminar ou subliminarmente: quem manda, quem obedece, quanto se empresta, quais as contrapartidas.
Os gregos demonstraram a sua incapacidade para implmentar um modelo renano de capitalismo sustentável; resta-lhes alienar a soberania no lado financeiro e fiscal, sempre se assegura uma reforma modesta mas, digna. Arriscam-se a terminar como os ezvones: soldados de parada com uma indumentária patusca.
Para os irlandeses e portugueses ainda existe o benefício da dúvida;por isso as apostas que se fazem são, no mínimo, (ainda) claramente exageradas.
O "problema" é que deixou de ser um assunto onde nós (e os outros como nós) possam influenciar. Bem vindos à verdadeira Europa, saudemos o fim da pantomina que, 60 anos de comunismo impôs a este velho continente. Nem todos estão preparados porque pensaram que a história tinha acabado ou que, o mundo era bicolor.
Bruxelas está cada vez mais próximo dos salões nobre de Viena, durante a convenção que da frieza monocromática de estabeliciemnto burocrático.
Caro Tavares Moreira, como bem sabe, a questão há mais de um mês que deixou de ser económica, jurídica ou outra que não política; aí, as questões de mercearia: quanto me toca e quanto vou ganhar assumem uma relevância capital mas, porque é uma questão políticaa não tenho qualquer dúvida que o instinto de sobrevivência prevalecerá sobre pulsões suicidárias.
Cumprimentos
joão
Caro TM
Não deixa de ser curioso que o que era uma heresia (reestruturação da dívida) passe a ser uma realidade aceitável (debt relief).
Caro Tonibler,
Não vamos ser tão pessimistas, anatematizando tão vibrantemente estas magníficas propostas(?) de reestruturação da dívida grega.
Se o "selective default" for no sentido de distinguir em especial os bancos gregos titulares de dívida pública do seu País veria algum mal nisso?
Seria até uma oportunidade de por à prova o patriotismo desses bancos e do seu accionariado...
E o mesmo princípio poderia depois ser aplicado aos portugueses e irlandeses...
No nosso caso temos aliás a vantagem de conhecer à partida o alto espírito patriótico dos nossos banqueiros depois do berreiro que fizeram conta a Moody's...
Caro João Jardine,
É capaz de estar próximo da verdade...
Eu só não entendo muito bem a insistência de J. C. Trichet em dizer que o BCE não vai aceitar como colateral dívida soberana rotulada de "default" quando consta por aí que já lá tem o equivalente a isso...
Caro Wegie,
É curiso, mas é a vida, sobretudo quando andaram durante anos a dormira sono solto, fazendo de conta que a Zona Euro era um Clube onde todos se tinham convertido aos sãos princípios do equilíbrio orçamental...que grande ilusão!
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